quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Esquema do texto 5: Russell, introdução e capítulo 1 (agora COMPLETO)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Introdução e capítulo 1: Association Football and the Men Who Made It, 1863-1885. pp. 1-29.

INTRODUÇÃO (1-3):

- (1) História Social valorizou o futebol, antes desprezado pela academia, o que começa a mudar somente na década de 1970. Ainda em 1971, o autor, primeiranista na Universidade de York, tinha achado engraçado que o Depto. de Sociologia oferecesse uma ‘football option’);

- (1-2) Ponto de inflexão em 1975: a publicação de The People’s Game, de James Walvin, uma síntese que teve o mérito de “identificar a história do futebol como um território válido para a pesquisa acadêmica” e de “levantar questões centrais para consideração posterior”;

- (2) Outros autores (ver bibliografia do curso): Mason (1980), Wagg (1984), Vamplew (1988) e Fishwick (1989, English Football and Society, 1910-1950)

- (2) Outras disciplinas também descobrem o futebol, como a Sociologia, bem como escritores e jornalistas; toda esta produção sugere um lugar de maior importância para o futebol na sociedade britânica após os problemas das décadas de 1970-80

- (2) Objetivo do livro: obra de síntese, focada no futebol inglês mais do que britânico (por falta de espaço e conhecimento), com ênfase no futebol profissional e na Football League (4 primeiras divisões), eventualmente tratando do futebol amador, feminino e futebol internacional.

- (2-3) Não buscou ser exaustivo, mas procurou apontar lacunas a serem preenchidas por pesquisas futuras;

- (3) Livro escrito em sua maioria durante a temporada 1995-6 [3ª. da PL]

- (3) História social e cultural do futebol, tendo como objetivo principal “a relação entre o futebol (...) e a sociedade inglesa mais ampla”, incluindo as relações esporte-mídia, o impacto da mudança econômica sobre jogo e clubes, a luta dos jogadores contra o sistema de transferências.

- (3) “A ênfase particular recai sobre o papel que o futebol desempenhou em refletir, construir e representar debates e conflitos relacionados às questões de classe e conflitos de classe, identidade local, regional e nacional e de gênero. De fato, uma premissa central deste estudo é que o futebol foi moldado, e por sua vez moldou, as relações de poder que existiram entre os diferentes grupos sociais da sociedade inglesa.”

- (3) Voltado para leitores acadêmicos e público leigo inteligente

CAPÍTULO 1 (5-29):

[0] Objetivo do capítulo (5): “examinar como o jogo deixou de ser a propriedade de um pequeno número de jovens educados em public schools e grammar schools para se tornar um jogo com raízes bem mais amplas, destinado a se tornar o esporte nacional de inverno.”

- Para isso será necessário antes tratar brevemente da relação entre o “association football” e o que o precedeu: o futebol tradicional (folk) e os jogos praticados nas public schools.

- Normalmente este processo, bem conhecido, é resumido de forma muito simplificada da seguinte forma: “Um tipo primitivo de futebol existiu durante séculos, mas no início e na metade do século XIX este jogo turbulento e indisciplinado foi suprimido por uma classe proprietária ansiosa por preservar a lei e a ordem. Várias versões do jogo foram mantidas vivas e ‘civilizadas’ por diretores de public schools que buscavam promover a disciplina e o “cristianismo atlético” [lit. Cristandade musculosa]. Jovens provenientes das public schools querendo desfrutar do futebol depois de sair da escola desenvolveram versões combinadas e codificadas do jogo na forma do association football (1863) e do rugby football (1871), versões que foram ‘levadas’ por aqueles com consciência social para as classes trabalhadoras urbanas.”

- Há muito de verdade neste quadro, mas a pesquisa realizada nas últimas duas décadas revelou uma maior complexidade do processo de desenvolvimento do jogo.

[i] ‘Folk’ football (5-8)

- (5) Raízes profundas do jogo na Inglaterra; registros escritos acerca de formas tradicionais de futebol datando do século XIV, referentes a proibições tentadas por sucessivos governos preocupados duplamente: com ameaças à lei e à ordem e com o fato de que tais jogos afastavam o povo das práticas militares, sobretudo do arco-e-flexa.

- (5-6) É possível até que estes jogos sejam mais antigos

- (6) Não havia um único jogo chamado futebol, mas sim uma falmília de jogos disputados em diferentes partes do país; normalmente eram jogos de grande escala praticados durante banquetes da aldeia, feiras e vigílias (religiosas), ou durante feriados nacionais como a Terça-Feira Gorda.

- (6) Provavelmente eram jogados por homens das ordens inferiores, embora alguns historiadores afirmem a presença de cavalheiros e outros elementos da elite; as mulheres certamente tomavam parte em alguns destes jogos;

- (6) Havia os jogos com número ilimitado, poucas regras e campo que podia ser uma cidade inteira, como a Terça Feira Gorda em Derby, em que se confrontavam (nominalmente) duas paróquias, com times de 500-1000 pessoas, usando até o rio e jogando durante seis horas; mas havia também o hurling na Cornualha [ver texto Elias e Dunning] com um conjunto de regras, uma área delimitada e número equilibrado de jogadores.

- (6) Embora todos os jogos envolvessem um certo grau de violência física, talvez eles nem sempre tão indisciplinados quanto se supõe.

- (6) Por volta de 1830-40, estes jogos estavam extintos ou quase isso, vítimas de um conjunto de forças econômicas e sociais que estavam modificando muitos elementos do lazer pré-industrial e do início da industrialização.

- (6) Alguns foram vítimas da perda do espaço causada por um lado pelos cercamentos e por outro pela urbanização; outros pressionados por grupos religiosos que viam no futebol uma ocupação profana e indesejável.

- (6) Mais importante: o futebol era visto como uma ameaça à ordem social e política. Seu elemento carnavalesco (inversão às vezes desrespeitosa da ordem social) e o fato de trazer um grande número de jovens das camadas inferiores para os espaços públicos era visto como impróprio e perigoso em uma idade de radicalismo político em massa e preocupações com a ordem pública.

- (6) Todavia, embora boa parte da oposição ativa ao futebol tradicional viesse das classes proprietárias, as elites locais protegeram o jogo em determinadas regiões, enquanto havia setores da classe operária que na verdade se opunham a ele.

- (6-7) Isto se dava por motivos religiosos na maioria dos casos, mas também por conta do engajamento sindical e político.

- (7) Como seria o caso em décadas posteriores, as linhas de divisão social criadas pelo futebol nem sempre estavam de acordo com as fronteiras das classes sociais.

- (7) Como um resultado dessas influências, os jogos decaíram ou foram suprimidos. A supressão foi vigorosamente contestada por jogadores e torcedores, tendo que se usar a força para implementar a proibição em diversos locais. Em Derby, em 1846, o Riot Act (Lei referente às sublevações) foi lido e uma tropa de cavalaria foi usada para dispersar os jogadores.

- (7) Alguns jogos conseguiram continuar a existir até o fim do século XIX. Em Ashbourne (Derbyshire) o jogo praticado na 3ª. Feira Gorda existe até hoje, protegido pela tradição e pelo orgulho local que transformou um problema social em uma idiosincrassia celebrada. Em sua maioria, entretanto, estes jogos não chegaram até a 2ª. metade do s.XIX.

- (7) Esse futebol tradicional foi importante como uma fonte de matéria- prima para os jogos codificados do futebol e do rugby que iriam se desenvolver na 2ª. met. s.XIX e como geradores de rivalidades locais que alimentariam posteriormente o jogo profissional. Afora isso, sua importância é pequena, pois é improvável que os entusiastas da segunda metade do s.XIX conhecessem detalhes do futebol tradicional que havia sido praticamente extinto c.1850.

- (7-8) Richard Holt sugeriu que o futebol de rua, informal, proporcionou uma maior continuidade entre o futebol tradicional e sua forma posterior como esporte de massa, mantendo parte do interesse popular e proporcionando uma base para o crescimento do esporte no contexto propício das décadas de 1870-80. Bem menos conhecido pelos historiadores, bem menos espetacular, o futebol de rua não era um jogo diferente, apenas uma versão mais informal e mais espontânea (e provavelmente mais frequente) do que os jogos descritos acima.

- (8) Certamente, também o futebol de rua sofreu proibições e pelos mesmos motivos, p.ex. em 1835 Highways Act, multa de 40 shillings para quem jogasse na rua ou perturbasse os passageiros. É provável que o futebol de rua tenha declinado por conta disso mas sem ser extinto.

- (8) É preciso mais pesquisas locais a este respeito, mas os futuros historiadores das raízes do futebol devem concentrar sua atenção mais na micro-cultura da rua do que na macro-cultura do banquete de aldeia.

[ii] Public Schools, codification and the establishment of the ‘Association game’ (8-10)

- (8) É nas public schools que as conexões entre os jogos primitivos e modernos podem ser localizadas: o futebol era jogado em Eton desde pelo menos 1747, em Westminster desde 1749 e estava bem estabelecido por volta da mesma época em Harrow, Shrewsbury, Winchester e Charterhouse.

- (8) Era um jogo organizado pelos alunos, a despeito de cerrada oposição por parte dos professores certas vezes, de acordo com o sistema de veterano-calouro, em que apenas os veteranos tomavam parte ativa no jogo. Eventualmente jogavam contra os jovens da localidade, o que exacerbava os problemas já existentes entre a escola e a comunidade local.

- (8) Foi somente a partir de 1830 que os professores, estimulados por diiretores como Thomas Arnold em Rugby, desejosos de reformar a educação da futura elite da nação, passaram a considerar o valor educativo do futebol e dos jogos em geral.

- (8-9) Inicialmente os jogos eram utilizados como uma forma de encorajar o exercício responsável da autoridade por parte dos veteranos, esperando-se que eles dirigissem os jogos de forma disciplinada e sem bullying (agressões e ameaças por parte dos mais fortes)

- (9) Além da disciplina, estes jogos eram vistos como alternativa aos esportes sangrentos apreciados pelos alunos.

- (9) Por volta de 1840-50 havia um culto aos jogos nas public schools: mais do que estratagemas para estabelecer o controle, eram vistos como um formidável meio de forjar o caráter. Os esportes passaram a ser prática diária em muitas escolas e o futebol ocupou um papel central nesse processo.

- (9) Um resultado disso foi a emergência de jogos codificados, com regras e regulamentos. Cada escola tinha o seu, umas privilegiavam o jogo com as mãos (Rugby, Marlborough, Cheltenham) enquanto outros adotaram jogos com utilização dos pés (Eton, Shrewsbury, Westminster e Charterhouse).

- (9) O grande problema era com que regra jogar depois de saírem das escolas e ingressarem na universidade; em Cambridge os estudantes formularam regras na década de 1830, em 1846 e em 1848, tentando casar as duas tradições. As regras de Cambridge (modificadas novamente em 1856) foram adotadas por muitos clubes formalmente constituídos no final da década de 1850. Mas outras regras continuavam populares: o Sheffield FC, estabelecido em outubro de 1857 e o primeiro clube de futebol, jogava no estilo de Harrow, chutando a bola como haviam aprendido muitos dos seus fundadores no Sheffield Collegiate School, enquanto o Blackheath Club, fundado em 1858, preferia jogar de acordo com as regras de rugby.

- (9) Talvez fosse mais fácil um acordo quanto a que regra adotar em locais onde havia poucas variações disponíveis ou onde um determinado clube alcançava uma posição de autoridade. Os 16 clubes estabelecidos na área de Sheffield por volta do início da déc. 1860 jogavam em sua maioria de acordo com as regras do Sheffield FC.

- (9) Todavia em outros locais onde códigos rivais disputavam a proeminência, disputas entre os partidários de um ou outro código, alimentadas pelas batalhas de status entre as escolas, complicavam muito mais o processo.

- (9-10) Em 26 de outubro de 1863 houve a primeira de uma série de seis reuniões envolvendo, inicialmente, onze clubes de futebol londrinos ansiosos em chegar a uma regra comum que facilitasse os confrontos entre eles.

- (10) Eles adotaram o nome de Football Association (doravante FA); de início propuseram um código que privilegiava o uso das mãos e um estilo mais vigoroso que permitia até os chutes na canela (hacking). Houve muito debate, sobretudo acerca do hacking, visto por uns como a essência da virilidade e a base do espírito guerreiro britânico e por outros como uma prática não-civilizada e degradante que afastaria os adultos com bom senso do jogo. Finalmente os clubes favoráveis a um uso mínimo das mãos e contrários ao hacking venceram por 13 a 4 e estabeleceram a regra redigida em 8 de dezembro de 1863.

- (10) O maior defensor do hacking, o Blackheath Club, saiu da FA e mais tarde foi importante na criação da Rugby Football Union em 1871 (onde o hacking acabou por também ser banido).

- (10) O futebol praticado de acordo com as regras da FA passou a ser chamado de ‘Association game”, abreviado para “soccer”; o órgão regulador do futebol havia sido criado.

[iii] The popular game (10-17)

- (10) O association football não era ainda um jogo plenamente estabelecido: as regras e o tamanho dos times eram fluidos e sujeitos a disputas. O jogo era praticamente exclusivo dos ex-alunos de public e grammar schools e envolvia apenas um pequeno número de clubes baseados principalmente no sul da Inglaterra jogando um pequeno número de partidas.

- (10) A participação na FA, embora crescente a partir do fim da déc. 1860, alcançava apenas 50 membros em 1871 e só 15 clubes entraram na FA Challenge Cup (FA Cup ou Copa da Inglaterra) naquele ano, uma competição inspirada nos torneios de brigas-de-galo existentes nas public schools.

- (10-1) Entre 1860-70 o esporte foi dominado por clubes de “old boys” (ex-alunos de public e grammar schools), sobretudo o Old Etonians (1865) e o Wanderers (1864), formado somente por aqueles que haviam estado nas public schools mais importantes e em Oxford ou Cambridge; o Wanderers ganhou a FA Cup em cinco ocasiões entre 1871-8.

- (11) A FA fracassou em sua tentativa de controlar a administração e as regras do jogo: os 26 membros da Sheffield Association mantiveram-se independentes até 1877, quando abandonaram sua regra de offside (impedimento) e filiaram-se à FA, mas um bom número de clubes continuava a jogar de acordo com uma variedade de regras, com os capitães estabelecendo as regras antes do jogo começar. Foi comum, ainda durante a década de 1870, o hábito de dois clubes jogarem o primeiro tempo de acordo com as regras de Rugby e o 2o. com as regras do Association game.

- (11) A partir do início da déc. 1870 o quadro se altera. Até então para jogar era preciso ser um ‘gentleman’, que havia frequentado uma public ou grammar school e que pertencia à elite nacional ou ao menos local. A partir daí, entretanto, o jogo começa a ser adotado por uma gama variada de pessoas: de empreendedores até membros semi-qualificados da classe trabalhadora, que antes eram excluídos por conta da educação e de considerações sociais. Um sinal disso é o crescimento do número de clubes na década de 1870.

- (11) A evidência desse processo de “democratização” apresenta-se em várias formas: p.ex. em Sheffield 16 clubes foram fundados antes de 1870 e 34 entre 1870-80.

- (11) Ainda havia, é claro, áreas do país virtualmente alheias ao futebol ou a qualquer forma de esporte de massa.

- (11-2) A expansão do interesse no futebol é demonstrada também pelo crescimento do público. Enquanto apenas 2.000 pessoas apareceram na final da FA Cup em 1872, 8.000 viram a final da Cromwell Cup em Sheffield em 1877 e 9.000 a final da Lancashire Cup em 1880.

- (12) A partir de 1880 e provavelmente antes até, um pequeno número de clubes bem-sucedidos em Lancashire e nas Midlands passaram a cobrar ingresso, atraindo grandes públicos e construindo arquibancadas e cercamentos que iriam tornar-se a primeira geração de estádios na década seguinte.

- (12) A balança de poder, ao menos dentro de campo, estava se transferindo dos old boys do sul para os times mais populares baseados em Lancashire e no norte e oeste das Midlands. O momento chave foi a vitória do Blackburn Olympic (fundado em 1878) sobre os Old Etonians na FA Cup de 1883, com o gol da vitória marcado pelo tecelão de algodão Jimmy Costley. Doravante, nenhum clube de old boys iria ganhar a FA Cup novamente.

- (12) O crescimento do futebol durante o início da década de 1870 deveu-se sobretudo a sua adoção por parte de seções masculinas da classe operária. Seria exagero dizer que o futebol já havia se tornado um esporte da classe operária no início da década de 1880. No que diz respeito ao clubes principais, o controle formal nunca saiu da mão das elites locais; os espectadores de classe média continuavam a comparecer em número significativo pelo menos até o início da década de 1880 e os times, embora tivessem um número cada vez maior de jogadores de origem operária, eram socialmente misturados até certo ponto. Ainda em 1888 o Preston North End na final da FA Cup tinha no time um cirurgião, um professor na escola católica local e um escrivão de escritório de advocacia entre os ex-mineiros e comerciantes que compunham o grosso do time.

- (12) Funcionários de escritório e outras ocupações de classe média baixa desempenharam um papel fundamental, sobretudo em Birmingham. Entretanto, o crescimento da popularidade do jogo não poderia ter ocorrido sem o engajamento da classe operária. A questão é identificar as mudanças sociais e econômicas que facilitaram esse envolvimento.

- (13) Muitos dos desenvolvimentos ocorridos no campo das comunicações na metade do século (XIX) provaram-se cruciais para o desenvolvimento a longo prazo do jogo: rede de estradas-de-ferro, aumento do nível de alfabetização, imprensa em expansão e um sistema postal acessível.

- (13) Mas dois fatores foram especialmente importantes: a introdução do descanso de sábado à tarde e o aumento concomitante da renda real.

- (13) A folga de sábado à tarde foi essencial para o desenvolvimento não só do futebol mas de todos os esportes; nem sempre significou um aumento do tempo livre, pois em algumas indústrias os trabalhadores obtiveram o meio-dia do sábado em troca de um comparecimento mais regular em outros dias da semana, mas foi vital em termos de criar um grande bloco de tempo livre no qual poderiam ser desenvolvidas novas atividades. Foi conseguido por uma parcela crescente de trabalhadores a partir da segunda metade do XIX. Entre 1872-4 o meio-dia de sábado generalizou-se em quase todas as indústrias sindicalizadas. Essa existência de um grande número de trabalhadores com o sábado à tarde livre facilitou a emergência de uma cultura esportiva popular viável.

- (13) Esta cultura iria enraizar-se em áreas com concentração de mão-de-obra operária e que dispusessem do meio-feriado, o que explica a importância do Lancashire como o foco principal do futebol operário nos primeiros tempos. Em Liverpool, onde havia uma grande proporção de trabalhadores não-qualificados [sobretudo estivadores] e não-sindicalizados, o jogo cresceu muito lentamente. Em 1879-80 houve 811 jogos na área de Birmingham contra apenas dois em Liverpool. A federação de futebol local só foi fundada em 1882.

- (14) Tempo livre sem dinheiro não adianta e o 2o. fator foi o aumento dos salários reais no fim do XIX: estima-se que tenham tido um crescimento real de um terço entre 1875-1900, embora houvesse muitas variações ocupacionais e regionais, sem falar nos que não se beneficiaram por motivo de doença, acidentes, desemprego e idade avançada. De qualquer forma esse aumento do poder aquisitivo, sobretudo a partir da déc. 1890, foi fundamental para o futebol. No Lancashire, a economia estável e a prosperidade da classe operária, com salários razoáveis e regulares e um alto nível de emprego inclusive para mulheres solteiras e recém casadas beneficiou muito o futebol, bem como outras áreas da cultura popular como o feriado na praia, o music hall e o comércio de fish and chips (peixe empanado com batatas fritas). O salário “familiar” beneficiou mito o crescimento do futebol nos distritos têxteis.

- (14) Estas mudanças sócio-econômicas facilitaram o crescimento do jogo junto à classe operária e as classes médias baixas, mas não explicam o motivo desse crescimento. Que apelo tinha o jogo para esses grupos? Essencialmente eles participavam como espectadores ou jogadores associando-se a clubes suficientemente abertos socialmente ou então fundando outros.

- (14) Os novos clubes tinham várias origens: uns eram provenientes de clubes de outros esportes como o cricket, que buscavam manter o grupo unido durante o inverno e, à medida em que aumenta o valor comercial do futebol, como uma forma de subsidiar o esporte de verão (o cricket). Exs. Sheffield Wednesday e Preston North End (originalmente um clube de rugby), ambos fundados em 1867, surgiram assim. É mais provável, todavia, que estes clubes fossem, pelo menos inicialmente, de classe média.

- (14) Os clubes mais abertamente de classe operária vieram de quatro outras fontes: igrejas e capelas, o pub, o ambiente de trabalho e a rua ou vizinhança.

- (15) As igrejas eram patrocinadoras frequentes de times de futebol: cerca de um quarto dos primeiros clubes veio dessa fonte. Exs. Barnsley, Blackpool, Bolton, Everton e Southampton.

- (15) Outra fonte importante eram os ambientes de trabalho: Stoke City, West Bromwich Albion, Manchester United e Arsenal entre vários.

- (15) O pub era tão importante no cotidiano operário que seria estranho se não fosse fonte também. Muitos clubes, mesmo originários de outras fontes, usavam o pub para trocar de roupa. Os clubes de pub mesclavam-se com os times da vizinhança, baseado em grupos de amigos em distritos, ruas ou pequenas cidades. Richard Holt sugeriu que por volta de 1890 essa era a origem mais comum de todas.

- (15) Há muitas história apontando no sentido de uma difusão do futebol junto à classe operária por parte de setores das classes média e alta ansiosos em ocupar o lazer operário com recreações úteis e direcionadas, evitando costumes perniciosos. Há bastante documentação a este respeito. Os clubes de futebol são parte da febre de “recreação racional” que acometeu a sociedade inglesa a partir de 1820-30 e que gerou institutos mecânicos, clubes de trabalhadores, o parque público e a taverna de café.

- (15) Alguns clubes mais antigos formados para a classe operária eram fruto da “muscular Christianity” (cristandade atlética), um conjunto de idéias dominantes por volta de 1850 que casava um sentido de respeito pelo corpo como uma obrigação sagrada com uma preocupação com os problemas da degeneração urbana.

- (15) Muitos jovens pastores levaram o jogo para os trabalhadores jovens com o objetivo de convertê-los, embora para alguns o esporte fosse apenas a isca para atraí-los para a Igreja.

- (15-6) Outros clubes eram formados também para gerar uma recreação racional com o intuito de construir relações políticas e industriais harmoniosas. Ex. Thames Ironworks (em 1900 West Ham), que funda na década de 1890 um clube de futebol como parte de uma série de instituições de lazer que incluíam uma banda de cordas, um grupo de teatro e uma organização voltada para a temperança.

- (16) As pesquisas mais recentes, todavia, tem demonstrado três grandes perigos em se atribuir o esporte a uma imposição externa, ou como uma arma de controle por parte da elite: i. Muitos e talvez a maioria dos clubes surgiu no interior das comunidades sem nenhuma ajuda ou relação com agências como a Igreja; ii. Mesmo times de Igreja ou de fábrica podem ter surgido a partir de uma iniciativa dos próprios operários, que depois buscaram apoio em termos de instalações (e.g. Tottenham e YMCA); iii. Há provas de que quando as exigências ideológicas dos patrocinadores de classe superior eram consideradas excessivas a relação era renegociada ou terminada (e.g. Christ Church que depois virou Bolton Wanderers saiu da Igreja em 1877 quando o pastor quis impor o comparecimento aos cultos aos jogadores). Como medida de segurança os clubes procuravam ter patrocinadores variados: o aston Villa, ligado a uma Igreja Metodista Wesleyana, jogava no campo de um açougueiro e trocava de roupa em um pub.

- (16) Esses exemplos mostram que a cultura da classe trabalhadora podia ser extremamente resistente, capaz de utilizar o que interessava do patrocínio das elites rejeitando muitos dos seus acompanhamentos ideológicos. Se havia ou não um genuíno controle do lazer e particularmente do futebol por parte da classe trabalhadora é uma questão a ser debatida mais tarde.

- (16-7) Na verdade o sucesso do futebol, sua massificação, não se devem a nenhum conjunto de valores sociais impostos de fora, mas do que ele proporcionava: recompensas emocionais, estéticas, sociais e para alguns econômicas.

- (17) No mínimo era algo para se fazer no sábado à tarde, mas também ofercia cor, espetáculo, excitação, humor e muito mais. Era ao mesmo tempo uma novidade e algo que se conformava às tradições já estabelecidas da cultura popular. É preciso apontar as continuidades com o futebol de rua, por exemplo.

- (17) Era um novo tema de conversa nos pontos de encontro tradicionais do pub e da rua, fornecia uma oportunidade para apostas e permitia a expressão da lealdade a sua rua, vizinhança e cidade. Muitas recreações populares do séc. XVIII e do começo do XIX eram baseadas até certo ponto na rivalidade territorial, paróquia contra paróquia em alguns jogos de bola, cidade ou condado contra outros nas brigas de galo e por aí vai, e o apelo do futebol estava enraizado nessas rivalidades tradicionais ao mesmo tempo em que encorajava novas rivalidades. Por muito que tenha significado a introdução de novos elementos na vida britânica, a revolução esportiva do século XIX deu-se a partir de práticas sociais e culturais bem-estabelecidas.

[iv] Soccer and rugby (17-22)

- (17) A primeira questão aqui é a seguinte: como explicar a popularidade diferenciada do futebol e do rugby em diferentes regiões de Inglaterra?

- (17-8) A primeira tentativa de explicação baseava-se na questão ocupacional, ou seja, a hipótese era de que o rugby seria preferido em áreas de mineração, caracterizadas por padrões de masculinidade que valorizariam a resistência física, a força e a coragem. Por um lado, esta hipótese reduz tanto a cultura do trabalhador quanto os conceitos de masculinidade a estereótipos. Por outro, não explica porque o futebol foi bastante popular também em algumas áreas de mineração.

- A explicação proposta pelo autor baseia-se na influência de ex-alunos de determinada public school ou grammar school em cada região. O jogo de chutes (que iria desembocar na FA) foi adotado em locais onde os clubes foram fundados por ex-alunos das public schools de status mais alto (Eton e Harrow, p.ex.) que favoreciam o kicking game. E o jogo com as mãos (que desembocaria no rugby) em locais onde os alunos de escolas menos tradicionais (Rugby p.ex.) influenciaram na fundação de clubes. Um argumento a favor desta hipótese: o subdesenvolvimento do futebol em boa parte de Yorkshire deve-se ao fato de que as famílias mais importantes daquela região normalmente não enviavam seus filhos para as public schools mais importantes.

- (18) Segunda questão (mais importante): por que o futebol se tornou mais popular do que o rugby, embora de início o rugby tenha sido mais popular (seg. o The Times, até 1880 havia o dobro de jogadores de rugby)?

- (18-9) Resposta: embora nunca total, a vitória do futebol sobre o rugby, foi assegurada no final do século XIX e início do XX, graças à sua exposição na imprensa e a seu papel no sistema escolar, mas antes disso o futebol já começara a ganhar espaço diante do rugby nas décadas de 1870-80, graças a dois fatores (ele usa o Lancashire como estudo de caso):

i. a adoção de uma forma competitiva (FA Cup) que permitia a expressão de orgulho local e hostilidade entre comunidades rivais, teria dado vantagem ao futebol; tanto que em Yorkshire onde a federação de rugby local fez uma competição em 1876 o futebol teve dificuldades de penetração até a metade da déc. 1890;

ii. (20) superioridade estrutural e estética do futebol: o futebol é mais simples, com menos regras (14 em 1863 contra 59 do rugby em 1871); e acima disso, o estilo e a estrutura do futebol são mais atraentes para o público: um jogo mais variado, aberto e fluente do que o rugby. Em parte isso aconteceu quando o “dribbling” foi substituído pelo “passing game”. Antes 7 atacantes saíam driblando até perder a bola, mas entre 1870-80 o jogo de passes, mais coletivo e com tática mais elaborada, começou a imperar.

- (20-1) Origens do “passing game”. Há duas hipóteses:

i. desenvolvido no norte da Inglaterra (Blackburn Olympic, que alternava os passes com lançamentos longos) e na Escócia;

ii. desenvolvido em Londres pelo Royal Engineers, que depois teria levado o estilo para as províncias, incluindo Sheffield em 1873. Se esta hipótese estiver certa, coloca em dúvida as associações entre o desenvolvimento do jogo de passes e os valores característicos das áreas de classe trabalhadora como o norte da Inglaterra e a Escócia.

- (21-2) Além do jogo de passes, mais duas inovações aumentaram o apelo do futebol:

i. em 1877 a cobrança da lateral passou a não ser mais obrigatoriamente perpendicular [como ainda é no rugby], tornando o jogo mais rápido.

ii. A técnica da cabeça desenvolveu-se a partir do fim da déc. 1870 e por volta de 1880 já era considerada básica, levando ao aumento das jogadas pelas pontas.

- (22) O rugby foi prejudicado pela proibição do passe à frente, impedindo a tridimensionalidade alcançada pelo futebol; ademais, a abolição do hacking em 1871 prolongava as disputas de bola (scrums), tornando o jogo mais lento e mais estático se comparado ao futebol, o que podia agradar aos puristas, mas não ao público mais amplo.

- (22) Um último mas não menos importante fator de vantagem para o futebol: embora bastante físico e até perigoso (sobretudo para os goleiros, que até 1892 podiam ser deslocados mesmo sem a bola), o jogo permite a participação decisiva de jogadores sem grande porte físico.

[v] Professionals and amateurs (22-9)

- (22) “O período entre 1863 e o início da década de 1880 presenciou uma verdadeira revolução na cultura do futebol, com transformações tanto do jogo quanto da sua estrutura social e contexto.”

- (22) 1884-5 ocorreram eventos que completaram esta transformação e garantiram a futura estabilidade e o crescimento do jogo no seu nível mais alto.

- (23) Questão do profissionalismo. Seria estranho que alguma forma de profissionalismo não tivesse se desenvolvido à medida em que o jogo se popularizava na década de 1870, afinal havia uma longa história de profissionalismo nos esportes com espectadores e também em algumas áreas da cultura popular onde havia competições (entre bandas de sopro, por exemplo).

- (23) Por que, então, o profissionalismo no futebol encontrou tanta resistência? Porque seu desenvolvimento era visto como ofensivo por parte dos ex-alunos de public schools, de classe média-alta ou alta, para quem ele representava uma ameaça social e política além de esportiva.

- (23) Não era meramente a questão de pagamento por jogar, pois os times de old-boys recebiam uma compensação pelas “despesas”, permitida em 1882 pela FA (regra 16) em jogos da FA Cup.

- (23) “Profissionalismo” nas décadas de 1870-80 cobria uma gama de “práticas ofensivas” que incluiam: o pagamento acima do regulado por “tempo perdido”, contratação de jogadores para certas partidas e, acima de tudo, o oferecimento de vantagens extra-campo, sobretudo empregos.

- (23) Em Lancashire no início da déc. 1880 isso era tão comum que em 1883 o Burnley tinha dez escoceses no time e o Preston North End nove em 1884-5. Talentos locais também eram contratados: o North End tirou George Wilson do Blackburn Olympic oferecendo a ele a gerência de um pub.

- (23-4) A oposição da elite a estas práticas (abrigadas sob o termo amplo “profissionalismo”) era variada:

i. alegava-se que os trabalhadores, com sua experiência diária de trabalho pesado e físico levariam uma vantagem natural sobre as outras classes (média e alta);

ii. que alguns clubes mais ricos iriam dominar o jogo;

iii. mais frequentemente a oposição tinha um caráter moral e social, acreditando-se que o profissionalismo iria encorajar as apostas, o fanatismo dos torcedores e a vontade de vencer a qualquer preço, transformando aquilo que deveria ser uma fonte de prazer e virtude moral em um mero trabalho e fazendo do esportista profissional, com muito tempo de lazer à sua disposição, um mau exemplo para os jovens da classe trabalhadora.

- (24) Algumas destas preocupações refletiam um interesse genuíno no futuro do esporte, mas frequentemente eram apenas preconceito de classe disfarçado, por parte de indivíduos que estavam sendo perturbados pelo fato do futebol perder suas conotações de exclusividade social e pela ameaça a noções arraigadas de hierarquia social e poder político. Às vezes nem mesmo havia disfarce, quando um colaborador do Athlete reclamou que “empregar a escória das aldeias escocesas levou, grandemente, a brutalizar o jogo.”

- (24) A oposição, todavia, nem sempre esteve enraizada no conservadorismo social e político: um jornal liberal (Manchester Guardian) reclamou da perda de integração social com a introdução do profissionalismo e é possível que a parte mais politizada da classe trabalhadora tivesse suas objeções, como em Reading, quando a cooperativa local alegou que um clube profissional, sempre dominado por pequenos grupos, impedia clubes esportivos de se tornarem democracias participativas. De qualquer forma, a voz conservadora foi a mais alta a se levantar contra o profissionalismo.

- (24-5) A oposição amadores x profissionais era em boa parte uma idealização que não correspondia à realidade: os amadores eram bem mais preocupados com a competição e embora pudessem eventualmente demonstrar “espírito esportivo” (Old Etonians dando 5 libras para Darwen treinar antes de jogo entre os dois em 1879 [época em que os old-boys ainda dominavam], não recebiam bem as derrotas. Além disso, a maneira de jogar dos amadores podia ser bastante intimidatória e robusta (e.g. Corinthians). “Podia até não ser vitória a todo custo, mas a masculinidade e a competitividade misturavam-se de forma conveniente.”

- (25-6) Crise e resolução. Em janeiro de 1884 Upton Park reclama à FA que Preston North End era time profissional. Secretário do clube acusaado admite que o clube importava jogadores e fornecia emprego mas diz que isto era comum. FA expulsa o clube do torneio e faz o mesmo com Burnley e Great Lever no início da temporada seguinte. 31 clubes importantes ameaçam formar uma associação dissidente (British Football Association) em outubro de 1884. A FA decide contemporizar e em 20 de julho de 1885 “legaliza o emprego de jogadores de futebol profissional, mas com certas restrições”, a saber: os clubes poderiam pagar aos jogadores desde que eles tivessem nascido ou residido por pelo menos dois anos em um raio de seis milhas do campo do clube. Além disso, os profissionais tinham que ser registrados anualmente.

- (26-7) Na verdade, além de resolver a crise, que ameaçava sua existência, a FA aproveitou para estabelecer um ‘profissionalismo controlado’ que também era do interesse dos clubes, já que os jogadores começavam a ter um grande poder de barganha, diminuído com o acordo de 1885 e com medidas posteriores como a introdução de um teto salarial e do sistema de posse e transferência de jogadores.

- (27) A FA não perdeu tempo em mostrar aos profissionais qual era o seu lugar: em 1886 o primeiro profissional a jogar pela seleção da Inglaterra entrou com um uniforme azul enquanto seus colegas amadores vestiam branco e no mesmo ano criou-se uma partida de “Cavalheiros versus Profissionais”, sublinhando a nova divisão hierárquica existente no jogo. Talvez ainda mais importante do que isso: em 1885 os profissionais e ex-profissionais foram proibidos de participar dos comitês da FA, barrando sua influência no desenvolvimento administrativo do jogo.

- (27) Não dá para reduzir o debate a um mero antagonismo de classe, mas talvez seja possível percebê-lo como uma disputa entre frações de classe: de um lado a classe empresarial e comercial não-educada em public schools e de base provincial unida às classes trabalhadoras [o plural é do autor] a favor do profissionalismo versus a elite da public school. Mas havia casos de membros da elite favoráveis ao profissionalismo. Há também um elemento de oposição norte x sul (clubes de Lancaster apoiaram em peso o profissionalismo x o que era percebido como um preconceito dos clubes do sul e londrinos) mas também esta oposição deve ser relativizada, porque o Blackburn Rovers (embora pagasse jogadores) não apoiou a rebelião de outubro de 1884 e a Sheffield FA opôs-se ao profissionalismo em 1885.

- (28) O mais importante é que, ao contrário do rugby, onde a disputa em torno do profissionalismo levou à criação de uma associação rival em 1895, tendo a RFU permanecido contrária ao profissionalismo por mais um século [até 1995], no caso do futebol a FA conseguiu manter a unidade que beneficiou o desenvolvimento do futebol. Seg. Dunning e Sheard, a explicação para esta diferença residiria no fato de que os administradores da FA, provenientes de uma elite auto-confiante na sua posição social [aquilo que Bourdieu chamaria de muito capital simbólico], sentiam-se à vontade para estabelecer um compromisso sem o sentimento de perda de prestígio. Ao contrário, os dirigentes da RFU, provenientes de uma camada de elite ainda mas com menos prestígio, sentiam-se inseguros. Outro elemento é a conjuntura: o acordo da FA foi feito em um período de relações políticas e industriais relativamente estáveis, enquanto na década de 1890 houve um período de considerável militância popular, exemplificada pelo surgimento do “novo sindicalismo” dos trabalhadores não-qualificados.

- (29) O debate amadorismo x profissionalismo não havia se encerrado. Na primeira década do século XX haveria problemas que levaram à criação de uma associação dissidente amadora em 1907, enquanto a FA lutava desesperadamente para manter o controle sobre o profissionalismo, defendendo os ideais amadores e limitando a comercialização do jogo até a 2ª. Guerra Mundial e mesmo depois.

- (29) O importante é que um compromisso havia sido alcançado, permitindo lançar a base para desenvolvimentos futuros, especialmente com a criação da Football League em 1888. Da mesma forma que a elite dominante havia desejado reformar o sistema político de maneira a manter sua influência, ela demonstrou uma mesma vontade de acomodação e compromisso na arena esportiva. E conclui o autor:

“Dada a centralidade da cultura esportiva em muitas partes da Inglaterra em 1885, certamente não é exagerado sugerir que a demonstração deste espírito de compromisso em uma arena pública tão importante desempenhou um papel em termos da manutenção da confiança do povo na boa-vontade da classe dominante da nação.”

Esquema do texto 4: Elias e Dunning, capítulo 5

ELIAS,Norbert e DUNNING,Elias. “O futebol popular na Grã-Bretanha medieval e nos inícios dos tempos modernos”, In: _______________________________ A busca da excitação. Lisboa: Difel, 1992. pp. 257-278

i. (257-262) Exemplos provenientes de proibições e processos judiciais, atestando a prática de diversos jogos, de caráter bastante violento, chamados de football, atestadamente praticados a partir do século XIV (1ª. proibição data de 1314); fraqueza do Estado [questão do processo civilizador] em fazer cumprir suas determinações; preocupações de caráter militar e de ordem pública ;

ii. (262-3) Hipótese: O futebol era apenas uma das erupções de violência frequentes na Idade Média, tanto as não institucionalizadas (conflitos espontâneos, como entre os negociantes de peles e vendedores de peixe em 1339, p.262) como formas mais institucionalizadas (dentre as quais o futebol) que funcionavam como um “lazer equilibrador” [perspectiva funcionalista]:

“Os confrontos semi-institucionalizados entre grupos locais, organizados em certos dias do ano, em particular nos dias santos ou feriados, constituíam um traço vulgar do padrão de vida tradicional nas sociedades medievais. Jogar com uma bola de futebol era uma das maneiras de concretizar uma destas lutas. De facto, constituía um dos rituais do ano, comuns nestas sociedades tradicionais. (...) Nesta época, o futebol e outros encontros semelhantes não eram apenas rixas acidentais. Eles constituíam um tipo de actividade de lazer equilibrador, profundamente entrelaçado na urdidura e trama da sociedade. Pode parecer-nos incongruente que ano após ano, nos dias santos e feriados, as pessoas se empenhassem nesta espécie de lutas. Num estádio diferente do processo de civilização, os nossos antepassados viveram-na, evidentemente, como um acontecimento óbvio e agradável.” (263)

iii. A maior flutuação dos sentimentos (263-4) O mito de uma sociedade tradicional marcada por uma grande “solidariedade”, tensões e conflitos menos agudos, harmonia superior às sociedades contemporâneas. Sociedades estruturadas sobre outra lógica, marcadas por extremos [Huizinga]: “’simpatia amiga’ forte e espontânea” convivendo perfeitamente com “inimizades e ódios igualmente fortes e espontâneos” (264); em suma:

“O que era realmente característico, pelo menos nas sociedades camponesas tradicionais na Idade Média, era a flutuação muito maior de sentimentos de que as pessoas eram capazes e, relativamente a isso, a mais elevada instabilidade das relações humanas em geral. No que respeita à menor instabilidade das restrições internas, a força das paixões, o calor e a espontaneidade dos actos emocionais distinguiam-se por duas vias: na bondade e prontidão para ajudar, assim como na rudeza, insensibilidade e prontidão para ferir.” (264)

iv. (264-5) O futebol da Terça-Feira Gorda é apenas um exemplo destas tradições de ‘dupla face’ (expressando unidade-solidariedade e ao mesmo tempo hostilidade);

v. (265-6) A grande capacidade de sobrevivência do futebol medieval deve-se ao fato dele ser um ritual tradiconal, associado ao calendário religioso, à época muito mais “entranhado” na vida cotidiana e muito menos solene do que hoje; “as actividades seculares eram mais religiosas e as actividades religiosas mais seculares” (266)

vi. (266-7) A função desempenhada pelos jogos de futebol na Idade Média (válvula de escape para tensões entre grupos):

“As fricções entre comunidades vizinhas, corporações locais, grupos de homens e de mulheres, jovens casados e homens solteiros mais jovens eram, com frequência, endêmicas. Se os temperamentos se exaltavam podiam conduzir, sem dúvida, em qualquer momento, a explosões de luta aberta. Mas, em contraste com as nossas, na sociedade medieval existiam ocasiões tradicionais em que algumas destas tensões podiam encontrar expressão sob a forma de luta que era sancionada pela tradição e, provavelmente, também durante um período considerável, pela Igreja e autoridades locais. Os registros mais antigos mostram que, muitas vezes, as lutas entre representantes dos grupos locais, com ou sem futebol, constituíam parte de um ritual anual” [lembrar do texto de Darnton sobre o massacre dos gatos]; (...) Durante este período, o jogo de futebol proporcionava um desses escapes para as constantes tensões entre grupos locais.” (266)

vii. (267-8) Um exemplo de 1553 (em Dorsetshire), mostrando um ritual popular (da Corporação de Homens Livres Marmoristas ou Trabalhadores em Pedreiras), nos três dias de Entrudo, do qual o futebol fazia parte e que envolvia a iniciação dos aprendizes, o pagamento de um ‘xelim de casamento’ que posteriormente financiava a “pensão” da viúva (aprendizes trabalhando para ela) e a compra de uma bola de futebol pelo último que tivesse se casado. [o texto não fala, mas é óbvio que o jogo devia ser entre mestres e aprendizes]

viii. (268) Embora as pessoas estivessem fortemente ligadas aos seus modos de vida tradicionais, pois eram estas tradições que serviam para solucionar os conflitos na ausência de um código unificado de leis executado por um tribunal imparcial, as tradições não eram imutáveis, iam se transformando imperceptivelmente à medida em que as relações entre os grupos se transformavam ou sob o impacto de guerras, conflitos civis, epidemias e outros abalos.

ix. (268-9) Eram sobretudo tradições orais, transmitidas diretamente, geração a geração:

“Não era costume fixar de maneira formal, por escrito, qualquer das regras de jogos como o futebol. Os filhos

(269) jogavam como os pais haviam jogado, ou, no caso de dúvidas, como eles pensavam que os seus pais jogavam.”

x. (269-270) Sem regras escritas nem organizações centrais unificadoras, menções ao futebol nos documentos medievais não implicam a prática do mesmo jogo; mas ao mesmo tempo, jogos nomedados de forma diferente podiam ser semelhantes, estando a diferença apenas no tipo de utensílio utilizado, por vezes falava-se em jogar ‘com uma bola de futebol’ e não ‘jogar futebol’. De qualquer maneira:

“a bola que foi chamada ‘futebol’ tinha algo em comum com a que é utilizada nos jogos de futebol de hoje: era uma bexiga cheia de ar revestida, por vezes, mas nem sempre, de couro. As comunidades camponesas de todo o mundo usavam essas bolas como um meio para o seu divertimento. Existem, certamente, registros do seu uso em muitas regiões da Europa medieval. Se ela possuísse as dimensões certas e elasticidade, e não fosse demasiado grande, uma tal bexiga de animal repleta de ar, revestida de couro ou não, adaptava-se melhor, pro-

(270) vavelmente, ao impacte dos pés do que uma pequena bola sólida. (...) as características elementares, o caráter do jogo traduzido num confronto entre grupos diferentes, o prazer da luta manifesto e espontâneo, a desordem e o nível relativamente elevado de violência física socialmente tolerada eram sempre os mesmos.”

Daí resulta que: “pode ter-se uma idéia viva quanto à maneira pela qual as pessoas jogavam futebol, da qual não temos realmente registros minuciosos, a partir de alguns documentos mais extensos deste período que chegaram até nós, mesmo que os jogos não fossem de facto jogados com uma bola ao pé, mas com outros aprestos.” (270)

xi. (270-4) O exemplo do hurling, no início do século XVII, subdividido em hurling to goales (leste de Cornwall) e to the countrey, no oeste (fonte: Richard Carew, Survey of Cornwall, 1602).

Hurling to goales (271-2): normalmente em casamentos; duas metas (oito ou dez pés de distância) marcadas com arbustos cravados no chão, 15, 20, 30 jogadores de cada lado, campo com dez ou doze pés; obtém a vitória quem atravessar a meta carregando a bola; não se pode passar a bola para frente [lei do impedimento], não se podia bater abaixo da cintura, mas valia empurrar e bater no peito do adversário com os punhos fechados. O confronto era homem a homem, era proibido que dois homens atacassem o portador da bola. Quem desrespeitasse as regras tinha as orelhas puxadas.

Hurling to the countrie (272-4): dois ou três cavalheiros convocam, num dia de feriado, três ou mais paróquias da parte leste ou sul, para baterem-se contra três ou mais paróquias do oeste ou norte. Meta era casa dos cavalheiros ou cidades ou aldeias, distantes 3 a 4 milhas. Números de cada lado eram desiguais. Bola era de prata. Portador da bola é posto ao chão, o que o obriga a passar a bola para um companheiro. Percorrem o terreno e seus acidentes naturais, confronto coletivo, em que há tática (posicionam-se jogadores nos flancos para evitar fuga), usam-se cavaleiros de ambos os lados, que também corriam o risco de serem derrubados. Às vezes usavam-se desvios para escapar. Celebração da vitória com cerveja, fornecida pelo cavalheiro [patrono da festa]. Vantagens e desvantagens do jogo: virilidade e espírito guerreiro x turbulência e danos físicos: regressam a casa como se viessem do campo de batalha: “cabeças ensanguentadas, ossos partidos e deslocados”, ferimentos que “abreviam seus dias”; nem o procurador nem a Coroa se importam.

xii. (274-8) Análise:

- (274-5) Jogo popular está relacionado à estrutura da sociedade inglesa: camponeses mais ou menos livres ó classe de proprietários rurais sem título de nobreza (apenas cavalheiros):

“um divertimento local, para uma população de camponeses mais ou menos livres da região, promovido pelos proprietários de terras locais, que, com frequência, embora nem sempre talvez, fossem não nobres.” (...) “Tanto os camponeses quanto a pequena nobreza desejavam conservar e desfrutar o jogo.”

- (275-6) Violência não era absoluta nem desregrada, já havia leis do costume e talvez regras, bem como um sentimento de “justiça”, mas não havia árbitro nem juiz externo. Regras tradicionais e regulamentos baseados no costume funcionavam “como uma espécie de auto-restrição coletiva” (276)

- (275-6) O futebol e os jogos populares eram uma forma de liberar as tensões.

- (276) Apego às tradições pois estas eram fundamentais para restringir e resolver os conflitos; aqui havia uma espécie primária de democracia: uma “democracia aldeã”:

“A forma de punir os infratores das ‘leis’ do jogo, como Carew o descreve, é um paradigma em pequena escala da democracia camponesa auto-regulada, com a relativamente diminuta supervisão de vigilantes do exterior.” (276)

- (276-7) Hurling continha elementos do que hoje são dois esportes diferentes: jogo de bola e luta corporal. Mas havia “um certo tipo de regulamentação tradicional” que limitava os ferimentos. Wrestling era um divertimento típico da Cornualha. Número de quedas impostas ao adversário era um fator importante para determinar o vencedor no hurling. Deviam surgir brigas também acerca de quem realmente vencera.

- (277) Mesmo no hurling to goales, o mais regulamentado, o critério para definir o vencedor não era tão nítido. A explicação para isto:

“Mesmo no final do século XVI, as sociedades européias não eram ainda sociedades de ‘medida’.”

- (277-8) De qualquer maneira, embora bem menos regulamentado, o jogo não era totalmente anárquico. Seria necessário refletir entre tipos diferentes de regulamentação a partir de estudos comparativos minuciosos e sistemáticos.

Esquema do texto 3: Damo

“Futebol e Estética”, Arlei Sander DAMO, São Paulo em Perspectiva, 15(3), 2001: 82-91

(82-84) i. Introdução: superação de certas perspectivas analíticas

(82) 0. Sobrevivência do gosto pelo futebol => ciências humanas repensam a sua importância

1. A crítica marxista: denunciar sem compreender

(82-3) 2. Perspectiva funcionalista (Elias e Dunning): caráter compensatório (excitação => saúde mental); problema: caráter universalizante, perdendo de vista as particularidades locais e as variações diacrônicas

(83) 3. Investidas metafóricas, significado imposto de fora para dentro; por ex: oposição entre pés (ordem mágica) x mãos (ordem racional); e como explicar a popularidade do futebol na Europa?

4. Pop-psicologismo: perdedores na vida => vencedores no esporte, mas no esporte também se perde e isto faz parte da experiência de atletas e de torcedores

versus

- especificidade do campo esportivo

- indagar por que gostamos de esportes

- a resposta de Gumbrecht: beleza, fenômeno estético, independentemente do resultado

(84) – A hipótese de Damo:

  1. O resultado importa sim
  2. Existem formas diferentes de pertencimento clubístico
  3. Jogo absorvente

(84-87) ii. O RITUAL DISJUNTIVO

(84) – Crítica à idealização romântica saudosista, fruto de uma memória construída em torno somente de bons momentos

(84-5) – Ritual conjuntivo (de certos povos, vide LST) x jogo disjuntivo

(85) – Imprevisibilidade

(86) – A importância da vitória

- O prazer estético invisível e a guerra mimética

(86-7) – O jogo produz uma realidade de ordem simbólica <=> ligada ao pertencimento clubístico

(87-88) iii. O PERTENCIMENTO CLUBÍSTICO

(87) – Amor ao clube: mola propulsora dos esportes coletivos

- Discussões => sociabilidade intensa

- Escolha do clube, parte da transformação do indivíduo em pessoa <=> redes (familiares, amizade e vizinhança)

(88) – Pertencimento clubístico = máscara social

- Torcer é uma forma de participação política

(88-90) iv. UM JOGO ABSORVENTE

(88) – A estrutura da briga-de-galos

(89) – Rivalidade

- Identidade clubística é contrastiva, caso extremo das torcidas organizadas

- O evento (isto é a partida e seu resultado e significado) <=> história, tradição e memória

(89-90) – Densidade = ritual disjuntivo + tradição

(90) v. ARREMATE

- Futebol não é mero negócio, mas também é negócio

- Caracteriza-se por uma justaposição entre

excesso: de significado (gol), de desperdício (de dinheiro) e desordem (festas, bebedeira, violência)

e

ordem : estrutura ritual, lógica de pertencimento e densidade dos embates

domingo, 24 de agosto de 2008

Esquema do texto 2: Bourdieu

ESQUEMA de

BOURDIEU 1983 - Como é possível ser esportivo

“Como é possível ser esportivo” In: ___________ Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. pp. 136-153.

  1. Autor
  2. Obra
  3. Estrutura do texto
  4. Objetivo do texto
  5. Palavras-chave
  6. Métodos
  7. Fontes utilizadas
  8. Conclusões do texto
  9. Questões e críticas
  10. Outras leituras recomendadas

  1. AUTOR: Pierre Bourdieu (* 1. 8. 1930 - † 23. 1. 2002)


Vie privée

· Geboren als/ born as/ né: Pierre-Félix Bourdieu, Denguin (Pyrenées Atlantiques);

· Vater/ father/ père: Albert Bourdieu, Bauer/ farmer/ paysan, dann/ afterwards/ après: Postbeamter/ post-official/ fonctionnaire postal;

· Mutter/ mother/ mère: Noemie Bourdieu, geb./ born as/ née: Noemie Duhau;

· Ehe/ married/ mariage: 1962 mit/ with/ avec Marie-Claire Brizard

· Kinder/ children/ enfants: Jérôme Bourdieu (économiste); Emmanuel Bourdieu (philosophe & directeur du film); Laurent Bourdieu (physicien).


Éducation et carrière professionelle


· Lycée de Pau (1941-1947)

· Lycée Louis-le-Grand (1948-1951)

· École Normale Supérieure (1951-1954)

· Faculté des lettres de Paris (1951-1954)

· Diplôme: Agrégé de philosophie

· Professeur au Lycée de Moulins (1954 - 1955).

· Assistant à la Faculté des lettres d'Alger (1958 - 1960).

· Assistant à la Faculté des lettres de Paris (1960 - 1961).

· Maître de conférences à la Faculté des lettres de Lille (1961 - 1964).

· Directeur d'études à l'École des Hautes Études en Sciences Sociales (1964 - 2002).

· Chargé de cours à l'École Normale Supérieure (1964 - 1984).

· Directeur du Centre de Sociologie de l'Éducation et de la Culture (EHESS/ CNRS).

· Directeur de la Collection " Le sens commun " (Éditions de Minuit) (1964 - 1992).

· Visiting Member à l'Institute for Advanced Studies (Princeton) (1972 - 1973).

· Membre de l'American Academy of Arts and Sciences (1973 - 2002).

· Membre du Conseil scientifique du Max Planck Institute für Bildungsforschung (1974 - 1976).

· Directeur de la revue Actes de la recherche en sciences sociales (1975 - 2002).

· Consulting Editor de l'American Journal of Sociology (1975 - 2002).

· Professeur titulaire de la Chaire de Sociologie au Collège de France (1982 - 2001).

· Directeur du Centre de Sociologie Européenne (CSE) du Collège de France et de l'École des Hautes Études en Sciences Sociales (1985 - 1998).

· Directeur de la revue internationale des livres Liber (1989 - 2000).

· Docteur honoris causa de l'Université Libre de Berlin (1989), de l'Université Johann Wolfgang Goethe de Francfort (1996), de l'Université d'Athènes (1996).

· Membre du Conseil scientifique de l'Institut Maghreb-Europe (1991 - 2002).

· Médaille d'or du CNRS (1993).

· Erving Goffman Prize, University of California-Berkeley (1996).

· Ernst-Bloch-Preis de la ville de Ludwigshafen (1997)

· Huxley Memorial Medal (2000)

· Corresponding Fellow of the British Academy (2001 - 2002)

  1. OBRA-TEXTO

- Artigo em questão é a transcrição de uma palestra – exposição introdutória a um congresso internacional de história do esporte realizado em Paris em 1978.

- Faz parte de um livro publicado em 1980, Questions de Sociologie;

- No prólogo, p.7, Bourdieu diz que todos os textos são “transcrições de intervenções orais e destinadas a não-especialistas” [inclusive entrevistas, em que ele trabalha de forma “mais fácil, embora mais imperfeita”, “idéias sobre temas que alguns já conhecem de outros lugares”; justificando essa colher de chá ao público leigo, Bourdieu afirma que “a sociologia não valeria nem uma hora de esforço se fosse um saber de especialista reservado aos especialistas”

  1. ESTRUTURA DO TEXTO

I. Prólogo e auto justificativa (136): o valor das questões colocadas por um não-especialista

II. Hipótese preliminar e questões: O modelo acerca das práticas esportivas (oferta ó demanda social) e as questões daí decorrentes (136)

III. Primeira grande questão: as condições históricas e sociais do “esporte moderno” e sua evolução (em outras palavras, a constituição de um campo esportivo) (136-148)

- Do surgimento do “esporte moderno” (136-140)

- A filosofia política do esporte (140-2)

- Lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo (142-3)

- Esporte e lucros de distinção (143)

- O esporte espetáculo e seus efeitos (doping, violência e alienação política) (143-5)

- Determinantes da passagem do esporte elitista-amador ao esporte espetáculo destinado ao consumo de massa (145-7)

- Consequências: modificação das funções que os esportistas dão à prática e da prática esportiva em si (147-8) – aqui entram a questão das classes e do habitus

IV. Segunda grande questão: significados e funções que as diferentes classes sociais dão aos diferentes esportes (148-152)

V. CONCLUSÃO: o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos (152-3)

**********************************************************************************************

I. Prólogo e auto justificativa (136): o valor das questões colocadas por um não-especialista

# 136: de onde se fala e quem fala (um sociólogo para historiadores do esporte)

- Não ser especialista pode ser uma vantagem por não ter naturalizado pressupostos da disciplina

“As questões que vou colocar vêm de fora, são as questões de um sociólogo que encontra entre seus objetos as práticas e os consumos esportivos sob a forma, por exemplo, de quadros estatísticos apresentando a distribuição das práticas esportivas segundo o nível de instrução, idade, sexo, profissão, e que é assim levado a se interrogar não apenas sobre as relações entre estas práticas e estas variáveis, mas sobre o próprio sentido que estas práticas assumem nestas relações.”

II. Hipótese preliminar e questões: O modelo acerca das práticas esportivas (oferta ó demanda social) e as questões daí decorrentes (136)

- Hipótese: “podemos considerar o conjunto de práticas e de consumos esportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar uma certa demanda social”

- As questões: existe um campo esportivo? A demanda social pelo esporte, o porquê da escolha de determinada prática

III. Primeira grande questão: as condições históricas e sociais do “esporte moderno” e sua evolução (em outras palavras, a constituição de um campo esportivo) (136-148) [i.e. oferta]

- Do surgimento do “esporte moderno” (136-140)

* o surgimento do esporte moderno enquanto um sistema de instituições e agentes ó práticas e consumos esportivos; a constituição do campo esportivo

* a conseqüência dele (esporte) ser encarado como um campo: sua relativa autonomia [Elias já dissera isso em Quest for Excitement, na introdução]

* aí entra o papel da história social do esporte: fazer a genealogia do seu objeto

* o esporte como o produto de uma ruptura – daí ser errôneo ver os jogos que o antecederam como práticas pré-esportivas – no sentido de Elias; a partir de quando se constituiu esse campo esportivo ?

* tentativa de resposta a partir da história do futebol e do rugby

* passagem do jogo ao esporte deu-se nas grandes escolas da elite burguesa da Inglaterra

* lá estes exercícios corporais da elite são separadaos do calendário e das funções sociais e religiosas dos jogos, reduzidos a regras próprias e a um calendário específico;

* neste ethos das ‘elites’ burguesas, o essencial é que o exercício não tem finalidade, é gratuito, distancia-se dos interesses materiais [aquilo que outros irão chamar de ‘a ideologia do amadorismo’]

* esta autonomização das práticas esportivas caminha lado a lado com um processo de racionalização visando a previsibilidade e a calculabilidade (regras universais, corpo de dirigentes recrutado entre os old boys); afirmação da autonomia relativa do campo das práticas esportivas

- A filosofia política do esporte (140-2)

* concomitantemente há a elaboração de uma filosofia política do esporte: a teoria do amadorismo: uma prática desinteressada mas que prepara os futuros líderes (virilidade, vontade de vencer mas respeitando as regras)

* em França, o debate toma a forma da definição de uma educação burguesa oposta à definição pequeno-burguesa e professoral, agora valorizando a ‘energia’, a ‘coragem’, a ‘vontade’, virtudes que se se esperavam dos líderes, bem como a ‘iniciativa’, o ‘espírito de empresa’ contra o saber, a erudição, a docilidade ‘escolar’; é valorizar o caráter ou a vontade acima da inteligência, relativizando o ‘sucesso escolar’

* Estas frações dominantes da classe dominante pensam a oposição em relação às frações dominadas da classe dominante (intelectuais, artistas, professores) através da oposição entre masculino e feminino, viril e efeminado;

* Em suma, é preciso compreender que “o esporte, como toda prática, é um objeto de lutas entre frações da classe dominante e também entre as classes sociais.” (p.142)

- Lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo (142-3)

* As disputas do campo da prática esportiva: pelo monopólio da imposição da definição legítima da prática esportiva e da função legítima da atividade esportiva; neste campo também está inserido o campo das lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo [daí a enorme importância do esporte para a publicidade no mundo contemporâneo] envolvendo desde os agentes do campo esportivo (treinadores, dirigentes, profs. ginástica e outros comerciantes de bens e serviços esportivos) até moralistas, o clero, médicos (sobretudo os higienistas), educadores num sentido amplo (conselheiros conjugais, dietistas etc), os árbitros da elegância e do gosto etc.

* Algumas oposições transistóricas; profissionais da pedagogia corporal (profs. ginástica) e médicos; filosofia do uso ascético do corpo (educação física = esforço, correção, retidão) x filosofia hedonista que privilegia a natureza e reduz a educação ou até mesmo propõe a desconstrução da educação corporal

* Estas lutas, ou melhor, o resultado das mesmas na direção de um pólo (o ascético) ou outro (o hedonista), depende “do estado das relações de força entre as frações da classe dominante e entre as classes sociais no campo das lutas pela definição do corpo legítimo e dos usos legítimos do corpo” (p.142); o ex. da ‘expressão corporal’ ó nova variante da moral burguesa (outro tipo de relação entre pais e filhos, liberalismo em termos educacionais, de hierarquia e ligadas à sexualidade, denunciando o ascetismo como ‘repressivo’)

- Esporte e lucros de distinção (143)

* O esporte ainda traz consigo a marca de suas origens (ideologia aristocrática do esporte como atividade desinteressada e gratuita mascarando a verdade de uma parte crescente das práticas desportivas) e os lucros de distinção ligados a determinadas práticas como tênis, equitação, iatismo e golfe p.ex.; este lucro de distinção é dobrado pela oposição entre a prática do esporte e o simples consumo de espetáculos esportivos (depois da adolescência, elite pratica mais, povo vê mais)

- O esporte espetáculo e seus efeitos (doping, violência e alienação política) (143-5)

* Os esportes populares (ciclismo, futebol, rugby) funcionam também como espetáculo popular, isto é, de massa. O que nascera das práticas populares, produzidas pelo povo, retorna agora sob a forma de espetáculo produzido para o povo;

* Fenômenos atuais como o doping estariam ligados à busca da vitória a qualquer preço ligada à ampliação do público esportivo para além dos conhecedores profundos (capazes de apreciar o jogo em suas nuances), pois o grande público interessa-se apenas pela dimensão do suspense e da ansiedade pelo resultado; quando o público desloca-se para além dos amadores (i.e. também praticantes) reforça-se o reino dos profissionais puros; em suma, a competência puramente passiva do grande público leva à evolução da produção tanto em termos de música quanto em termos de esporte;

* E, de fato, mais do que seu papel de reforço do chauvinismo ou do sexismo, o esporte reforça a separação entre profissionais e leigos, “reduzidos ao papel de simples consumidores”, tornando-se uma “estrutura profunda da consciência coletiva” (p.145) pois não é apenas no domínio esportivo que lhes é reservado este papel de torcedor [creio que aqui ele está pensando no papel do eleitor na democracia representativa contemporânea, o que só demonstra a relação entre esporte e sociedade, no caso o funcionamento do sistema político]

- Determinantes da passagem do esporte elitista-amador ao esporte espetáculo destinado ao consumo de massa (145-7)

* Análise dos determinantes da passagem do esporte como prática de elite (reservada aos amadores) ao esporte como espetáculo produzido por profissionais e destinado ao consumo de massa;

* “Indústria do espetáculo esportivo”: maximizar a eficácia minimizando os riscos (leis da rentabilidade) è pessoal técnico especializado e gerência científica (ex. futebol americano e sua super-especialização); tudo isso ligado a uma indústria de equipamentos e acessórios esportivos [proteções, material adequado, ver comerciais sobre tênis para futebol de salão]

* Já na sua origem, o esporte, nas public schools, obedecia a este cálculo de custo, pois era o meio de ocupar a menor custo os adolescentes, tornando mais fácil a sua vigilância (tratava-se de instituições totais), fazendo com que se dedicassem a uma atividade ‘sadia’, direcionando sua violência contra os colegas e não contra as instalações ou contra os professores [mas direcionando esta violência, como mostram Dunning e Sheard, de forma controlada, ao contrário do que antes ocorria na relação entre veteranos e calouros]

* Ora, da mesma forma, houve uma multiplicação de associações esportivas inicialmente organizadas sobre bases beneficentes (e mais tarde ajudadas pelo Estado) por parte daqueles interessados em mobilizar, ocupar e controlar os adolescentes (de uma forma extremamente econômica): partidos, sindicatos, igrejas e patrões paternalistas [lembrar do padre da primeira comunhão];

* Os patrões paternalistas, desde muito cedo, oferecem, além de hospitais e escolas, estádios e outros estabelecimentos esportivos;

* Em suma, “o esporte é um dos objetos da luta política” (147); p.ex. no meio rural onde a pequena burguesia ou a burguesia rural promovem o aparecimento de equipes de forma a “impor seus serviços de incitação e enquadramento e de acumular ou manter um capital de notoriedade e honorabilidade sempre suscetível de se reconverter em poder político.”

- Consequências: modificação das funções que os esportistas dão à prática e da prática esportiva em si (147-8) – aqui entram a questão das classes e do habitus

* Nesta passagem das escolas de elite às associações esportivas de massa, há uma modificação não somente das funções que os esportistas e os que os enquadram [dirigentes ?] dão à pratica mas também uma transformação das espectativas e exigências do público agora ampliado: da exaltação da proeza viril e do culto do espírito de equipe (adolescentes de origem burguesa ou aistrocrática) è reinterpretada (como no caso do rugby) para se adaptar ao público de camponeses, empregados ou comerciantes do sudoeste da França: agora será valorizada a violência (a ‘cotovelada’) e o sacrifício obscuro e tipicamente plebeu (‘cavar’ o jogo etc);

* Para entender essas mudanças, é preciso ter em mente que a carreira esportiva – uma trajetória praticamente inadmissível para uma criança burguesa – “representa uma das únicas vias de ascensão social para as crianças das classes dominadas” (148) que podem explorar seu capital físico da mesma forma que as meninas bonitas exploram o seu no mercado dos concursos de beleza e das profissões correlatas (recepcionista etc);

* Em suma, isto exemplifica o ajustamento entre oferta e demanda esportivas (ver cit. p.148); o que tem relação com o habitus (sistema de disposições) de uma classe ou fração de classe determinada

IV. Segunda grande questão: significados e funções que as diferentes classes sociais dão aos diferentes esportes (148-152) [i.e. demanda]

* “devemos nos interrogar sobre as variações do significado e da função sociais que as diferentes classes dão aos diferentes esportes” (p.148); “as variações das práticas segundo as classes devem-se não apenas às variações dos fatores que tornam possível ou impossível assumir seus custos econômicos e culturais, mas também às variações da percepção e da apreciação dos lucros, imediatos ou futuros que se considera que estas práticas proporcionam.” (pp. 148-9) (valor que se atribui à musculatura visível x elegância, ou à saúde e ao equilíbrio psíquico, enfim, diferentes expectativas acerca dos efeitos sobre o próprio corpo; o ex. da ginástica para produzir corpo conspicuamente forte – demanda popular – ou um corpo são – demanda burguesa [hoje, nem tanto, vide a moda da musculação entre a pequena burguesia e a burguesia]; daí a demora das autoridades olímpicas em reconhecer o halterofilismo visto como “força pura, brutalidade e a indigência intelectual, ou seja, as classes populares”);

* “Da mesma forma, as diferentes classes se preocupam de maneira muito desigual com os lucros sociais que a prática de certos esportes proporciona”; aqui atua a lógica da distinção, opondo, p.ex. o golfe à petanca (jogo popular no sul da França), esta última ligada à força; também tem que ser considerado a disponibilidade de tempo ou tempo livre;

* Outro exemplo: a preocupação com a distinção social afasta os membros das classes dominantes da maior parte dos esportes coletivos (basquete, handebol, rugby, futebol) – mais praticados pelos empregados de escritório, técnicos e comerciantes – bem como de esportes individuais tipicamente populares como o boxe ou a luta livre: “a composição social de seu público, que redobra a vulgaridade que sua divulgação implica, os valores em jogo, como a exaltação da competição e das virtudes exigidas, força, resistência, disposição à violência, espírito de ‘sacrifício’, de docilidade e de submissão à disciplina coletiva, antítese perfeita da ‘distância em relação ao papel’ que os papéis burgueses implicam” (p.150);

* Conclusão deste ponto: “tudo permite supor que a probabilidade de praticar os diferentes esportes depende, em graus diversos para cada esporte, do capital econômico e, de forma secundária, do capital cultural e do tempo livre; isto por intermédio da afinidade que se estabelece entre as disposições éticas e estéticas associadas a uma posição determinada no espaço social e os lucros que em função destas disposições parecem prometidos para os diferentes esportes.” (p.150)

* Relação entre práticas esportivas e idade é mais complexa pois a questão da quantidade de esforço físico exigido e da disposição em relação a este esforço é uma dimensão do ethos de classe; p.ex. esportes ‘populares’ estão associados à juventude – licença provisória ó gasto de energia (física e sexual) abundante, e são abandonados muito cedo (normalmente no momento do casamento) x esportes ‘burgueses’ prolongados para bem além da juventude, “talvez, tanto mais além quanto mais prestígio e exclusividade tiverem (como o golfe)” (p.150) [aqui caberia, é lógico, umas adaptações – no mínimo – para pensar o caso brasileiro, onde o futebol é um universal, tanto em termos de classe – menos – quanto em termos etários]

* “é a relação com o próprio corpo, enquanto dimensão privilegiada do habitus, que distingue as classes populares das classes privilegiadas, assim como no interior destas distingue frações separadas por todo o universo de um estilo de vida. “(p.151)

* Isto é:

classes populares è relação instrumental com o próprio corpo “também se manifesta na escolha de esportes que demandam um grande investimento de esforços, às vezes de dor e sofrimento (como o boxe), e em certos casos exigem que o próprio corpo seja colocado em jogo, como a moto, o paraquedismo, todas as formas de acrobacia e, em certa medida, todos os esportes de combate, entre os quais se pode incluir o rugby.” (p.151)

x

classes privilegiadas è ‘estilização da vida’ e corpo tratado como um ‘fim’ è preocupação com uma cultura corporal (culto higienista da saúde ó exaltação ascética da sobriedade e do rigor dietético) traduzida na ginástica ou no esporte ascético ou higiênico, como a corrida ou a marcha, atividades altamente racionais e racionalizadas (pois supõem uma fé nos lucros que prometem como a proteção contra o envelhecimento, que só pode existir a partir de uma base teórica); só adquirem sentido em função de um conhecimento abstrato dos efeitos (e.g. abdominais); isto é característico de indivíduos em ascensão “preparados para encontrar satisfação no próprio esforço e aceitar – é o próprio sentido de toda a sua existência – gratificações posteriores em função de seu sacrifício presente.” (p.151)

* “As funções higiênicas tendem cada vez mais a se associar, e mesmo a se subordinar, a funções que se pode chamar de estéticas, à medida em que se sobe na hierarquia social (principalmente, sendo todas as outras variáveis iguais, entre as mulheres, mais fortemente inclinadas à submissão às normas que definem o que deve ser o corpo, não apenas em sua configuração perceptível mas também em seu jeito, seu modo de andar etc“ (pp.151-2);

* Entre as profissões liberais e a burguesia de negócios as funções higiênicas e estéticas conjugam-se a funções sociais: “os esportes se inscrevendo, da mesma forma que os jogos ou as trocas mundanas (recepções, jantares etc) às numerosas atividades ‘gratuitas’ e ‘desinteressadas’ que permitem acumular capital social.“ (p.152); ex. clubes de golfe, caça ou pólo tornam-se pretexto para encontros escondidos, uma técnica de sociabilidade como a prática do bridge ou da dança; [aqui caberia outro reparo, pois o futebol entre as classes populares e médias também serve como uma técnica de sociabilidade]

V. CONCLUSÃO: o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos (152-3)

*o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos deve ser buscado na relação entre as transformações da oferta e as transformações da demanda: as transformações da oferta (invenção ou importação de esportes ou de equipamentos novos, reinterpretação dos esportes ou jogos antigos etc) são engendradas

nas lutas de concorrência pela imposição da prática esportiva legítima e pela conquista da clientela dos praticantes comuns (proselitismo esportivo),

lutas entre diferentes esportes e, no interior de cada esporte entre as diferentes escolas ou tradições (por exemplo, esqui de pista, fora da pista, de fundo etc,

lutas entre as diferentes categorias de agentes engajados nesta concorrência (esportistas de alto nível, treinadores, professores de ginástica, fabricantes de equipamento etc);

as transformações da demanda são uma dimensão da transformação dos estilos de vida e obedecem, portanto, às leis gerais desta transformação.

A correspondência que se observa entre as duas séries de transformações se deve, sem dúvida, neste e noutros casos, ao fato de que o espaço dos produtores (isto é, o campo dos agentes e das instituições que contribuem para a transformação da oferta) tende a reproduzir, em suas divisões, o espaço dos consumidores. Colocando de outra maneira, os taste-makers que estão em condições de produzir ou impor (isto é, vender) novas práticas ou novas formas de antigas práticas (como os esportes californianos ou as diferentes espécies de expressão corporal), assim como os que defendem as práticas antigas ou as antigas maneiras de praticar, engajam em sua ação as disposições e convicções constitutivas de um habitus onde se exprime uma determinada posição no campo dos especialistas e também no espaço social, e por este fato eles estão predispostos a exprimir e, portanto, a realizar em virtude da objetivação, as expectativas mais ou menos conscientes de frações correspondentes do público dos leigos.”


  1. Objetivo do texto: esboço de um modelo acerca do surgimento e do funcionamento do campo esportivo moderno

  1. Palavras-chave

- Campo esportivo

- Habitus

- Classes sociais

- Oferta

- Demanda

- Consumo

- Práticas esportivas

- Filosofia política

- Amadorismo

- Esporte de massa

- Esporte espetáculo

- Profissionalização

  1. Métodos

- Uso de conceitos sociológicos, provenientes sobretudo da praxiologia ou teoria da prática, como habitus e campo, aplicados a realidades históricas (surgimento do esporte moderno) ou dados estatísticos (tabelas sobre práticas esportivas)

  1. Fontes utilizadas

- Já respondido no item anterior

  1. Conclusões do texto

- Da especificidade histórica do esporte moderno, da sua constituição enquanto um campo esportivo

- Das relações entre habitus, classes sociais e práticas esportivas

  1. Questões e críticas

- Em alguns pontos há generalizações excessivas, p.ex. p.145, vê-se a questão da especialização e dos experts como tendo um efeito político alienante; ora, no Brasil, por ex., todos se acham especialistas em futebol, são 190 milhões de técnicos da seleção brasileira; o saber especializado não é reconhecido facilmente.

- Outro ex. P. 151 fala do rugby como sendo popular na França devido ao tipo de uso do corpo, mas na Inglaterra o rugby é aristocrático, aqui não leva em consideração a história

  1. Outras leituras recomendadas

- Outros textos de Bourdieu para esclarecer, sobretudo, a questão do habitus. P.ex. Ésquisse d’une théorie de la practique. Ou o livro publicado em Português, Coisas Ditas.