quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Capítulo 7 - Resumo-tradução (COMPLETO)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 7: The Glamour Game, 1961-1985. pp. 156-180.

[i] Prólogo (156):

- Em termos sociais e econômicos, o período entre 1961-85 não forma um bloco coerente: ocorreram mudanças fundamentais em todos os aspectos da sociedade inglesa entre as épocas de Macmillan e Thatcher.

- Em termos futebolísticos, também, podemos dizer que o final dos anos 70 e os anos 80 formam um período distinto e bastante problemático.

- Há, todavia, uma certa característica deste quartel de século que o torna um foco útil. Uma nova era foi iniciada com a abolição do teto salarial e uma outra se apresentava como resultado da crise de meados dos anos 80.

- Este capítulo trabalha essencialmente com os aspectos da história do futebol que se relacionam à organização, administração e do jogo propriamente dito neste período; o próximo capítulo irá concentrar-se na relação entre o jogo e a sociedade mais ampla.

[ii] Running the game (156-159)

(156) Apesar de todos as mudanças e problemas envolvendo o futebol professional, a FL permaneceu bastante estática. Ela até chegou a sugerir uma reforma em 1961, que dentre outras coisas previa uma FL com 5 divisões de 20 clubes (sendo a 4ª. divisão dividida em norte e sul) com promoção e rebaixamento automáticos de 4 clubes.

(156) Outra característica: clubes que pedissem reeleição para a FL duas vezes seguidas eram automaticamente rebaixados. [vou explicar em sala]

(156) O plano não foi aprovado: em 1963 ficou a 8 votos de alcançar a maioria de 3/4, o que é irônico porque uma das mudanças propostas era a diminuição do quorum para mudanças para 2/3.

(157) Em 1968 o governo apontou uma comissão para estudar o futebol e propor mudanças, rejeitadas pela direção da FL. Em 1983 a própria FL aponta outra comissão (chefiada pela mesma pessoa, Sir Norman Chester de Oxford), mas rejeita as sugestões novamente.

(157) As mudanças eram dificultadas pela mistura entre: oposição institucional às críticas externas, recusa em admitir problemas atuais e potenciais, respeito genuíno pelas estruturas e tradições existentes.

(157) O fato é que quando a “reestruturação” tornou-se o tema central em 1985, os clubes que apoiavam uma “Super-Liga” dissidente podiam legitimar seu radicalismo (que na verdade escondia ambições) a partir de uma longa e profunda frustração com o conservadorismo da Football League.

(157-8) Ocorreram pequenas mudanças:

i. Introdução da League Cup [Copa da Liga Inglesa] em 1960-1, de início sem prestígio junto aos grandes clubes mas que pouco a pouco se firma; [hoje é a chamada Carling Cup]; FOI ESSA COPA QUE O GLORIOSO OXFORD UNITED GANHOU EM 1986, DERROTANTO O QUEENS PARK RANGERS EM WEMBLEY!!!

ii. Muitas outras competições foram criadas no período, mas a única que ficou foi a Associate Members Cup em 1983-4 que mudou de nome várias vezes de acordo com o patrocinador (era Auto Windscreens Shield na temporada 1995-6). Nela tomavam parte as equipes da 3a. e 4a. divisões.

iii. A reforma dos procedimentos de reeleição para a FL [explicarei em sala] avançaram no período: a FL admitiu que até então havia prejudicado non-league clubs interessados em subir. Em 1979 formou-se a New Alliance Premier League, na verdade uma 5a. divisão [onde provisoriamente se encontra o glorioso Oxford United]; a promoção e o rebaixamento automáticos entre a FL e as divisões abaixo dela, todavia, só se tornaram automáticos em 1987, criando efetivamente a pirâmide do futebol inglês.

(158) Outras mudanças do período:

i. Uma das mais populares foi a permissão para uma substituição (somente por contusão) em 1965;

ii. Uma das mais impopulares foi a permissão para que os clubes utilizassem gramados artificiais em 1981; somente 4 clubes utilizaram esse tipo de gramado e o último foi removido em 1993.

iii. Um sistema de 3 sobem, 3 descem, automaticamente, foi adotado em 1973;

iv. Adoção dos 3 pontos por vitória em 1981-2, supostamente para estimular o futebol ofensivo;

(158-9) Em termos da FA (Football Association):

i. Finalmente o futebol dominical foi abençoado em 1960 e criou-se uma Copa para times amadores dominicais em 1964-5.

ii. Em 1974 a FA permitiu que jogos da FA Cup e da FL fossem realizados aos domingos para compensá-los pela disrupção causada pela semana de 3 dias que resultara do conflito entre o governo e os eletricitários e mineiros.

iii. Somente em 1981 a FA sancionou os jogos da FL aos domingos e somente em 1983 permitiu que os jogos da FA Cup fossem jogados no dia reservado ao Senhor.

iv. A FA estava crescentemente disposta a aceitar o futebol feminino. Atendendo a pressões vindas da UEFA, formou-se um comitê conjunto entre a FA e a recentemente formada Women’s FA [entidade independente em relação à FA] para estudar e regular alguns aspectos relativos ao futebol feminino.

v. Uma mudança notável foi o fim da distinção entre amadores e profissionais em 1974, finalmente abandonando a tarefa de tentar policiar os pagamentos feitos a times nominalmente amadores;

(159) As relações entre FA e FL continuaram tensas. Um ponto de discórdia era a falta de interesse dos clubes em liberarem jogadores para a seleção da Inglaterra; as instruções da FA normalmente irritavam os dirigentes da FL.

(159) Em 1964-5, 87 clubes da FL [quase todos os 92, portanto] ameaçaram abandonar a FA após serem solicitados a assegurar que seus jogadores amadores (quando os havia) não recebessem nada além do reembolso de despesas de viagem. Que uma questão tão irrisória tenha despertado uma resposta tão dramática indica uma relação bem conflituosa. A FA recuou na exigência, mas aos poucos ia-se abrindo um abismo que iria redundar na ruptura de 1991 [criação da Premier League]

[iii] The game (159 - 163)

(159) A partir da metade dos anos 6o, a primeira geração de managers modernos e seus coaches estava firmemente no controle do que acontecia no campo, o que levou a mudanças significativas na forma em que o futebol passou a ser jogado.

(159) O sucesso da Inglaterra na Copa de 66 usando o 4-3-3 levou à adoção deste modelo durante alguns anos. Nos anos oitenta os estilos variavam bastante, desde o jogo de posse de bola e passes do Liverpool até as modalidades de lançamentos longos [chutões para frente diríamos nós, brasileiros] em que a bola era posta na área do adversário o mais rapidamente possível.

(159-160) A partir do início dos anos 60 o futebol se tornou mais defensivo. Entre 1955 e 62 as médias de gols eram altíssimas, com várias equipes conseguindo marcar mais de 100 gols em uma temporada.

(160) A partir de 1961-2 o declínio no número de gols marcados foi constante (ver quadro 3 – Gols marcados na Primeira Divisão – 1960-1976), tanto na Primeira Divisão quanto nas outras divisões da FL.

(160-1) Não surpreende que a nova geração de managers tenha enfatizado as táticas defensivas, predominante sobretudo a partir de 1965-6, pois suas análises quantitativas demonstravam que a posição na tabela dependia mais das qualidades defensivas do que ofensivas: em 1961 o Newcastle foi rebaixado marcando 86 gols.

(161) No “futebol moderno” não valia mais a pena ganhar em casa por 10x4 para em seguida perder for a por 2x5 ou 0x4, o que aconteceu com o Spurs no outono de 1958.

(161) Uma série de mudanças táticas ocorreram, levando praticamente todos os jogadores a defenderem e a negarem espaços no meio de campo aos adversários.

(161) Apareceram as táticas basicamente defensivas: 4-3-3, 4-4-2, 4-5-1.

(161) Os métodos ultra-defensivos eram utilizados sobretudo nos jogos fora de casa: em casa os managers adotavam táticas mais ofensivas para contar com o apoio da torcida.

(161) Isso não significa que o futebol tenha piorado, embora às vezes algumas exibições defensivas fossem dolorosas de assistir. De qualquer maneira agora o futebol era um jogo diferente, altamente profissional em termos de planejamento, treinamento e disciplina.

(162) A partir de fins dos anos 50 houve muito debate acerca do espírito com que o futebol era jogado. Muitos afirmavam que com as crescentes recompensas financeiras, os jogadores haviam se tornado mais “cínicos”, mais dispostos a questionar os juízes, fazer cera, desrespeitar as distâncias da barreira e fazer faltinhas deliberadamente. O declínio do número de gols marcados também foi usado como argumento por aqueles que afirmavam um declínio do futebol. Lamentava-se o uso sistemático das malandragens de diversos tipos.

(162) Analisando bem, estas malandragens, em primeiro lugar, são difíceis de medir, o que torna a comparação entre as épocas impossível. Ademais, elas sempre estiveram presentes no jogo: em 1928 um jornalista presente à final da FA Cup elogia um zagueiro do Blacburn Rovers por seus lançamentos longos, defesa segura e cera para dificultar o empate do Huddersfield. E ele estava realmente elogiando a cera como um artifício útil (e aceito) em um momento de sufoco.

(162) Muitos que trabalharam no futebol entre 1920-60, todavia, acreditavam que estas táticas sujas eram coisa da “nova geração”. Se esse for o caso, isso sugere que tinham havido interessantes mudanças tanto no jogo quanto na sociedade inglesa.

(162) Stephen Wagg, por exemplo, sugere que a partir dos anos 50 a vida na Inglaterra tornou-se mais competitiva e que à medida que o mundo de negócios britânico aboliu o cavalheirismo o mesmo teria ocorrido no futebol. Ele ainda acrescenta que o novo vocabulário tecnocrático do “profissional” fazendo seu “trabalho” justificava esse rompimento com o espírito e às vezes com a letra da lei [i.e. das regras].

(162) Seja ou não válida esta interpretação, pode-se oferecer uma interpretação mais positiva. É possível que a nova ética profissional tenha levado a uma atitude diferente perante as jogadas violentas. Aqui estamos em terreno extremamente subjetivo, dependendo dos testemunhos de ex-jogadores do período pré-guerra, que podem ser exagerados. Mas um jogador considerado “duro” nos anos 30 achava que os jogadores da década de 60 eram frouxos. Na verdade, dizia-se com frequência nas décadas de 1950 e 60 que o jogo realmente violento e perigoso havia declinado. A hipótese de Russell: a emergência da “malandragem” era uma resposta da nova geração de profissionais que respeitavam demasiadamente seus colegas para se permitirem o uso excessivo de jogadas perigosas, buscando compensação em outros métodos.

(162-3) Há pouca dúvida de que o jogo se tornou menos abertamente físico. A evidência estatística, à primeira vista, poderia sugerir o contrário, com o aumento do número de expulsões e advertências em jogos profissionais: de 942 em 1970-1 para 3.968 em 1981-2. Todavia, estes números são um indicador ao mesmo tempo das mudanças de mentalidade dos administradores do jogo [i.e. tornando-se mais rígidos diante da violência] da mesma forma que são uma medida objetiva das faltas.

(163) Esta hipótese é demonstrada pelo seguinte: em temporadas quando a FL e a FA procuraram responder a determinados incidentes, o número de advertências e expulsões aumentou (e.g. campanha contra a “falta profissional” em 1982-3).

(163) Ou seja, nesse caso não se tratava dos jogadores terem se tornado mais violentos e sim da alteração dos parâmetros do que constituía um comportamento aceitável.

(163) É também possível que os estilos de arbitragem tenham se modificado. Em uma época em que os comentaristas estavam clamando por claras demonstrações de disciplina em todas as áreas públicas e quando, no mundo do futebol, as relações entre a violência dentro e fora do campo eram estabelecidas com frequência, os árbitros foram forçados a adotar um procedimento mais “formal” (i.e. marcando “tudo”). Neste sentido, as forças sociais bem como as forças esportivas ditavam o estilo do futebol.

[iv] Football’s geography (163-171)

(163) A FL praticamente completou sua colonização da Inglaterra nos anos 60 e 70. Três condados pela primeira vez ganhavam representantes na FL com as entradas do Oxford United (1962), Cambridge United (1970) e Hereford United (1972).

(163) A questão principal a ser debatida aqui refere-se aos padrões de sucesso e fracasso. Há duas características centrais do período a serem examinadas: a força crescente dos clubes do sul e a dominação por parte dos clubes de grandes cidades, tendências que alcançaram seu zênite em 1987-8 (ver tabela 4 à página 164).

(164) Desde a II GM que os clubes do sul representavam cerca de 30% da Primeira Divisão. A partir dos anos 80 passam a representar 50-60%.

(164) À primeira vista, esta importante mudança pode ser atribuída às mudanças econômicas do período, quando há o fortalecimento econômico do sul em comparação com o resto do país.

(164) Russell acha que esta relação não é tão indiscutível assim. Afinal, alguns clubes que subiram para a Primeira Divisão nos anos 70 e 80 o fizeram graças a diretores ou presidentes vindos de fora ou mesmo figuras locais proeminentes, ou seja, graças a um patrono e não devido à geração de capital por parte da comunidade de negócios local. Exemplos: Elton John financiando a ascensão do Watford da 4ª. divisão em 1977-8 para o 2º. Lugar na 1ª. divisão em 1982-3 e Robert Maxwell salvando o [glorioso] Oxford United da falência [calúnia!!!] em 1982 e utilizando seus recursos para fazer o clube subir da 3ª. para a 1ª. divisão em temporadas consecutivas a partir de 1983-4.

(164) Ao mesmo tempo, poucos dos clubes sulistas recém-chegados à 1ª. divisão atraíram grandes públicos, portanto não é possível falar de clubes fazendo progresso rápido devido à riqueza gerada nas bilheterias por uma população bem de vida.

(164) Pode ser o caso que os clubes sulistas, localizados muito perto de convenientes fontes de capital, tendessem a levantar dinheiro mais facilmente que seus colegas do norte.

(164) As vantagens econômicas também podiam ser traduzidas em vantagens culturais: talvez Londres e o sul fossem uma localização mais atrativa para jogadores do que alguns destinos no norte. Todavia, relações claras entre uma prosperidade sulista e a ascensão dos clubes sulistas são difíceis de estabelecer. Isto só poderia ser comprovado com uma análise detalhada clube a clube, focalizando não somente elementos sociais e econômicos, mas também coisas como a qualidade da rede de olheiros e, em particular, examinando se os clubes do sul tinham uma habilidade especial em atrair o número emergente de jogadores negros.

(165) Em termos de sucesso no nível mais alto, os clubes do norte e das Midlands (centro da Inglaterra) continuavam a ser dominantes, apesar de um significativo sucesso dos clubes do sul na FA Cup (17 vezes entre 1960-95 contra apenas 9 campeonatos da FL no mesmo período).

(165-6) Muitos dos clubes sulistas que conseguiram chegar à 1ª. divisão tiveram pouco sucesso e/ou ficaram lá por pouco tempo logo caindo para as divisões inferiores (Millwall, Portsmouth, Watford e Oxford United)

(166) O segundo traço marcante do período pós-61 é a dominação dos clubes de grandes cidades em detrimento dos clubes de cidades menores. Entre 1962 (Ipswich) e 1995 (Blackburn), nenhum clube representando uma cidade com menos de 200.000 habitantes venceu o campeonato da 1ª. divisão. E em 1995 o Blackburn era uma exceção que confirmava a regra, pois foi ajudado pela enorme injeção de capital feita pelo milionário Jack Walker. Na verdade, apenas duas cidades com menos de 300 mil habitantes, Derby e Nottingham, conseguiram sucesso nesse período. Os clubes de cidades menores não somente não alcançaram um sucesso maior mas nem mesmo conseguiram se manter no nível mais alto, caindo para divisões inferiores (ver tabela 5 nesta página).

(166-7) No caso do declínio dos clubes do Lancashire (antiga região têxtil), houve variações e Russell não aceita estabelecer relações diretas entre o declínio econômico da região e o mau desempenho dos clubes ali localizados. Ele acha que esse foi um fator, mas que deve ser associado também a fatores mais especificamente futebolísticos.

(167-8) Como foi demonstrado no capítulo 2, os diferenciais de população sempre influenciaram no sucesso futebolístico. Todavia, uma vez que a estrutura econômica do futebol foi alterada com a abolição do teto salarial e a reforma do sistema de retenção e transferências, o tamanho da população base necessária à obtenção de sucesso cresceu enormemente.

(168) Os clubes de cidades grandes sempre levaram vantagem nessa área, mas não tanto quando havia teto salarial e um sistema de retenção e transferências muito rígido. Em um mercado livre os clubes de cidades grandes passaram a reinar supremos. Sua torcida mais numerosa passou a ser a base de finanças seguras e do sucesso dentro de campo.

(168) Os clubes de cidades-médias do Lancashire e de outras regiões conseguiram sobreviver em boa parte dos anos 60 graças ao seu capital acumulado de feitos históricos, que mantinha um público razoável e os tornava atrativos para vários jogadores.

(168) A partir de meados da década de 60 e nos anos 70, todavia, a facilidade de transporte para Liverpool e Manchester, combinada ao abismo crescente entre as performances de clubes de cidades grandes e os restantes, aceleraram a diminuição do apoio dos torcedores.

(168) Os clubes menores foram capturados em uma espiral de declínio. Uma vez tendo escorregado ladeira abaixo para a 3ª. e a 4ª. divisões, o consequente colapso de público tornava o abismo entre eles e os clubes de cidades maiores impossível de transpor. Agora clubes que já haviam sido os grandes nomes do futebol inglês tornavam-se simplesmente fornecedores de jogadores para os clubes mais ricos. Só a chegada de patronos extremamente ricos poderia alterar esta situação.

(168) Definindo clube de grande cidade: locais com população maior do que 400.000, ou seja, além de Londres, Birmingham, Liverpool, Sheffield, Manchester, Leeds e Bristol. Ora, é claro que nem todos os clubes de cidades grandes tem sido clubes grandes nas últimas décadas. Bristol, por uma série de fatores (força local do rugby, divisão dos torcedores entre dois clubes, posição de relativo isolamento geográfico dificultando a atração de jogadores), é o exemplo clássico.

(168) Da mesma forma, um certo número de clubes londrinos baseados em subúrbios ou no que antes haviam sido distritos algo isolados de classe operária jamais se estabeleceram como clubes vencedores: Crystal Palace, Fulham, Brentford e Millwall.

(168-9) O que é mais interessante é que até mesmo um certo número de clubes de cidades grandes que passaram um bom período na 1ª. divisão e que são vistos como “clubes grandes” têm retrospectos bastante limitados.

(169) A verdade é que apenas um pequeno número de clubes de cidades grandes têm sido bem sucedido na era pós-teto salarial (ver tabela 6, nesta página)

(169) Alguns clubes com enorme potencial derivado da sua torcida atual e em potencial não desenvolveram todo o seu potencial. Chelsea [o autor escreve em 1995, antes da chegada de Abramovich e de José Mourinho], Sheffield Wednesday e talvez o Aston Villa (mesmo que tenha alcançado sucesso em 1980-1 – 1ª. divisão e em 1981-2 – copa européia) sejam os melhores exemplos. Sem falar no Birmingham City que só ganhou uma Copa da Liga em 1963 e do Sheffield United cuja maior honraria foi vencer a FA Cup em 1925.

(169) Tudo isso levanta a questão da verdadeira fórmula para o sucesso futebolístico. Por que o Liverpool, o Manchester United e o Arsenal foram tão bem mais sucedidos do que o Chelsea, o Sheffield Wednesday e o Manchester City, clubes que compartilham com eles das mesmas vantagens sociais, demográficas e econômicas ?

(169-171) Resposta:

i. O simples peso da tradição histórica parece ter desempenhado um papel central. Com a exceção do Leeds United e em menor escala do Tottenham, os clubes mais bem-sucedidos no pós-61 têm um histórico de sucessos bastante longo, datando do período pré-1914 no caso de Liverpool, Everton e Manchester United e dos anos 30 no caso do Arsenal.

ii. A sensação resultante da “grandeza” do clube, que combina uma aura quase mística com a expectativa realista de que estes clubes irão continuar a experimentar sucesso, provou ser um poderoso incentivo para atrair torcedores e recrutar jogadores.

iii. Por outro lado, clubes outrora poderosos ou clubes de grandes cidades potencialmente poderosos que passaram por longos períodos sem sucesso consistente (Aston Villa, Chelsea, Sheffield United, Sheffield Wednesday, Manchester City) têm geralmente conseguido manter a lealdade dos torcedores, mas não têm sido capazes de segurar managers e jogadores chave. Seu sucesso após 1961 têm sido ou muito limitado ou, no caso do Manchester City entre 1967-71 e do Chelsea entre 1965-72, confinado a um breve período.

iii. O ingrediente crucial, todavia, permanece sendo a habilidade de certos managers e comissões técnicas de conseguir os melhores resultados dos seus jogadores. A base populacional, o dinheiro e a tradição são fatores importantes, mas em si não são uma garantia de sucesso. Como qualquer torcedor sabe, os managers podem literalmente refazer ou quebrar um clube.

(171) Neste período, quatro retrospectos destacam-se em termos de managers:

i. O reinado de Matt Busby no Manchester United entre 1945-69 que levou à montagem de 3 equipes campeãs distintas;

ii. A famosa dinastia do Liverpool: Bill Shankly, Bob Paisley, Joe Fagan e Kenny Dalglish entre 1959-1991, trazendo sucesso contínuo e sem igual;

iii. Don Revie sendo bem sucedido em fazer do Leeds um clube de elite (i.e. de 1ª. divisão);

iv. Talvez o mais impressionante de todos: Brian Clough, que conseguiu o campeonato da 1ª. divisão com dois clubes diferentes (Derby em 1972 e Nottingham em 1978), ambos clubes pouco importantes e não-provenientes de cidades grandes.

(171) A grande importância dos managers é ilustrada pelo fato de que os clubes menos bem sucedidos trocaram de manager muito mais vezes do que os bem sucedidos: o Liverpool teve apenas 6 managers entre 1959-1995, o Manchester United e o Arsenal tiveram 7, contra 13 do Aston Villa, 14 do Chelsea e do Sheffield Wednesday e 16 do Manchester City.

[v] Players (171-180)

(171) Nos anos 70 1,5 milhão de rapazes e homens jogavam futebol em um nível ou outro. Como sempre, apenas a parcela mais ínfima tinha habilidade, dedicação e sorte de se tornar profissional.

(171) À medida em que a recessão se abateu sobre a Grã-Bretanha no início da década de 1980 e os clubes começaram a dispensar para diminuir despesas, esta fração tornou-se menor do que nunca, com um recorde negativo de apenas 1.575 profissionais registrados em clubes da FL em 1983 contra 4.000 no boom do final dos anos 40.

(171-2) O governo conservador foi muito criticado pela criação do Youth Training Scheme (YTS) em 1983, visto por muitos como um mecanismo de fornecimento de mão de obra barata e de controle social, mas o YTS foi muito importante nesta conjuntura, diminuindo os custos para os clubes e permitindo revelar novos talentos como Paul Gascoigne, David Platt e Matthew Le Tissier.

(172) A maioria dos jogadores continuava a vir da classe operária com as áreas “tradicionais” de recrutamento [norte da Inglaterra, sobretudo áreas industriais e mineiras] continuando a serem fornecedoras importantes.

(172) Embora as restrições trabalhistas tenham mantido sob controle o número de jogadores estrangeiros no futebol inglês, um número pequeno porém influente de estrangeiros chegou no final dos anos 70, destacando-se os argentinos Osvaldo Ardiles e Ricardo Villa que foram contratados pelo Tottenham em julho de 1978.

(172) Em outubro de 1978 a pressão do sindicato dos jogadores convenceu o governo a só dar visto de trabalho aos jogadores que fossem considerados “’established’ performers” [de qualidade reconhecidamente alta]. Esta regra mais o fracasso de alguns dos jogadores importados em se estabelecer atrasou a vinda massiva de jogadores estrangeiros por mais 20 anos.

(172) Um dos traços mais impressionantes do período foi a gradual emergência dos jogadores negros no futebol inglês. Tinha havido uma presença marginal mas constante desses jogadores nos primórdios: o africano ocidental Arthur Wharton que jogou como goleiro pelo Preston em 1886-7 e depois pelo Rotherham Town; Walter Tull do Tottenham e Northampton que morreu em ação na I GM; Jack Leslie do Plymouth Argile, um jogador importante nos anos 20 e 30; e nos anos 50 Roy Brown, Lindy Delapenha e Charlie Williams.

(172) Sua cor era uma fonte de interesse para os jornalistas que invariavelmente revelavam por lapsos de linguagem um reflexo e um reforço dos estereótipos acerca dos hábitos, da cultura e do físico dos Afro-caribenhos. Em 1953, por exemplo, o Soccer Star chamou Delapenha, então jogando pelo Middlesbrough, de “insinuante (lithe) feito uma cobra... o rei da ponta da cor do café”, cujo jogo era abençoado com “o espírito do Calypso”. É interessante contrastar essa visão com um recente historiador do clube que se lembrava deste jogador mais prosaicamente como “forte e bastante trombador”.

(172-3) Neste contexto, o grupo de jogadores negros que ingressou no jogo nos anos 60 carregava uma pesada herança, pois qualquer falha percebida no seu jogo tendia a ser traduzida como uma critica dos jogadores negros em particula e do “temperamento negro” [as aspas são minhas, não do autor] em geral. A suposta inconsistência de Clyde Best, atacante do West Ham, originário das Bermudas e a crença de que Albert Johanneson, o ponta sul-africano do Leeds, não tinha espírito de luta são casos bastante ilustrativos.

(173) Por volta do início dos anos 70, começou a existir um bom número de jogadores negros profissionais nascidos na Inglaterra no pós-45, filhos de imigrantes. Sua emergência foi sublinhada pela convocação de Viv Anderson em 1978, o primeiro jogador negro a receber esta honra. Estes jogadores negros profissionais vinham quase que exclusivamente do Caribe.

(173-4) No caso dos asiáticos, praticamente só há o caso do anglo-asiático Ricky Heppolette, que jogou pelo Preston, Leyton Orient e Peterborough nas décadas de 1960 e 70.

(174) Uma complexa rede de fatores envolvendo tanto os valores das várias comunidades sul asiáticas quanto as percepções brancas destas comunidades travou o desenvolvimento de uma tradição asiática no futebol profissional inglês.

(174) A comunidade afro-caribenha, todavia, provou ser uma fonte fértil de jogadores a partir da década de 1970 e fornecia aproximadamente 15% dos jogadores profissionais da FL em 1995.

(174) Embora a comunidade afro-caribenha estivesse crescentemente bem representada no futebol inglês desde o final da década de 1970, é ainda possível perceber provas de atitudes estereotipadas acerca das suas habilidades e do seu engajamento [“raça” na terminologia dos jogadores brasileiros] retardando o seu progresso.

(174) Um estudo importante sobre os jogadores negros nos anos 90 mostrou que era bem mais provável encontrar jogadores negros na 1ª. do que nas divisões inferiores, sugerindo que os jogadores negros têm que ser bem melhores do que os restantes para serem aceitos.

(174) Ademais, o mesmo estudo mostrou que eles são mais frequentemente encontrados em posições associadas com a rapidez e a mobilidade [laterais, pontas, centroavantes, mas não meio-campistas, por exemplo] do que em posições associadas com o pensamento e a concentração.

(174) As tensões raciais na sociedade britânica apareciam de forma bem menos sutil nos terraces dos anos 70. Em uma conjuntura de ascensão da extrema-direita e de um clima econômico instável, os jogadores negros apareceram em número suficiente para serem percebidos por alguns torcedores mais como ameaça do que como uma novidade.

(174) O padrão clássico era o seguinte: os jogadores negros tornavam-se populares junto à torcida do seu clube, que convenientemente tornavam-se “cegos para a cor” (color blind), mas ficavam sujeitos a uma série de ofensas e abusos por parte dos torcedores adversários, tanto em casa como fora.

(174) Os jogadores davam um jeito de aguentar, com alguns da geração dos anos 70 afastando a tensão, embora relutantemente, ao aceitar alguma forma de “gozação” diante da sua presença. Três jogadores do West Bromwich Albion, por exemplo, bateram de frente com o manager que havia lhes chamado de “os três níveis (de cor)”.

(174) Embora a maioria dos managers escolhesse os jogadores de acordo com o mérito e o sindicato dos jogadores juntamente com um certo número de clubes e de clubes de torcedores tenham trabalhado para combater o problema, a existência de sérias ofensas raciais raramente era reconhecida pelas autoridades do jogo ou pela maior parte da imprensa. Brendon Batson, um dirigente do sindicato dos jogadores em 1984, sublinhou que os comentaristas da televisão geralmente ignoravam propositalmente as ofensas que eram bastante audíveis para os telespectadores sentados em casa.

(174-5) Uma campanha nacional anti-racismo foi lançada somente em 1993, quando os jogadores negros juntamente com um número crescente de estrangeiros europeus e sul-americanos já haviam se tornado uma parte substancial do conjunto de jogadores profissionais, e o futebol estava fazendo um sobre-esforço para construir uma imagem respeitável.

(175) Significativamente, mesmo então o principal financiador foi a Campanha pela Igualdade Racial e o Sindicato dos Jogadores [e não as autoridades do futebol].

(175) É claro que há comentários positivos a fazer. Afora seus geralmente consideráveis feitos futebolísticos, os jogadores negros serviram como modelos de vida para gerações mais jovens de negros e a sua presença em diversas seleções inglesas provavelmente contribuíu para o processo pouco mencionado pelo qual os brancos vieram a calmamente aceitar as realidades de uma sociedade multi-cultural.

(175) Independentemente de raça, cor ou credo, os jogadores profissionais experimentaram uma considerável melhora financeira neste período. Além dos benefícios provenientes da abolição do teto salarial em 1961, a posição de barganha dos jogadores e seus ganhos em potencial aumentaram quando algo muito próximo da liberdade contratual foi estabelecido em abril de 1978.

(175) Muito da informação disponível diz respeito somente aos salários básicos, sem atentar para jogos de despedida, bônus, taxas de transferência ou contratos publicitários de diversos tipos.

(175) Dentro destas limitações, podemos dizer o seguinte: os jogadores beneficiaram-se significativamente das mudanças no sistema contratual, mas as diferenças já existentes entre os principais jogadores e os restantes aumentaram muito. Este processo ocorreu imediatamente após a abolição do teto salarial como é demonstrado na tabela 7 (nesta página); entre 1960 e 64, 59% de aumento para os jogadores da 1ª. divisão contra somente 28% para os jogadores da 4ª. divisão.

(175-6) Estes diferenciais se mantiveram ao longo do período. Em termos da relação entre os salários dos jogadores e dos da comunidade em geral, os diferenciais aumentaram muito em favor dos jogadores, pelo menos para aqueles nas duas primeiras divisões. O nível médio de remuneração, todavia, não era tão espetacular quanto às vezes se pensa. Em 1985, 70% dos jogadores ganhavam abaixo de 15.000 libras por ano, um salário pago à época aos diretores de escolas, acadêmicos senior e médicos bem estabelecidos; 90% dos jogadores ganhavam abaixo de 20.000 libras por ano. Somente alguns dos mais bem pagos jogadores da 1ª. divisão estavam ascendendo para um estilo de vida bastante confortável de classe média e não de super-ricos.

(176) As recompensas para os jogadores principais podiam ser tremendas. De qualquer forma, ainda em 1965-6, a maioria das estrelas do Manchester United ganhava apenas 50 libras por semana. Os maiores aumentos de salário vieram nos anos 70 e 80. E isto era apenas parte do quadro, com muito mais oportunidades para trabalhar em comerciais e na imprensa, com os altos salários permitindo aos jogadores abrindo negócios. No final dos anos 60 alguns jogadores ganhavam mais em dois ou três anos do que um profissional ganhava em toda a sua carreira antes de 1961. Uns abriam negócios, uns eram bem sucedidos, outros fracassavam e houve até quem necessitasse de jogos de caridade ou que morresse na miséria como o sul-africano Albert Johanneson em 1995 em um apartamento em Leeds com problemas de alcoolismo.

(176) A melhora nas condições materiais foi acompanhada pela melhora do status em termos públicos. Stanley Matthews foi sagrado cavaleiro em 1965, Alf Ramsay em 1966 e Matt Busby em 1969, os três primeiros cavaleiros fora das instâncias administrativas do futebol.

(176-7) Houve um reconhecimento cada vez maior nas revistas, televisão e rádio que suplementavam as já tradicionais reportagens e entrevistas após o jogo. Os jogadores frequentemente eram filmados ou fotografados na companhia de estrelas do show business, tornando os jogadores “personalidades” enquanto a linha que separava o esporte e o show business era cada vez menos nítida, a partir de shows na TV e de gravações de músicas populares por parte de times e da seleção.

(178) Um pequeno mas significativo exemplo do status crescente dos jogadores é proporcionado pela forma com que eram mencionados nos programas dos jogos. Até os anos 60 os programas tratavam os jogadores como espécimens atléticos na linguagem de uma feira de gado: origem geográfica, altura, peso, posição e uma ou outra informação sobre habilidades especiais. A partir do fim dos 60 e nos anos 70 os jogadores são entrevistados acerca do seu gosto musical, gastronômico, filmes e por aí vai.

(178) É claro que houve momentos em que a melhora da imagem dos jogadores foi prejudicada. Foi o que aconteceu em 1965 quando se descobriu uma rede de corrupção (combinando resultado de jogos) que envolvia 10 jogadores, incluindo 3 da seleção, que foram banidos do jogo para sempre. O pior é que o esquema parece ter estado a funcionar há vários anos e provavelmente envolvia muito mais pessoas que não foram levadas ao tribunal. Mas o escândalo era algo que já fazia parte da história do futebol e da vida pública em geral e o dano não foi maior.

(178) Todas essas mudanças reestruturaram as relações entre os jogadores e o seu público de alguma maneira. Houve um afastamento crescente entre jogadores e torcedores à medida em que os jogadores mudavam-se para áreas “nobres” e boa parte dos seus encontros passou a ser mediada pela imprensa.

(178) Stephen Wagg, um pioneiro no estudo sociológico do jogador moderno, vê as mudanças de relacionamento como profundas, argumentando que através das suas aparições e declarações públicas e das sua autobiografias, os jogadores principais tornaram-se “guardiões exemplares do novo capitalismo consumista, catapultados, muitos deles, das suas origens de classe operária para as maravilhas amplas, azuis e novo-burguesas e mandando de volta pequenos fragmentos de dogma simples e comercial para alimentar o seu público.” Certamente, muitos jogadores foram projetados como poderosos modeleos de um estilo de vida aquisitivo e consumista.

(179) Essa tem sido a função chave do entertainer (artista do entretenimento) desde o século XIX pelo menos. Wagg certamente está correto em ver o jogador de futebol como alguém que, tirando notáveis e poucas exceções, raramente questiona publicamente o status quo social, econômico ou político. A verdadeira influência desempenhada pelos jogadores nesta área é difícil de medir. Afinal os torcedores ficavam sabendo não somente dos jogadores que enriqueciam mas também do jogador que gastava tudo e terminava sua carreira em um quarto-e-sala, ou tinha sua carreira abreviada por uma contusão ou por uma transferência equivocada.

(179) As grandes mudanças do período trouxeram tanto problemas quanto recompensas. As pressões tradicionais agora eram frequentemente aumentadas pela atenção da mídia e por questões financeiras, levando os jogadores principais a terem altos níveis de stress. E.g. o fenômeno George Best, um prodígio aos 17 anos e cuja carreira de alto nível terminou efetivamente aos 28 anos.

(179-180) O papel do sindicato dos jogadores inevitavelmente mudou à medida em que melhoraram os salários e as condições graças em boa parte à luta do sindicato. Em 1973 os tempos de militância já haviam passado. Mas o sindicato desempenhou um papel importante ajudando clubes endividados, pagando os salários dos jogadores em pelo menos 15 ocasiões e emprestando dinheiro aos clubes para auxiliá-los em meio a desastres financeiros. Houve também o envolvimento em um trabalho menos espetacular mas também vital, incluindo tentativas de aumentar as oportunidades educacionais dos jogadores e desempenhando um papel importante na administração do esquema do YTS (Youth Training System). Em suma: o sindicato dos jogadores conseguiu adaptar-se a um período com necessidades e características muito diferentes.

(180) No que diz respeito ao futebol feminino, ele estava mais firmemente estabelecido com a criação da Women’s Football Association em 1969; em 1979 já havia 278 clubes afiliados. Mas ainda faltava muito para o futebol feminino granjear alguma credibilidade junto aos homens e popularidade junto às mulheres. Até o fim dos anos 80 era ainda utilizado para fazer piada. Exemplo: o Football Digest de 1973 que satirizava os problemas criados pelas especificidades (altamente caricaturadas) da biologia feminina. O futebol, dentro e fora de campo, continuava a ser uma república masculina por excelência.

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