quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Esquema do texto 9: Russell, capítulo 5 (completo)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 5: Football and English Culture, 1919-1939. pp. 103-123.

[i] Prólogo (103):

- (103) Este capítulo explora três aspectos interligados da ligação do futebol com as correntes culturais, sociais e políticas mais amplas do período entre-guerras. Ele começa com uma avaliação da interação entre o futebol profissional e os vários elementos da mídia e da cultura popular, que busca ao mesmo tempo demonstrar o papel central que a mídia desempenhou no crescimento do esporte nesse período e considerar algo do potencial impacto que esta cobertura teve sobre o jogo e sobre atitudes sociais mais amplas. A isto segue-se um exame do papel do futebol na construção e realização de várias identidades políticas e sociais e, finalmente, uma avaliação da transformação do status do futebol na sociedade inglesa entre 1915 e 1939.

[ii] Football and the media (103-113)

- (103) O papel cada vez mais proeminente ocupado pelo futebol na sociedade britânica foi ao mesmo tempo refletido e reforçado, principalmente na década de 1930, pela maior atenção que ele recebeu de muitos elementos da mídia nacional. N. Fishwick tem razão em ver o interesse da mídia como crucial em deslanchar “a transformação do futebol no jogo nacional importante para mais pessoas de classes diferentes.

A Imprensa (103-5)

- (103-4) A imprensa já havia desempenhado um papel importante neste processo antes de 1914, mas o enorme crescimento da chamada imprensa popular neste período, e seu uso aberto da cobertura esportiva como uma arma nas guerras de circulação [i.e. de vendas], tornou o seu papel ainda mais significativo. Em 1920 o Daily Mail era o único diário com uma circulação de mais de um milhão: em 1940, enquanto suas vendas haviam subido para 1,45 milhões, ele tinha sido ultrapassado pelo Express (2.6 milhões), Herald (1.75 milhões) e o Mirror (1,65 milhões). A ascensão do jornal dominical foi igualmente dramática, a circulação de News of the World e People subindo de 3 para 7.5 e 4.6 milhões respectivamente, no período entre 1925 e 1947. Ao final da década de 1930, ambos os jornais devotavam

cerca de 10% do seu espaço ao futebol, tendo pelo menos dobrado a sua cobertura em relação a 1920.

(104) A década de 1930 assistiu a uma espécie de revolução no estilo da reportagem de futebol, tendo o People sido pioneiro, no que foi logo seguido, às vezes de forma relutante, mas rapidamente, por muitos outros jornais. Influenciados até certo ponto por modelos norte-americanos, ele passou a publicar frases e parágrafos mais curtos; mais fofoca, geralmente com um linguajar “anti-establishment”; um tom bastante agressivo, combativo; e fotografia de ação de uma qualidade bem superior, que ajudou ao mesmo tempo a dar glamour ao jogo e a diminuir a credibilidade dos árbitros. O People também iniciou o uso da última página para o futebol e para a cobertura esportiva, reforçando “a separação das notícias de esportes e as da vida real do outro lado do jornal”. Parte da imprensa pouco ligou para estes novos desenvolvimentos. O The Times, por exemplo, ainda tendia a conceder o mesmo espaço ao esporte amador e profissional, mantendo a reportagem de cunho factual. Tal enfoque fazia sentido comercial para um jornal cujo leitor era geralmente pouco exposto às novas correntes culturais. Mas para os jornais mais populares deixar de mudar poderia ser fatal. Uma vítima foi o Athletic News, que já fora a “Bíblia do futebolista” mas que, apesar das tentativas de modernização levadas a cabo por seu último editor Ivan Sharpe, teve que contentar-se em ser meramente a última página do Sporting Chronicle a partir de 1931.

(104) A imprensa local continuou a desempenhar um papel central para a saúde robusta do futebol. O “football special”, geralmente custando um ou dois pence [a menor divisão da moeda da época] era uma característica sempre presente na vida urbana do sábado à noite, enquanto os jornais locais davam cobertura regular durante os outros dias da semana. Os jornais locais continuavam a exibir a velha mistura de lealdade ao clube (da cidade) misturada com um espírito de crítica construtiva, vazados em uma linguagem frequentemente muito próxima da do século XIX.

(104-5) Neste período como um todo, os jornais locais aumentaram e diversificaram sua cobertura do jogo e das suas personalidades. Em parte isso foi o resultado de mudanças estilísticas particularmente perceptíveis na década de 1930. Embora a maioria dos jornais locais não tenha adotado o tom bastante sensacionalista de alguns dos jornais nacionais, eles certamente tentaram modificar sua cobertura, antes próxima a uma descrição factual. Editores buscando matérias com mais “interesse humano”, encontraram no futebolista um tópico promissor. É interessante que no fim da década de 1930 as mulheres e famílias dos jogadores tenham começado a ser destacadas. Talvez isso refletisse um maior interesse feminino no jogo, mas certamente refletia um maior interesse da imprensa nas suas leitoras.

(105) Uma das funções centrais de todos os jornais e revistas, locais ou nacionais, era fornecer informação aos football pools [ver capítulo anterior] que haviam começado no início da década de 1920. Na verdade, a suposta qualidade da informação acerca dos pools [i.e. dos jogos que iriam entrar na aposta daquela semana] era um ponto vital na guerra de circulação entre os jornais.

Os pools (105-6)

(105) Embora os pools não fossem propriamente uma “mídia” no sentido estrito, parece útil falar sobre eles neste ponto. Apostas no futebol eram algo tão antigo quanto o jogo propriamente dito, mas a habilidade com que os pools foram propagandeados elevava-os acima da mera “aposta”, desta forma servindo tanto a seus promotores quanto ao jogo. Os pools eram uma forma da aposta em cupons com vantagens pré-fixadas, pensada para driblar a Lei contra as apostas de 1920. Esta legislação, feita a pedido da FA, bania toda a forma de aposta exceto a que envolvia um crédito, uma medida que visava excluir especificamente [e tão somente] os apostadores da classe trabalhadora que raramente tinham acesso a ele (crédito). Os pools estavam de acordo com a lei porque o dinheiro das apostas era coletado depois dos jogos terem sido realizados, funcionando portanto como uma concessão de crédito ao apostador.

(105) Administrados de forma eficiente, oferecendo tanto ao experimentado quanto ao apostador novato uma chance de sucesso e habilmente “marqueteado” com anúncios, revistas e celebridades entregando os cheques, os pools rapidamente se tornaram uma instituição nacional. Por volta de meados da década de 1930, entre 5-7 milhões de pessoas apostavam nos pools, a um custo de 30 milhões de libras por ano e gerando 30 mil empregos, em sua maioria para mulheres. O hábito de apostar nos pools enraizou-se na vida social dos trabalhadores não-qualificados e das mulheres mais do que o próprio futebol o fizera, ajudando, modestamente, a assegurar um lugar de importância para o futebol na sociedade contemporânea.

(105-6) As autoridades do futebol continuaram ferozmente contrárias à associação do futebol com qualquer forma de aposta de massa: preocupações acerca da 'respeitabilidade', medo de um possível esquema de “arranjar os resultados” e a crença de que as apostas faziam definhar o orçamento já franzino da classe trabalhadora se fundiam em uma mistura poderosa. Sua campanha alcançou o auge em fevereiro de 1936, na famosa “guerra dos pools”, quando a FL recorreu à sabotagem recusando-se a anunciar a tabela com antecedência maior do que dois dias. As companhias de pools, apoiadas por vastas seções de uma imprensa decididamente parcial, deslancharam um contra-ataque que parece ter tido bastante apoio popular. Em 9 de março, muito para a alegria das desesperadas companhias, que mal estavam sobrevivendo em um esquema montado às pressas que pedia aos apostadores para preverem o resultado dos times da casa contra adversários desconhecidos, a FL recuou e mais uma vez optou por uma rota legislativa.

(106) Demoraria até a década de 1950 para que a FL aceitasse o benefício de receber pagamento das companhias de pools em troca do uso garantido da tabela, uma sugestão feita primeiramente pela Pools Promoters Association em 1934. No contexto mais amplo, esta derrota, e a ascensão dos pools em geral, representam uma pequena mas significativa derrota para os guardiões dos valores vitorianos perante uma aliança entre os interesses comerciais e os desejos populares, um tema presente em outras áreas da cultura popular no período entre-guerras à medida em que uma cultura de consumo de massa foi se delineando cada vez mais.

Rádio (106-7)

(106) Nenhuma outra área da mídia deu ao jogo uma cobertura tão constante e variada quanto a imprensa, mas outros setores podiam desempenhar um papel importante. Em 1922, quando a BBC estava na sua infância, somente 1% das casas da Grã-Bretanha tinha uma licença para rádio. Em 1930, esta cifra havia subido para 30% e em 1939 para 71%, quando havia quase 9 milhões de aparelhos de rádio licenciados [8.900.000].

(106) Primeiramente a BBC, sob o comando de John Reith dedicada a elevar o gosto do público médio, fazia uma cobertura pouco frequente do esporte. Entretanto, despertada pelo desafio de desenvolver novos recursos técnicos e pelo interesse em explorar novas áreas da vida nacional, a BBC logo descobriu o futebol profissional. Seu primeiro comentário de um jogo de futebol profissional foi em 22 de janeiro de 1927, Arsenal versus Sheffield United. Em março de 1927, nada menos do que quatro jogos diferentes foram transmitidos, na íntegra ou parcialmente. Mais tarde ainda naquele ano, a final da FA Cup foi transmitida pela primeira vez, com a transmissão dando atenção à presença da realeza e ao entoar coletivo de “Abide with me”.

(106-7) O locutor mais importante da BBC neste período era o jornalista e diretor do Arsenal e depois manager, George Allison. Ele possuía um estilo bem mais engajado do que o padrão BBC, com seus gritos de “Por Jeová” e exortações como “chuta, meu filho, chuta”. Ele até mesmo proclamava ter inventado jogadas durante um tedioso confronto entre Hull City e Port Vale. De forma modesta, ele contribuiu para o estilo mais popular que aos poucos tomava conta da BBC na década de 1930.

(107) Uma interessante solução para o problema dos ouvintes localizarem a ação foi encontrada na forma de um quadro distribuído por Radio Times com o campo dividido em quadradinhos numerados. À media em que a bola se movimentava, uma voz de fundo “cantava” o quadradinho em que ela se encontrava, permitindo aos ouvintes seguirem o jogo.

(107) No período até 1931, mais de 100 jogos foram transmitidos. Entretanto, a oposição da FL era crescente e em junho de 1931 ela baniu a transmissão de todo e qualquer jogo dos seus campeonatos. Os críticos mais fervorosos da transmissão dos jogos eram os clubes menores, especialmente os da 3ª. divisão Norte. Já duramente atingidos pelo desemprego crescente, eles argumentavam que a transmissão dos jogos principais diminuía ainda mais seu público. Esta proibição continuou até depois da II GM.

(107) A FA, sobretudo após Stanley Rous assumir em 1934, era bem mais simpática à transmissão pela BBC e embora a final da FA Cup de 1929 não tenha sido transmitida devido a uma disputa em torno de valores a serem pagos, as finais subsequentes bem como os jogos internacionais e mesmo outros jogos da FA Cup foram transmitidos durante a década de 1930.

Televisão (107)

(107) O fim dessa década assistiu às primeiras tentativas de transmissão televisiva e alguns milhares de telespectadores em potencial na área próxima ao Alexandra Palace conseguiram ver fotos (como não poderia deixar de ser) do Arsenal jogando contra seus reservas em setembro de 1937. A primeira final da FA Cup a ser integralmente transmitida pela televisão (BBC também) foi em 1938.

(107) De um modo geral, foi extremamente importante a adoção do jogo pela BBC e da final da FA Cup em particular. Um dos papéis culturais mais importantes da BBC era fornecer, através da transmissão de um conjunto de rituais nacionais, um sentido de nacionalidade tangível e unificador. Uma vez acrescentado a este calendário ritual que no início da década de 1930 incluía a Boat Race [regata de remo disputada entre Oxford e Cambridge], o Empire Day [Dia do Império Britânico] e a mensagem natalina do Rei, os eventos ganhavam uma fama,um prestígio e um nível que os diferenciava. A BBC, portanto, cobriu o ‘ogo do povo’com uma aura de respeitabilidade que poucos outros mecanismos poderiam ter fornecido. Ao mesmo tempo, é claro, a cobertura do futebol proporcionava à BBC um gostinho mais democrático [i.e. mais popular].

Cinema (107-8)

(107-8) O cinema desempenharia um papel bem menor do que a televisão no desenvolvimento do futebol. Antes de 1914 os jornais cinematográficos já exibiam imagens de jogos, o que continuou ocorrendo nas décadas de 1920 e 30. A FL não fazia objeção a isso, avaliando que a publicidade que isso gerava era um incentivo ao comparecimento do público aos estádios.

(108) Pelo menos dois filmes foram feitos neste período tendo o futebol ao centro: The Lucky Number (1933) era uma comédia que incluía no elenco jogadores do Arsenal, clube que recebeu ainda mais atenção em The Arsenal Stadium Mystery (1939), um filme de comédia e suspense baseado em uma obra de um escritor de livros policiais.

(108) Obviamente estes dois filmes são insignificantes dentre a enorme produção cinematográfica do período, mas são um interessante comentário acerca da “febre de Arsenal” pelo fato de que um escritor em formação e duas companhias cinematográficas tenham atentado para o potencial representado pelo clube londrino, que por sua vez reconhecia o valor publicitário da mídia.

(108) O Arsenal Stadium Mystery, em particular, foi uma ótima peça de relações públicas para o clube em geral, para os jogadores envolvidos, que receberam 50 libras por semana por seu esforço e para o manager Gerge Allison, que aproveitou bem a oportunidade de aparecer na tela grande.

(108) The Lucky Number foi firmemente estabelecido em um ambiente de classe operária e seu protagonista era um jogador de futebol. As personagens centrais de Arsenal Stadium Mystery, porém, não eram os alegres e animados profissionais, mas sim os amadores do Dark Trojans, uma equipe de ex- alunos de public school do estilo Corinthians, cujo principal jogador é assassinado durante um jogo da FA Cup contra o Arsenal. Aqui há indícios, portanto, de que o futebol profissional nem sempre era visto como bastante respeitável (ou interessante) o suficiente para estar no centro de um produto cultural elaborado para um público de todas as classes.

Literatura (108-113)

(108) O livro oportunista em que o filme se baseara era um exemplo raro de obra de ficção com o futebol no centro da trama, porque os escritores, tanto os ‘sérios’ quanto os ‘populares’, geralmente davam pouca importância ao futebol. Na verdade, o futebol jamais foi investido do rico significado cultural atribuído ao cricket.

(108) Isto não quer dizer que o futebol não gerasse uma literatura popular, pois havia uma enorme quantidade de títulos. Todavia, estes eram produzidos em sua maioria por escritores especializados trabalhando para numerosos jornais, revistas de histórias em quadrinhos e revistas voltadas para jovens rapazes e meninos como era característico deste período.

(108) O Boy’s Own Paper tinha incluído histórias esportivas desde o seu surgimento em 1879, assim como muitos outros que seguiram seus passos. O período entre-guerras, todavia, assistiu a um aumento substancial do espaço devotado ao esporte em geral e ao futebol em particular, tanto por parte de publicações já existentes quanto por parte de muitas outras que haviam recém-ingressado no mercado.

(108-9) Esta rica área da cultura popular pode ser entrevista aqui através da análise de um título, o Football and Sports Favourite, lançado em 1920, e a série associada de novelas [no sentido de romances] populares completas que apareceram pela ‘Football and Sports Library’, da mesma editora do Football and Sports Favourite.

(109) Embora não tenhamos os números de circulação, tanto o jornal quanto as novelas sobreviveram por um período longo o suficiente para que elas sejam tomadas como elementos razoavelmente significativos da literatura esportiva da época.

(109) O Football and Sports Favourite [ver ilustração à p. 109] era um semanário que custava dois pence e que combinava fotografias, charges, fofocas esportivas e matérias sobre times ou jogadores, com novelas seriadas com um forte sabor esportivo. A Library produzia duas novelas de 64 páginas por mês, a 4 pence cada.

(109-10) Embora o futebol não fosse o único foco destas publicações, ele certamente despertava a maior parte da atenção. Pouco se sabe acerca dos leitores, embora a presença no Football and Sports Favourite de uma competição de adivinhar o resultado com 300 libras de prêmio e o forte sabor de história de amor presente em muitas das histórias apontem para um público leitor com um bom número de adolescentes e jovens do sexo masculino. Entretanto, o fato de que ele adotou o título de Boy’s Football Favourite em 1929, sem mudar substancialmente o conteúdo e o enfoque, sugere que este grupo co-existia com uma parcela bem mais jovem do público leitor [crianças, na verdade].

(110) O Football and Sports Favourite dava aos seus leitores um forte sentimento de identificação com as estrelas do futebol, um processo fortalecido pelos posteres destacáveis que se tornaram característicos desta e de outras publicações deste tipo na década de 1930.

(110) É a ‘estrela ficcional’, contudo, que nos interessa particularmente. A substância da aventura esportiva futebolística foi brilhantemente capturada por E.S. Turner em uma passagem que, embora afetuosamente satírica, apenas levemente exagera as linhas extravagantes e exóticas das tramas que tipificavam o gênero.

É improvável que alguém seja capaz de esquecer a longa e cada vez mais forte sequência de histórias sobre jogos de futebol em que limões eram envenenados no intervalo, em que beques canalhas cortavam os atacantes adversários com chuteiras contendo travas envenenadas e falsos árbitros jogavam dardos envenenados nos jogadores... [de jogadores] que passavam a semana inteira livrando-se de sequestradores e tentando limpar seu nome ou do seu pai. Tudo que ele podia fazer no sábado à tarde era se livrar do assédio dos bandidos e chegar ao estádio a tempo de marcar o gol da vitória.

(110) Alguns temas eram recorrentes. Bastante inesperadamente, a maioria deles envolvia algum tipo de caso sério de amor, sempre correspondido, entre o mocinho e a mocinha. Gols da vitória, disputas de títulos de pesos pesados e jogadas de seis pontos no cricket eram invariavelmente seguidas pelo cumprimento da filha do treinador/manager/diretor.

(110) Como já comentamos, estes títulos não eram voltados somente para meninos. Entretanto, a prevalência de episódios tão românticos poderia levar a alguma reconsideração da presunção de que a literatura tradicional para meninos servisse para manter o sexo oposto a uma distância segura.

(110-1) Menos surpreendentemente, entre os temas e características desta ficção popular estavam o diretor criminoso, a virtude recompensada pela descoberta da verdadeira origem social (normalmente aristocrática ou de classe média), a importância do ‘fair play’ e do comportamento esportivo e, de forma relacionada, a centralidade da tradição amadora.

(111) Como os comentários acerca do The Arsenal Stadium Mystery sugeriram, os amadores sempre desfrutavam de um status privilegiado na ficção esportiva popular. Suas estrelas eram invariavelmente amadores, a não ser que um golpe do destino (ou a falta de memória) obrigasse ao contrário, caso no qual o status de amador era recuperado assim que os males tivessem sido remediados.

(111) Estes amadores, todavia, não ostentavam nenhum esnobismo, pois era um tema recorrente e forte a necessidade do jogo manter-se livre de divisões sociais.

(112) Inevitavelmente, contudo, a ênfase constante no valor da liderança que poderia ser fornecida por amadores sem interesses financeiros colocava a distinção de classe no centro do discurso esportivo. Mais uma vez, preocupações abafadas quanto ao jogo profissional ressurgiam no território ‘seguro’ da ficção. Os jogadores profissionais e, por extensão, a classe trabalhadora, não eram tão confiáveis assim.

(112) Temas sociais mais amplos também apareciam nesta literatura, com estereótipos de classe, região e, acima de tudo, nacionais e raciais [ver ilustração de um jogador chinês sendo contido pela longa trança] sendo desenhados e reforçados com impressionante clareza.

(112-3) O Favourite publicava regularmente as aventuras de Jock McJulius, um membro de uma agência geralmente envolvida em assuntos esportivos. Jock era um afro-americano enorme, de saia, que falava em um dialeto de plantation e foi uma vez chamado com o estilo discretamente racista do final do Império britânico de “the Big Nig” (O Crioulão). O time de Nell Harmer, mencionado no capítulo anterior, incluía a goleira Topsy Johnson, famosa por ‘seu famoso sorriso que mostrava todos os seus dentes perfeitos’ e cuja contusão, quando ela bateu sua ‘cabeça lanosa em um choque feio contra a trave’, quase custou a derrota ao time de Nell em um jogo crucial.

(113) Não sabemos que impacto sobre os seus leitores tinham estas histórias do Pulton North End, Millport Athletic, Beauchampton United e Everpool. No mínimo, preenchiam algumas das funções tradicionais da ficção popular ao fornecer ao mesmo tempo uma rica fonte de inspiração para a fantasia pessoal e um cenário imaginário reconfortante onde a Justiça e o Bem sempre prevaleciam.

(113) A maioria dos leitores devia ser capaz de entender que o mundo real não era povoado exclusivamente por goleiros de braços longos e centroavantes artilheiros com amnésia crônica e concessões de minas de prata na América do Sul, mas a sua capacidade para interpretar a questão social é menos certa.

(113) Com a exceção da cobertura dada ao jogo feminino, a visão de mundo oferecida a eles era bastante conservadora. As pessoas sabiam “seu lugar” e casavam de acordo com ele; a liderança cavalheiresca proporcionava benefícios; os estrangeiros eram diferentes e normalmente engraçados.

(113) Nos últimos anos os especialistas têm sido um pouco afoitos em termos de procurar fazer leituras alternativas e até radicais destas formas aparentemente conservadoras da cultura popular. É inegável que as mensagens inscritas na cultura popular existem para serem absorvidas, ignoradas, debatidas ou rejeitadas, de acordo com a visão individual do leitor e com as circunstâncias. Mesmo assim, é difícil analisar este material sem concluir que a ficção esportiva oferecia muito pouco em termos de um desafio às atitudes sociais e políticas dominantes.

[iii] Football, politics and identity (113-118)

- (113) Muito menos coisa tem sido escrita sobre a relação entre o futebol e a reconstrução de modalidades da consciência política e social entre 1914 e 1939 do que sobre o período anterior, mas a análise da literatura popular demonstrou que há muito a ser debatido a este respeito.

(113) O argumento levantado no Capítulo 3 acerca da relação entre o futebol e as mentalidades políticas pode ser repetido aqui. O mais proeminente historiador do futebol entre-guerras sublinhou com razão o fato de que uma iniciativa deste tipo é de natureza necessariamente especulativa, argumentando que ‘é difícil mostrar ... que a classe trabalhadora pudesse ter sido mais atuante politicamente se não fosse o futebol ou um outro substituto igualmente atrativo... é fácil mostrar que o futebol refletia as crises sociais e os costumes sociais mais do que os influenciava.’

(113-4) É obviamente impossível demostrar a existência de uma correlação entre o futebol e determinados padrões de atividade política ou sindical. O cenário político e industrial mudou consideravelmente enquanto o futebol continuou uma constante, com jogos sendo assistidos por trabalhadores tanto em tempos combativos quanto em tempos mais pacíficos, tanto em áreas onde o Trabalhismo e o sindicalismo eraam fortes quanto em áreas onde eram fracos. As várias inflexões da cultura política e industrial eram em última instância baseadas na esfera política e econômica, não na esfera esportiva e muito da explicação para a natureza da cultura e da consciência da classe trabalhadora nesse período deve ser buscada nessas áreas.

(114) A especulação, todavia, deve ter seu lugar. É inconcebível que algo que sugava o tempo, a energia e o dinheiro de tantas pessoas não tivesse repercussões ideológicas para pelo menos algumas destas pessoas. Há material tanto para apoiar a hipótese daqueles que vêem o jogo como encarnando o radicalismo da classe operária, embora atenuado, quanto para aqueles que enfatizam seu papel conservador. (114) No período após 1919 a balança da especulação pende provavelmente para o segundo grupo. O campo de futebol continuou a ser uma arena onde grande número de trabalhadores podiam se agrupar em uma massa turbulenta e sentir, se não um sentimento de unidade de classe, pelo menos uma propriedade compartilhada do jogo. Este argumento, todavia, é muito fraco para que se dê a ele muito peso interpretativo.

(114) O poder ‘real’ continuava firmemente nas mãos das classes proprietárias e os torcedores exerciam uma influência decididamente pequena. À medida em que o jogo profissional tornou-se mais seguro em termos da cultura nacional, o comportamento nos terraces oferecia cada vez menos um desafio implícito do que ele tinha representado no clima político e social anterior a 1914.

(114) Ademais, aqueles que argumentavam em termos da capacidade do futebol em servir como uma válvula de escape podem apontar muitos novos elementos neste período. O crescimento da cobertura da imprensa e o surgimento dos pools certamente aumentaram a atração daquilo que Geoge Orwell memoravelmente batizou como ‘a vida de um padrão fish and chips’.

(114) Acima de tudo, o futebol era uma característica fixa, uma fonte de divertimento e debate garantidos e, como tal, provavelmente ajudava a manter a estabilidade social. Muitos da esquerda certamente argumentavam que o futebol era uma força alienante e embora eles, da mesma forma que seus predecessores no século XIX, fossem frequentemente culpados de buscarem explicações fáceis para assuntos complexos, seria errado desprezar seus argumentos a priori. Uma cultura futebolística de massa tinha potencial como um bálsamo social, embora não fosse necessariamente manipulada conscientemente pelas elites sociais.

(114-5) A capacidade do jogo em refletir e definir identidades locais e regionais continuava forte após 1918. Em um sentido, a final da FA Cup era menos do que antes uma batalha colorida entre duas localidades neste período. Visando evitar uma repetição da desastrosa superlotação que ocorrera na primeira final em Wembley em 1923, as finais subsequentes adotaram a venda de ingressos antecipada, com um bom número de ingressos distribuído em todo o país pelas associações (federações) de futebol locais.

(115) A lógica da FA por trás dessa mudança enfatizava a necessidade de reconhecer que a FA Cup era uma competição nacional para a qual haviam contribuído dúzias de clubes, inclusive um bom número de clubes non-league [i.e. que não pertenciam a uma das divisões da FL]. Esta afirmação de um resíduo da atitude vitoriana de que “o jogo é que importa” também teve o efeito de reduzir o número de torcedores dos dois times em disputa, sutilmente alterando a composição social da torcida e diminuindo parcialmente o espírito carnavalesco. Um jornal chegou a afirmar que o esquema dos ingressos “está matando a final da FA Cup enquanto um festival de entusiasmo e espírito alegre”.

(115) A ida para uma final de FA Cup, todavia, ainda oferecia uma oportunidade considerável de impor a identidade local sobre a capital do país e não somente durante o jogo. Era uma desculpa para uma excursão turística por Londres, que para os torcedores nortistas era ainda um lugar bastante distante em uma época anterior às auto-estradas e trens de alta velocidade. Na verdade, é óbvio que muitos tiravam proveito das baratas excursões de trem e de ônibus sem nenhuma intenção de ir ao jogo. Mas mesmo aqueles que iam aproveitavam o dia ao máximo.

(115) Todas as seções da imprensa relatavam essas visitas dos torcedores nortistas (ao museu de cera da Madame Tussaud, à Trafalgar Square, à Torre de Londres e ao cenotáfio para os heróis da I GM) na linguagem da “invasão provinciana”, empregando a agora obrigatória narrativa da ingenuidade/astúcia provinciana versus a sofisticação/excesso de autoconfiança dos metropolitanos, dependendo do lado em que se encontrava o jornalista.

(115) Recentemente um historiador nos alertou contra o exagero do sentimento de separatismo local e de ‘diferença’ nortista quando examinamos este espetáculo cultural. Jeffrey Hill argumentou que enquanto os torcedores nortistas estavam até certo ponto dando demonstrações do patriotismo local, eles estavam em última análise simplesmente aproveitando a chance de aparecerem nacionalmente por um dia.

(115) Na verdade, Hill argumenta que a final da FA Cup tornou-se cada vez mais um evento nacional a partir do início dos anos 20, um processo estimulado pela transferência da final para Wembley, pela presença da monarquia e pela influência crescente da BBC.

(115-6) O estimulante ensaio de Hill está correto em apontar para o fato de que a identidade local tem geralmente servido como o principal elemento constitutivo da identidade nacional. A ‘Englishness’ ou a ‘Britishness’ normalmente se assenta em uma percepção das supostas características especiais que uma localidade fornecia ao conjunto da nacionalidade: o ‘melhor’ homem ou mulher ingleses vinham da fleugmática região de Yorkshire, da acolhedora Lancashire ou coisa assim.

(116) É provável que as memórias do conflito de 1914-8 e a constituição crescentemente nacional da mídia tenha granjeado mais possibilidades para a expressão do apego à nacionalidade do que era o caso em períodos anteriores. De todo modo, particularmente nos anos 30 quando boa parte do norte da Inglaterra tinha o sentimento de estar pagando a conta das dificuldades econômicas, a ‘tomada’ de Londres pode ser interpretada como uma tentativa simbólica de, de alguma maneira, acertar as contas.

(116) A comparação com a invasão bienal de Londres pelos torcedores escoceses pode ser instrutiva por mostrar que há limites claros às exibições de identidades inglesas locais e regionais, localizando tais demonstrações no seio de uma tradição de ‘nacionalismo’ esportivo sub-político. A presença de roupas nacionais, faixas com slogans nacionalistas e com aquilo que um historiador chamou de ‘metáforas quase-belicistas da mídia’ demonstra que, para os escoceses pelo menos, o jogo entre Inglaterra e Escócia tinha um apelo e uma significação bem além da maioria das excursões nortistas a Londres.

(116) ‘A viagem até Wembley’ tinha se tornado parte de uma sólida sub-cultura de símbolos, slogans, heróis e mitos que sustentavam um sub-nacionalismo apolítico, inventado, mas palpável, que combinava uma forte identidade escocesa com um projeto nacional bastante fraco.

(116) O projeto político das regiões inglesas era ainda mais fraco, é claro, assim como suas manifestações esportivas sub-políticas. Entretanto não podemos descartar as noções de orgulho local, provincial e regional existentes na Inglaterra da época.

(116) O argumento torna-se ainda mais forte se o foco mover-se especificamente para o funcionamento daquilo que pode ser chamado de ‘northern-ness’ [sentimento nortista]. Um desgosto em geral em relação à dominação sulista e mais propriamente da capital era ainda mais forte do que antes de 1918. Na arena esportiva isso normalmente emergia na imprensa local, como quando o Football Echo de Sunderland afirmava durante uma crítica ao valor do futebol sob refletores que ‘a metrópole geralmente lidera para o resto do país seguir feito ovelha através do portão’.

(116-7) A sua manifestação mais frequente, todavia, vinha na forma do geralmente forte desprezo que muitos torcedores nortistas nutriam pelo Arsenal. Este sentimento era bem conhecido e frequentemente reconhecido por jornalistas de uma forma gentilmente bem humorada. Quando sete jogadores do Arsenal foram escolhidos para a seleção inglesa em 1934, o Daily Mail brincou que seria “uma bela visão ver no jogo os espectadores nortistas como ingleses patrióticos, engolindo seus sentimentos e gritando ‘vamos lá, Arsenal’”. Um ranço duro estava debaixo dessa brincadeira. Até certo ponto a impopularidade deste clube estava enraizada em nada além do ressentimento diante do seu sucesso. Além do mais, o Arsenal tinha a reputação de arrancar a vitória em situações difíceis, um traço que levou-os a serem conhecidos como o “Lucky Arsenal” (o sortudo Arsenal), um apelido que permaneceu com a equipe até se tornarem o “Boring Arsenal” (o entediante Arsenal) nos anos 70.

(117) Os jogadores e membros da equipe do Arsenal, até certo ponto justificadamente, alegavam que a ‘sorte’ na verdade descrevia a habilidade para absorver a pressão e então fazer gols no contra-ataque.

(117) No centro deste sentimento ruim, entretanto, estava o papel simbólico atribuído a este clube. O Arsenal representava tão simplesmente a dominação sulista, seu sucesso esportivo espelhava (de forma muito simplificada) um quadro econômico e social mais amplo. Escrevendo em 1956, George Scott lembrava como, na sua Middlesbrough, o Arsenal era odiado por vir do “sul macio (no sentido de fraco), de Londres, da cidade do governo, onde, se imaginava, todos os males sociais eram planejados e dirigidos contra regiões do norte”. Aqui estava um clube que, ao que parece, havia comprado o sucesso, trazendo os melhores jogadores de toda a Grã-Bretanha, saqueando as províncias, e em menor escala a Escócia e Gales, retirando-lhes seus melhores jogadores. Isto era uma réplica do processo que vira a mudança industrial e o desemprego forçar os trabalhadores a se transferirem para o sul em busca de novas oportunidades.

(117) Deve-se lembrar que o Arsenal também tinha inimigos mais perto de casa. Muitos torcedores do West Ham estavam convencidos de que o “West Ham way”, uma estratégia derivada da necessidade financeira de evitar o gasto em transferências e o uso de talento local, dava ao clube uma superioridade moral sobre seus rivais do norte de Londres. A noção da combativa comunidade do East End invocada aqui servia para o mesmo propósito simbólico para as pessoas daquela localidade que as idéias de um norte ‘oprimido’. Estar perto dos privilegiados pode ser tão doloroso quanto estar supostamente fora da sua vista e da sua mente.

(117-8) Estas questões reconectam-se com o debate acerca do papel do futebol na criação e expressão de uma identidade de classe e de uma cultura política que iniciou este item. As lealdades territorias formadas e/ou expressadas pelo jogo dividiam a classe trabalhadora e uniam as comunidades locais acima das linhas de classe?

(118) É tentador acreditar que as maiores influências a modelar o jogo fossem enraizadas nas esferas econômicas e políticas, mas o jogo tinha o poder de gerar imagens negativas acerca de outras partes normalmente mais distantes do país. O discurso da “northern-ness”, por exemplo, talvez atribuísse culpa à classe trabalhadora sulista em uma conspiração percebida contra as províncias industriais, de maneira a criar fraturas no interior da classe trabalhadora. A especulação, mais uma vez, está na ordem do dia. De qualquer forma, pelo menos as raízes futebolísticas ferozmente locais e regionais provavelmente não eram muito favoráveis para os líderes do movimento trabalhista organizado.

[iv] Football and the national culture (118-123)

- (118) Em todo o período entre 1918-39, o futebol profissional teve seus inimigos; socialistas que o viam como o ópio do povo, líderes religiosos preocupados com o seu impacto sobre as congregações, indivíduos pegos no meio de uma multidão turbulenta. Todavia, o que é mais importante sobre o período depois de 1919 é que o número de oponentes, a frequência e o volume da sua oposição, parecem ter diminuído.

(118) É ainda mais significativo que o nível de apoio e reconhecimento do jogo por parte de várias seções da classe média e da classe média-alta parece ter subido. As provas disso são esparsas e casuais, mas são significativas. Em 1927, por exemplo, Charles Clegg, que fora presidente dos dois clubes de Sheffield (Wednesday e United) e da FA, é sagrado cavaleiro (Knight) pelos serviços prestados ao futebol. Era a primeira vez que alguém recebia essa honraria por sua ligação com o futebol. Clegg era um advogado de profissão, que havia sido o arquiteto (às vezes relutantemente) do “profissionalismo sob controle”, e ao mesmo tempo empreendia uma severa batalha contra a influência da bebida e das apostas no esporte.

(118) Outros sinais: duas escolas em 1922 liberando seus alunos para que pudessem assistir a um jogo da FA Cup.

(119) Em 1933, os vereadores de Leeds, segundo um jornal que satirizou o incidente, fizeram uma reunião importante em um tempo recorde de 40 minutos para dar tempo de comparecerem a um jogo de desempate do Leeds na FA Cup. Até porque muitos dos vereadores eram diretores do clube. E o jogo, apesar de ser no meio da semana, atraiu uma multidão de 25.000 pessoas.

(119) Um exemplo mais sério foi a campanha dos habitantes de Stoke em 1938 para manterem seu herói Stanley Matthews (o lendário ponta-direita) no Stoke City. Um gênio do futebol e o primeiro jogador do Stoke na seleção durante 30 anos, Matthews havia solicitado uma transferência após ter recebido uma oferta de bonificação do Stoke que considerou imprópria. Em um longo editorial, o jornal da cidade pedia a ele que reconsiderasse sua decisão e sete proeminentes industriais de Stoke convocaram uma reunião pública, à qual compareceram 3 mil pessoas, visando forçar o clube a manter o jogador. Um dos industriais chegou a dizer que ‘Alguns dos nossos trabalhadores estão tão preocupados em perdê-lo que não podem fazer seu trabalho’. Uma hipérbole estratégica, talvez, mas estes eventos realmente sugerem um nível de reconhecimento do futebol por parte de líderes cívicos e comerciais em uma escala inédita antes de 1914.

(119-120) Um dos fatores responsáveis pela elevação do status do jogo já foi mencionado. O papel da comunicação de massa foi absolutamente central aqui, assim como, em menor medida, o “Fenômeno Arsenal”. A habilidosa aparição publicitária de figuras importantes do mundo do cinema em Highbury, deu ao clube e ao jogo maior prestígio e reconhecimento.

(120) Outro fator foi o fato de que a partir de 1921 a FL era cada vez mais verdadeiramente um torneio nacional.

(120) Mas foram as mudanças no clima social e político que exerceram provavelmente a maior influência. Até certo ponto, parte da diminuição das críticas e talvez até parte do crescente apoio ao jogo apoiavam-se em motivos bastante cínicos. A extensão do direito de voto em 1918 aumentou o eleitorado de 7 para 20 milhões, e nessa época de democracia de massas havia aqueles que viam no jogo uma válvula de escape necessária, absorvendo as energias que caso contrário seriam voltadas para aquilo que o Sheffield Telegraph chamava de “fanatismo, Comunismo e descontentamento”. É também o caso que a nova escala de democracia de massa exigia uma aceleração no processo pelo qual a elite adotava um tom mais respeitoso quando discutia a cultura e os passatempos populares. Isto certamente deu alguma proteção ao futebol.

(120) Alguns fatores mais positivos, todavia, podem ser percebidos. Antes de 1914, o futebol, assim como outros aspectos da cultura popular, era geralmente visto pelos analistas da sociedade, como uma ameaça, um locus de comportamentos que supostamente ameaçavam a base política, imperial e industrial da nação: apostas, torcidas fanáticas, engajamento em falsas prioridades e passividade de espectadores [oposta ao exercício físico revigorador]. Estas visões haviam fracassado em impedir o aumento da importância do futebol, mas ainda tinham influência.

(120) A partir de 1919, todavia, o futebol crescentemente passou a ser visto como algo que não era contrário ao projeto nacional, como algo que na verdade estava no coração desse projeto. O público do futebol tinha um papel maior a desempenhar aqui. O declínio do “hooliganismo” e a visão favorável dos espectadores que subsequentemente passou a aparecer nos jornais e nos jornais cinematográficos melhorou a imagem dos torcedores. Seu autocontrole poderia ser favoravelmente comparado com o que era considerada uma paixão excessiva existente em outras partes do mundo.

(120) Todavia, ao mesmo tempo ainda havia humor e vida no público inglês. Assim o público de futebol pode ser representado como encarnando o humor, o autocontrole e o equilíbrio que eram elementos-chave da auto-imagem inglesa.

(120-1) A final da FA Cup, ou pelo menos a maneira pela qual ela era retratada na mídia, foi central neste processo. A primeira final de Wembley, em 1923, teve um papel especialmente privilegiado. Pelo menos 200.000 pessoas foram até o estádio, que tinha capacidade para somente 127.000. Milhares entraram sem pagar, forçando as roletas pouco antes do pontapé inicial. O início foi atrasado enquanto um pequeno grupo de policiais montados lentamente empurrava a multidão para trás das quatro linhas: é admirável que o jogo tenha sido iniciado e terminado naquelas condições.

(121) Inicialmente havia grande preocupação quanto ao que ocorrera, com os portadores de ingressos reclamando por perderem seus lugares para os “penetras” e observadores comentando que por pouco não houve uma confusão mais séria. Em um debate parlamentar, um político comentou acerca da necessidade de, no futuro, proteger o estádio e seus constituintes (era um político eleito pela região onde ficava Wembley) “do hooliganismo de uma multidão importada e da inépcia das ... autoridades”.

(121) Logo, todavia, a atenção crescentemente dirigiu-se aos aspectos positivos dos eventos daquela tarde. Apesar de todas as reclamações, o fato de que apenas algumas pessoas haviam se ferido levemente e que um contingente tão pequeno de policiais pudesse evacuar o gramado e que o jogo ao fim tivesse sido realizado, tudo isso foi visto como a prova de que o povo inglês caracterizava-se pelo bom senso, humor e disciplina.

(121) Acima de tudo, acreditava-se que fora a chegada do Rei que evitara o desastre. Supostamente, milhares voltaram-se para o Camarote Real e então saíram do campo, com sua curiosidade satisfeita. Aqui temos uma poderosa versão da imagem da “nação enquanto família” usada depois com tanta eficácia pelo Primeiro Ministro Stanley Baldwin, de um povo unido sob uma monarquia popular benevolente.

(121) À medida em que o tempo foi passando, uma situação momentaneamente perigosa e potencialmente desastrosa foi transmitida à memória tradicional como “A Final do Cavalo Branco”, em homenagem a Billy, o cavalo de 13 anos que capturara a imaginação nacional. O Rei e um cavalo haviam salvo o dia [e a pátria].

(121) A noção do público do futebol como a encarnação da natureza estável, disciplinada e ordeira da sociedade inglesa (e britânica) foi incrementada pelo acréscimo da canção “Abide with me” ao ritual da final da FA Cup em 1927. Em um revelador editorial, o Yorkshire Observer, em 1928, orgulhoso da contribuição dada por milhares de torcedores do Huddersfield Town, argumentava que “O espetáculo deste típico público inglês, amante do esporte e alegre, levantando seus chapéus como se fosse um só homem, transformada em um só pensamento em uma grande congregação religiosa, é um tributo permanente à profundidade da religião no caráter nacional.” Além disso, o jornal relatava que um tribunal especial para lidar com problemas entre os torcedores nessa final quase não tivera o que fazer. Os torcedores do Blackburn e do Huddersfield haviam feito provocações bem-humoradas durante todo o jogo e nada além disso, a classe trabalhadora inglesa tinha permanecido alegre e segura durante o jogo.

(121-2) À primeira vista, pode parecer que a celebração da multidão estruturada e ordeira fosse algo caro à sensibilidade da direita. Entretanto, comentadores de várias posições mais à esquerda também assinalaram a mesma coisa. P.ex. a descrição feita por J.B. Priestley de uma multidão na sua novela The Good Companion (1929):

(122)

“Você se transformava no membro de uma comunidade, todos irmãos juntos por uma hora e meia, porque não só você havia escapado do ranger das máquinas de uma vida pior, do trabalho, salário, alguel, salário-desemprego, pagamento por doença, cartões de seguro, dona encrenca, crianças com dor, maus patrões, trabalhadores preguiçosos, mas você escapara junto com a maioria dos seus amigos, seus vizinhos, com metade da cidade, e aqui você estava, torcendo junto, dando tapa nas costas uns dos outros, trocando avaliações como se fossem os senhores da Terra, tendo lutado para passar pela roleta e entrar em uma forma de vida diferente e melhor.”

(122) As palavras de Priestley são frequentemente citadas, parcialmente porque poucos outros escritores sérios mencionaram o futebol nesta época, mas também porque ele é bem sucedido em comunicar boa parte da atração gerada pelo jogo. Entretanto, por maior que seja o seu valor como uma fonte “objetiva”, a descrição de Priestley deve ser encarada sobretudo como um artifício discursivo. Ele estava usando o público idealizado do futebol como um emblema de uma comunidade de classe trabalhadora mais ampla e igualmente idealizada, que ele e muitos outros escritores com tendências à esquerda, artistas e apresentadores transformaram na encarnação de uma “Englishness” essencial, contraposta a produtos supostamente estúpidos e inautênticos de uma cultura popular americanizada. O futebol, ao lado do feriado no litoral, do pub, do movimento das orquestras de sopro e muito mais era convocado a resgatar uma cultura à perigo.

(122-3) No final do período entre-guerras, o status do futebol recebeu um reforço devido ao aumento da percepção do valor do esporte na esfera política por parte tanto dos que militavam no jogo quanto das lideranças do país. Como Richard Holt argumentou: “O futebol inglês estava muito auto-centrado para dedicar-se de coração à causa nacional”, mas havia pistas de que isto estivesse mudando nos anos 30. Embora este processo fosse negado no interior do jogo, com os dirigentes afirmando que o futebol não se ligava a valores políticos. Frederick Wall [da FA], por ex., afirmava que lá fora o futebol tinha um aspecto político, mas que na Inglaterra era apenas um divertimento esportivo e o confronto de seleções não tinha um significado maior, ao contrário do continente onde era encarado como um teste de força, espírito e habilidade e onde uma vitória aumentava o prestígio nacional. Isso era uma maneira de relacionar o futebol a uma visão altamente positiva de “Englishness” [a esportividade desinteressada versus o fanatismo político]

(123) Na verdade o comentário de F.Wall era uma afirmativa altamente política, enfatizando a superioridade de idealizados valores liberais democráticos. Sendo justo com Wall, nem o governo nem a FA, nem na verdade o povo inglês, davam aos jogos internacionais o nível de importância que lhes era atribuído na Alemanha, na Itália, na União Soviética e em alguns países da América do Sul. Ademais, estas primeiras manifestações tanto da politização do esporte quanto do crescimento do nacionalismo esportivo na Inglaterra eram modestas em comparação com o que iria ocorrer após a II GM.

(123) Estavam presentes, todavia. O governo britânico havia suspenso uma visita de uma seleção soviética em 1930 – convidada pela Federação Esportiva de Trabalhadores Britânicos controlada pelos comunistas, mas fora surdo aos protestos contra a vinda da seleção alemã em 1935. E o que é ainda pior e mais conhecido: o embaixador britânico na Alemanha, em nome da “boa” diplomacia, pediu à seleção inglesa que fizesse a saudação nazista antes de um jogo contra a seleção alemã em Berlim em maio de 1938. E foi atendido.

(123) Os jogos contras as seleções dos países do Eixo eram claramente vistos pela imprensa e pelo público como tendo um significado maior do que o de um evento esportivo meramente. Quando em maio de 1938 o Daily Mail afirma após a vitória da Inglaterra sobre a Alemanha por 6 a 3 que “mais uma vez a Inglaterra tinha afirmado sua posição de principal nação do futebol mundial”, isso tinha conotações políticas óbvias no contexto daquele período. A “boa e velha Inglaterra” estava claramente aprendendo novos hábitos.

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