terça-feira, 23 de setembro de 2008

Esquema do texto 8: Russell, capítulo 4 (completo)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 4: Football, Economy and Society, 1919-1939. pp. 76-102.

[i] Prólogo – a situação econômica (76-77):

- (76) O problema da periodização se coloca para todos os historiadores, inclusive os do futebol. Embora o período entre-guerras, que vai da retomada do League football (i.e. campeonato da FL) até a sua suspensão novamente em setembro 1939 pareça proporcionar marcos precisos, houve mudanças importantes no início da década de 30 e o período foi extremamente complexo em termos do contexto social e econômico mais amplo.

- (76) Este capítulo trata principalmente das mudanças na maneira pela qual o futebol era jogado e administrado e na relação com padrões mais amplos de mudança econômica e social. É preciso começar com uma breve síntese do clima e da estrutura da economia. É um período marcado na memória da população pelo desemprego. Houve realmente uma queda significativa a partir de 1920 e entre 1921-39 a taxa de desemprego era de 14%, atingindo em 1932 o pico de 22%. O número de desempregados raramente era menor do que um milhão na década de 1920 e nunca menor do que isso na década de 1930.

- (76) Tais dados, entretanto, mostram apenas parte do quadro. Embora quase todas as partes do país tenham experimentado dificuldades no auge da depressão no início da década de 1930, a atividade econômica apresentava grandes variações em termos regionais e ocupacionais. Algumas indústrias, como a automobilística e a de produtos elétricos, prosperaram, enquanto as indústrias mais antigas, pesadas e voltadas para a exportação, como a do carvão e do algodão, passaram por dificuldades.

- (76-7) Muitas regiões da Inglaterra prosperaram durante este período e mesmo em regiões mais vulneráveis algumas cidades, como Consett e Halifax, escaparam grandemente do desemprego agudo por conta de características especiais da economia local. O resultado foi uma prosperidade crescente para muitos. O valor real dos salários subiu cerca de um terço no período entre 1913-1939, sendo o aumento quase contínuo a partir de 1929. Ao mesmo tempo, a oportunidade de utilizar este aumento de recursos foi muito aumentada por uma queda no número de horas trabalhadas por semana, que passou de uma média de 54 horas antes de 1914 para 48 em 1939.

- (77) E pela melhora no transporte: o número de milhas viajadas por passageiro em ônibus multiplicou-se por seis entre 1919-39.

- (77) Esta ênfase na melhora material não deve nos levar a ignorar os problemas reais e as tragédias do período. O clima geral, todavia, era propício ao crescimento contínuo das indústrias do lazer e dos bens de consumo, e o futebol beneficiou-se bastante disso, assim como muitas outras áreas da vida social, como a imprensa popular, o cinema, com os quais ele cresceu em uma simbiose mutuamente estimulante.

- (77) Na prosperidade do após-guerra, a FL sentiu-se confiante o suficiente para iniciar um ambicioso programa de expansão. Em 1919, as duas divisões foram aumentadas de 20 para 22 clubes. Então, em 1920, foi criada uma 3ª. divisão, incorporando 22 clubes provenientes da Southern League.

- (77) Houve uma preocupação inicial em termos de saber se o futebol do norte era suficientemente forte economicamente para participar deste processo, mas em 1921 foi criada uma subdivisão norte da 3ª. divisão com 20 fortes clubes.

- (77) No período como um todo, a média de público dos jogos da 1ª. divisão aumentou de 23.115 em 1913-4 para 30.659 em 1938-9. Podemos dizer que tanto o cinema quanto o futebol eram o hábito social essencial daquele tempo.

[ii] Lucky Arsenal: the rise of southern football? (77-84)

- (77) Ao mesmo tempo em que muitos indivíduos expressavam a preocupação de que a expansão da FL fosse enfraquecer sua qualidade, agora pelo menos seus dirigentes podiam realmente afirmar que ela era uma entidade nacional. Por volta de 1921, a maioria das cidades de algum porte tinham um clube na FL e apenas muito poucos condados, em sua maioria rurais, não tinham nenhum representante.

- (77) Na verdade, a liga era mais do que uma entidade inglesa, com seis clubes galeses entrando na FL entre 1920-1.

- (77-8) Em termos da rivalidade com o rugby, sobretudo com a Northern Union [profissional], os tempos da “colonização” haviam terminado, pois por volta de 1920 os padrões de preferência esportiva estavam bem solidificados e em algumas áreas (distrito produtor de lã de Yorkshire, sudoeste do Lancashire, Cumberland e Cornwall) o futebol tinha que se contentar com o 2º. Lugar.

- (78-9) Muitos estudiosos do jogo costumam afirmar que neste período a “geografia social” do jogo teria mudado radicalmente com a ascensão de clubes do sul e das Midlands em detrimento dos clubes mais tradicionais do norte, sobretudo a partir da década de 1930, quando os clubes do sul teriam dominado o futebol profissional pela primeira vez.

- (79) O autor acha que o quadro é mais complexo (ver Table 1, p.79) e a partir da tabela acha que em termos de localização geográfica dos times da FL as mudanças foram no máximo modestas.

- (79-80) Começando a análise pelos clubes das Midlands, alguns deles, especialmente aqueles de cidades com desemprego menor do que a média, experimentaram uma melhora nas suas performances neste período: Leicester em 2º. em 1929; Derby 6 vezes entre os 6 primeiros entre 1929-30 e 1938-9 e em 2º. em 1930 e 1936; Wolverhampton Wanderers em 2º. nas duas temporadas que antecederam a II GM. Entretanto, só o West Bromwich (1920) ganhou um campeonato e só este clube (1931) e o Aston Villa (1920) ganharam uma FA Cup. E dos 7 clubes das Midlands que competiram na 1ª. div. na déc. 1930, somente o Derby e o W.Wanderers experimentaram algum sucesso, a maioria dos outros frequentando a parte de baixo da tabela. O Villa era um dos clubes com maior público do país e a maioria dos clubes contou com bons públicos durante suas fases de relativo sucesso. Todavia, alguns clubes das Midlands tinham um público menor do seria esperar tendo em vista seus resultados ou a força econômica da cidade em que estavam localizados, como é o caso de Derby. Ou seja, o autor avalia que como um todo os clubes das Midlands nem melhoraram nem pioraram neste período, ficaram na mesma.

- (80) Há mais provas, na verdade, de uma ascensão do futebol do sul, tanto em termos do aumento de público quanto em termos do sucesso dentro de campo.

- (80) A performance do Arsenal na década de 1930 foi notável. Em 1901, a conquista da FA Cup pelo Tottenham foi a única vitória de um clube do sul até 1930. Isso mudou dramaticamente com cinco campeonatos da liga conquistados pelo Arsenal entre 1931-8, incluindo um tri-campeonato em 1933-35 e a FA Cup em 1930 e 1936. Os jogadores do Arsenal também deram contribuições importantes à seleção inglesa. E a equipe teve o melhor público em 9 temporadas consecutivas entre 1929-30 e 1937-8; em 1934-5, sua média foi de 46.252, 11.500 mais alta do que a do 2º. colocado.

- (80) O bom olho para a publicidade de Herbert Chapman e do seu sucessor George Allison permitiu ao clube ter uma exposição junto à opinião pública a um ponto desconhecido até então.

- (80) Outros clubes do sul também foram bem sucedidos: dois clubes londrinos, Brentford e Charlton que haviam entrado na 3ª. div. da FL na década de 20, chegaram à 1ª. divisão em meados da déc 30 e tiveram sucesso imediato. E o Portsmouth venceu a FA Cup em 1939.

- (80-1) Todavia, pelo menos em dois pontos esta ênfase no sucesso dos clubes do sul e no concomitante “declínio” dos clubes do norte levou a uma narrativa errônea. Primeiramente, a ênfase no sucesso dos clubes do sul após 1919 tende a menosprezar a força que já possuíam entre 1900-14. Embora não muito vitoriosos dentro de campo, futebol no sul gozava de boa saúde. Chelsea e Tottenham detinham alguns dos melhores públicos da FL e a Southern League tinha equipes de qualidade respeitável, geralmente angariando uma forte torcida. O principal é que o contraste entre o período pré-I GM e entre-guerras é menos dramático do que normalmente é sugerido: o período entre-guerras deve ser visto como parte de uma trajetória de crescimento de longo prazo.

- (81-2) A segunda questão é que o termo “a ascensão do futebol do sul”, pelo menos em termos de sucesso dentro de campo, deveria ser substituído pela “ascensão do Arsenal”. A performance dos clubes do sul é bastante modesta se subtrairmos os resultados do Arsenal. Ademais, alguns clubes do sul experimentaram períodos difíceis, não só por questões propriamente esportivas, mas também por causa de problemas econômicos da mesma forma que clubes das cidades do norte. Os Spurs caíram para a 2ª. div em 1927-28 e novamente em 1934-5; o West Ham em 1931-2 (só voltou em 1958); o Chelsea ficou no 13º. lugar em média nas 15 temporadas que passou na 1ª. divisão. E mais pra baixo, só 3 dos 15 clubes que foram promovidos da 3ª. div sul entre 1921-38 conseguiram chegar à 1ª. divisão.

- (82) O que se quer dizer com isto é que as áreas “tradicionais” eram extremamente resistentes. Mesmo com as dificuldades econômicas da década de 1930, os clubes do norte conseguiram 6 FA Cups e 4 títulos da liga (dois do Everton, um do Sunderland, um do M. City) interrompendo a série vitoriosa do Arsenal. E em termos de público também resistiram: ainda em 1938-9, só 7 dos 20 melhores clubes em termos de média de público eram do sul. Não foi somente bem depois da II GM que ocorreu uma mudança significativa na balança de poder e mesmo assim pode ter sido bem menos dramática do que se pensa normalmente.

- (82) Em termos da relação entre a saúde econômica e o sucesso esportivo, no pior momento da Depressão, no início da déc 1930, a maioria dos clubes sofreu uma queda na bilheteria e, portanto, diferentes graus de dificuldade financeira. A média de público da 1ª. divisão caiu de cerca de 26 mil em 1927-8 para cerca de 22 mil em 1932-3.

- (82-3) Os problemas eram graves sobretudo nas cidades apoiadas em uma só indústria em que tinha havido problema de desemprego, p.ex. em Blackburn, em Middlesbrough, em Swindon.

- (83) Eventualmente o público ainda podia ser atraído para certos jogos-chave e houve clubes como o Sunderland que conseguiam manter um bom público mesmo estando em uma área pesadamente afetada pelo desemprego (48%), superando áreas com menos problemas como Sheffield (34% de desemprego). Talvez fatores não-quantificáveis tenham entrado em cena, como a suposta paixão inigualável do nordeste da Inglaterra pelo futebol.

- (83) Qual o impacto do econômico sobre o sucesso esportivo? Em alguns casos, foi a queda de renda por causa do desemprego que levou à saída da FL (Aberdare, Durham, Ashington, Merthyr, Nelson e Wigan). Deve-se salientar que muitas dessas cidades tinham populações tão pequenas tornando-as muito vulneráveis à crise financeira. Mas times maiores também enfrentavam esse problema: o West Ham foi rebaixado em 1932, o Newcastle e o Sheffield United em 1933 e o Blackburn em 1935, em parte devido à redução da capacidade econômica causada pela queda da bilheteria por um bom período.

- (83-4) Todavia, a correspondência entre os dois fatores nunca foi precisa. O Everton conquistou o título em 1931 e 1939 e a FA Cup em 1933 em meio a um ambiente de desemprego bem acima da média nacional. Da mesma forma o Sunderland, que foi campeão em 1935 e da FA Cup em 1937 com uma média de desemprego duas vezes e meia maior do que a média nacional.

- (84) A temporada 1938-9 quase produziu uma relação inversa entre a situação econômica e o sucesso esportivo. Os campeões das 4 divisões, Everton, Blackburn, Barnsley e Newport, estavam todos situados em cidades enfrentando taxas de desemprego entre 20 e 30 por cento, à época em que a média nacional estava abaixo de 12%. Ao mesmo tempo, Leicester e Birmingham, ambos desfrutando de uma taxa de desemprego abaixo da média nacional, foram rebaixados para a 2ª. divisão.

- (83) Como a performance do Arsenal demonstrou, a prosperidade era uma grande vantagem. Certamente não garantia o sucesso, entretanto, e a falta de prosperidade não necessariamente impedia o sucesso. O teto salarial, por pior que fosse, e a despeito das inúmeras formas pelas quais era driblado, fornecia alguma proteção aos clubes em áreas problemáticas, bem como a pura e simples lealdade dos torcedores. Os resultados obtidos por um clube eram geralmente ligados à possibilidade de se apoiar em uma base populacional substancial, boa administração de recursos escassos e boa utilização dos jogadores necessários àquele trabalho, mais do que ao peso das forças econômicas e sociais.

[iii] The Game (84-88)

- (84-5) Sem dúvida a modificação mais importante das regras do jogo foi a alteração da lei do impedimento em 1925. Antes o jogador tinha que ter três adversários entre ele e o gol para estar em condição legal. Gradualmente desenvolvera-se uma “tática do impedimento”, em que um dos full-backs avançava para deixar o atacante impedido. Este recurso levou a uma diminuição dos gols marcados e a um aumento das interrupções enfraquecendo o espetáculo. Em 1925 a FA alterou a lei reduzindo para dois o número de adversários entre o atacante e o gol no momento do passe. O efeito foi imediato: o número de gols na temporada aumentou de 4.700 para 6.373.

- (85) É claro que logo surgiram táticas para contrabalançar esta nova vantagem dos atacantes: o centre half, até então utilizado bastante como um atacante, começou a fixar-se mais como defensor, recebendo o nome de “stopper”. Isto foi combinado com a utilização de um homem de ligação no meio de campo, responsável por buscar a bola junto ao stopper e levá-la até o ataque. A nova formação foi chamada de “M/W”, com a defesa e o ataque se alinhando como os pontos dessas letras. Embora ninguém possa ser visto como o inventor desta nova formação, normalmente ela é associada com o Arsenal, que aperfeiçoou o novo esquema na década de 1930.

- (85) A mudança na regra e as táticas utilizadas para contrabalançá-la, o que parece, tornaram o jogo mais rápido, encorajando os lançamentos longos ao invés do lento e metódico método do período anterior; a bola longa rápida lançada no campo do adversário dava a máxima vantagem aos atacantes segundo as novas regras. Claro que as defesas aos poucos melhoram, com a utilização do stopper e com o desenvolvimento de novas táticas de impedimento. Por volta de 1937-8, o número de gols marcados por jogo havia caído para menos de três pela primeira vez desde 1924-5.

- (85-6) Outras interessantes táticas e mudanças menores da regra ocorreram neste período. Uma delas foi o arremesso lateral longo, ao que parece desenvolvido nos anos 20 por Arthur Grimsell do Tottenham Hotspurs. Em 1924 passou-se a aceitar gols marcados diretamente da cobrança de corner [mais tarde “gol olímpico”]. Depois que um jogador do Everton, em 1925, marca um gol depois de vir driblando do corner sem passar a bola a ninguém, na temporada seguinte as autoridades proibem isso obrigando o batedor do corner a bater direto ou passar a bola. A partir de 1929 os goleiros (ao menos em teoria) passaram a ser obrigados a ficar parados à espera da cobrança do pênalti, só podendo mover-se depois do atacante bater na bola. E em 1939 a numeração das camisas tornou-se obrigatória.

- (86-7) Provavelmente o jogo não era tão físico quanto fora nas décadas de 1880-90. Apesar disso, a maioria das equipes tinha ao menos um homem duro, o killer (matador) como era chamado à época, nenhum mais famoso do que Frank Barson do Aston Villa, que conseguiu ser expulso do jogo em sua homenagem. Em algumas ocasiões a intimidação física era adotada como tática para enfrentar adversários superiores. Os jogadores do Portsmouth, por exemplo, eram famosos por esquecerem da bola e irem no adversário.

- (87) Alguns clubes tinham fama de jogarem duro, como o Wolverhampton Wolves de 1936-7, com 15 jogadores tendo sido advertidos (de um total de 17 na liga toda). Curiosamente, os times das divisões inferiores recebiam menos advertências do que os das duas primeiras divisões.

- (87-8) O autor acredita que o grau de preocupação com o excesso de faltas pesadas era aumentado por um contexto político em que a militância sindical era bastante atuante e havia um debate público aceso acerca de uma suposta diminuição da disciplina entre a classe trabalhadora. Nesses momentos, talvez os jogadores de futebol estivessem sob uma vigilância mais estrita e as reclamações contra a falta de pulso dos árbitros pode denotar a visão dos mesmos enquanto guardiões dos padrões públicos em tempos problemáticos.

[iv] Managing the game (88-91)

- (88) O “secretary-manager” (lit. Secretário-administrador)começou a se estabelecer no futebol por volta de 1900 à medida em que o jogo profissional gerava mais tarefas para os clubes. De início a maioria deles executava tarefas de administração e eram totalmente subservientes aos diretores. Aos poucos, no entre-guerras e sobretudo na década de 1930, esse relacionamento começa a mudar, o que levaria aos poucos o manager a ser o responsável pela contratação, escalação e treinamento dos jogadores. Ao mesmo tempo, a percepção pública do papel dos managers começa a se transformar, à medida em que a imprensa, em parte refletindo e em parte ajudando a construir a realidade, começa a falar dos clubes a partir da atividade dos managers [o que o manager disse, qual vai ser a tática, quem ele está querendo contratar etc].

- (88) Os dois nomes mais associados a esta mudança são Herbert Chapman (Arsenal) e o Major Frnck Buckley (Wolverhampton Wanderers), ambos protótipos do manager profissional “tecnocrata”. Chapman, depois de levar o Huddersfield a ser tri-campeão em 1924-25-26, levou o Arsenal a vencer a FA Cup em 1930 e a liga em 1931 e 33, tendo morrido de pneumonia quando o clube estava a meio-caminho de conquistar um outro título da liga. Buckley, manager a partir de 1927, não conseguiu levar o Wolves [apelido do Wolverhampton Wanderers] ao título, mas fez dele um time bem sucedido e muito falado.

- (88-9) N. Fishwick assinalou que os managers conseguiram mais poder em clubes onde os diretores não tinham uma tradição de grande envolvimento, ou onde o clube estava no meio de uma crise durante a qual a diretoria ficava feliz em ser dirigida. A última situação era certamente o caso no Huddersfield e no Arsenal. Neste último, o chairman Henry Norris tinha sido banido para sempre após a descoberta de irregularidades financeiras.

- (89-90) Os temperamentos de Chapman e Buckley eram bem diferentes: Chapman era “paizão” dos jogadores, que tinham enorme afeto por ele. Buckley era tipo disciplinador, mas era muito respeitado. Em comum, tinham algumas qualidades diferenciadoras: o mais crucial é que haviam conseguido obter autonomia em termos de escalação do time e tática. Chapman até mesmo vedava o acesso ao vestiário exceto aos jogadores antes do jogo começar. Seus métodos de treinamento, especialmente no caso de Chapman, enfatizavam muito mais o controle de bola do que o normal. Ambos demonstravam grande preocupação com o bem estar dos jogadores, tendo Buckley construído uma estrutura paternalista que incluía um albergue para os jogadores mais jovens e instalações educacionais. Ambos tinham um enorme tino publicitário que reverteu em uma imagem positiva para eles e para seus clubes. Chapman, por exemplo, escreveu uma série de artigos para o Sunday Express explicando as táticas do futebol moderno e apoiando entusiasticamente causas como o uso de refletores, até sugerindo uma arquibancada com aquecimento caso isso pudesse tornar-se uma realidade comercial. Buckley ficou famoso ao dizer em 1935 que seus jogadores haviam recebido secreções de macaco para melhorarem suas performances.

- (90) Obviamente, eles representavam apenas o início de uma tendência mais do que uma mudança completa. Muitos clubes bem sucedidos (e fracassados) continuaram a ser dirigidos por diretores ditadores mais do que por manager, e.g. bem sucedido Preston North End do fim da década de 1930. A diretoria do Newcastle escalou o time até meados da década de 1950.

- (90-1) Este novo papel dos managers era bom para todos: os managers finalmente deixavam de ser meros funcionários e passavam a ter autonomia e prestígio (no caso de sucesso); os jogadores queriam trabalhar de perto com quem conhecia bem o jogo, enquanto a imprensa buscava ao mesmo tempo uma fonte de informação e um gancho “humano” para as matérias. Até os diretores viram os benefícios que um manager talentoso poderia trazer para o desempenho do time dentro de campo e seu valor como bode expiatório quando as coisas davam errado.

[v] Administering the game (91-92)

- (91) A composição social da FA e da FL mudaram pouco no período. Elas continuaram, sobretudo a FL, extremamente conservadoras durante todo o período. A FA continuou lutando duramente para preservar os valores essenciais do jogo diante do que ela percebia como vulgaridades do mercado. Isso levou a uma série de políticas de proteção, incluindo uma cerrada oposição às apostas, seja em forma de pools* ou loterias do clube, e igual posição em termos do uso de campos de futebol para corridas de cachorro, para jogos femininos, partidas aos domingos ou sob a luz dos refletores.

* [nota do tradutor] Os pools eram apostas em conjuntos de jogos (parecido com a loteria esportiva) controladas por empresas e que eram extremamente populares junto à classe trabalhadora, inclusive junto a pessoas que não frequentavam os estádios.

- (91) A FA também mostrou ser contra a participação no desenvolvimento do futebol mundial, com alguns problemas de calendário e a recusa da FA em aceitar o pagamento pelas horas perdidas para os jogadores a participarem dos jogos olímpicos abacaram levando à saída da FIFA em 1920 e novamente em 1928. Essa segunda desfiliação levou a Inglaterra a não disputar as copas de 1930 e 1938, uma decisão que evitou uma avaliação da força real do futebol inglês.

- (91) Entretanto a FA mostrou alguma flexibilidade no fim da década de 1930, principalmente quando Stanley Rous foi colocado como secretário em 1934, pois ele mostrou ter uma compreensão melhor do contexto social do futebol naquele momento, fato demonstrado entre outras coisas pelas boas relações que procurou manter com a BBC.

- (91-2) O conflito entre amadores e profissionais que tanto atormentou a FA entre 1880-1914 não era mais uma questão central após 1918. O Rugby Union e o hockey absorveram os descontentes e a nova geração de jogadores dos times de “old boys” (ex-alunos das public schools) estavam mais de acordo com o futebol profissional do que seus antecessores. A equipe dos Corinthians, por exemplo, abandonou sua política de não jogar torneios onde houvesse prêmios em disputa e entrou na FA Cup pela primeira vez em 1923. E foram claramente uma grande atração, levando um público de 80.000 a um jogo contra o Newcastle em 1928. Eles ainda continuaram a ver a si próprios como os guardiões da boa esportividade. Diz-se que em 1930, quando da ausência do juiz, o capitão dos Corinthians jogou e apitou ao mesmo tempo, tendo na verdade marcado uma falta contra ele próprio a certa altura.

- (92) De qualquer maneira, como as disputas na arena internacional demonstravam, a questão do amadorismo ainda estava viva. Periodicamente havia preocupações em termos de pagamentos e incentivos aos “amadores” do futebol non-league (i.e. de outras ligas que não a Football League, em teoria ligas de times amadores), levando a uma dramática crise em 1927-8, quando a FA suspendeu 341 jogadores e mais de 1.000 dirigentes de clubes da Northern League.

- (92) Também houve manifestações culturais interessantes que sugerem que a FA não estava sozinha em seu intuito de fortalecer o ideal amador. O The Times continuava a cobrir amplamente os jogos amadores e em alguns almanaques os torneios amadores e seus resultados ainda eram listados antes dos profissionais. Novamente, como veremos no próximo capítulo, mesmo na cultura popular da época os amadores ainda continuavam a ser exaltados em detrimento dos profissionais. A sociedade ainda tinha suas reservas.

[vi] Playing the game: soccer stars, soccer slaves (92-95)

- (92) O jogador profissional de futebol exerceu sua profissão debaixo de muito mais atenção por parte da mídia no período entre-guerras, o que teve considerável impacto em sua posição social e econômica. A década de 1930, sobretudo, viu os principais jogadores começando a tornar-se estrelas, embora de forma restrita se compararmos com o que ocorreu no final do século XX, mas de qualquer forma em um grau inédito até então. A exposição regular na imprensa popular em plena fase de crescimento, fotos coloridas nas capas das revistas de futebol, aparições em filmes de notícias e mesmo breves perfis feitos para o cinema tornaram um pequeno número de jogadores “figurinhas carimbadas”.

- (92-3) Podia ser grande a recompensa financeira proveniente deste interesse despertado para além do meio futebolístico estritamente falando. Diz-se que Bill “Dixie” Dean, centroavante do Everton, chegava a faturar 50 libras por sessão de fotografia para fazer propaganda de determinados produtos. Até mesmo jogadores das divisões inferiores, embora obviamente sem conseguir tanta remuneração quanto os astros da primeira divisão, desfrutavam de um novo patamar de prestígio nessa nova atmosfera.

- (93) A isso devemos contrapor as restrições reais sob as quais o jogador profissional trabalhava. O teto salarial estava fixado em 9 libras por semana em 1920 e foi rebaixado para 8 libras em 1922, com a possibilidade de um “bicho” de 2 libras por vitória e uma libra por empate. Provavelmente apenas 20-25% dos jogadores conseguiam receber o teto e, como sempre, estavam em uma carreira que poderia terminar repentinamente por causa de contusão, perda da forma ou por problemas financeiros do clube.

- (93-4) O sistema de retenção e transferência continuava a causar problemas: a maioria dos jogadores assinava contratos de um ano, renováveis em maio [fim da temporada]. Os clubes, especialmente aqueles com dificuldades financeiras, muitas vezes descartavam um jogador para depois recontratá-lo em setembro, evitando assim pagar-lhe salários durante as férias de verão. Os jogadores ainda ficavam presos aos clubes contra a sua vontade, caso o clube recusasse uma oferta de outro clube. Em uma outra manifestação desse sistema essencialmente feudal, os clubes podiam inserir cláusulas nos contratos que restringiam as atividades dos jogadores fora do campo também. Em 1924, Harold Gough, um veterano jogador do Sheffield United, foi sacado do time e colocado na lista de dispensados esperando transferência depois que comprou um pub em preparação para a sua aposentadoria, contrariando uma cláusula presente nos contratos dos jogadores do Sheffield, um clube ligado ao movimento contra a bebida e o jogo (temperance movement). O clube até mesmo solicitou a ele que reembolsasse todos os salários pagos a ele depois de obter o pub. E colocou sua “taxa de transferência” em um valor irreal de 2 mil libras, impedindo-o de jogar novamente.

- (94) Diante de tal sistema, o máximo que os jogadores podiam fazer era adotar o que na verdade era uma conduta pouco profissional, ou seja: não dar o máximo. E mesmo quando um jogador continuava a portar-se honradamente, uma má atuação enquanto rumores de transferência estavam no ar poderiam levar a insinuações.

- (94) Obviamente o protesto coletivo e as negociações da categoria eram outra opção. O Player’s Union [sindicato dos jogadores] continuava a tentar melhorar as condições de trabalho, mas não foi um período bom para o sindicato dos jogadores. A redução do teto salarial em 1922 foi um grande baque que levou à diminuição do número de jogadores sindicalizados, especialmente entre os jogadores que ainda não haviam se firmado e eram mais vulneráveis diante das pressões da diretoria, e que preferiam negociar diretamente ao invés de uma arriscada resistência.

- (94) Neste período, como diz Fishwick, o sindicato esteve mais para Cruz Vermelha do que para Exército Vermelho, prestando sobretudo auxílio legal aos jogadores que se aposentavam por contusão e buscavam compensações financeiras, ou eram aposentados à força pelos clubes em nome de contusões mas na verdade para cortar despesas.

- (94) O número de associados aos poucos cresceu, passando de 398 em 1924 para 1.315 em 1935 e quase 2.000 em 1939. Isso deveu-se a um secretário bastante atuante (Jimmy Fay) e ao grau de descontentamento com o teto salarial e o sistema contratual. O final da década de 1930 assistiu a um aumento da militância e chegou a falar-se em greve no começo de 1939, levando a uma conversa improdutiva entre a Liga e o sindicato.

- (94) Apesar de todos esses problemas, ainda é tentador ver esse período como positivo, pelo menos para os jogadores que conseguiram manter-se titulares por algum tempo. Os ganhos financeiros obtidos com o futebol propriamente dito eram modestos, embora a qualificação de quão modesto dependa da comparação com outros grupos. Mesmo atores desconhecidos e de teatro de variedades recebiam mais do que os jogadores mais bem pagos. Alguns boxeadores e golfistas excepcionais recebiam bem mais, mas a profissão de jogador de futebol ainda era bem superior à de trabalhador manual de onde ele normalmente vinha. Em 1938, trabalhadores em construção civil bem qualificados recebia somente 3 libras e 10 shillings por uma semana de 47 horas de trabalho, enquanto um “peão” recebia 2 libras e 10 shillings somente.

- (94-5) Havia também os benefícios psicológicos e emocionais trazidos pelo jogo, tendo havido um ganho em respeitabilidade graças à imagem que a imprensa popular construía. Representações escritas e mais especialmente fotos, mostravam o jogador profissional de futebol como alguém respeitável, amigável, inocentemente alegre e trabalhando pesado. Os jogadores normalmente apareciam em fotos onde estavam treinando no campo, mas algumas fotos fora de campo mostravam homens bem trajados jogando golfe ou desfrutando de um momento de brincadeira ou em um alegre grupo familiar. Essa imagem provavelmente refletia verdadeiramente o estilo de vida e as atitudes da maioria dos profissionais mas, capturada por uma mídia cada vez mais poderosa, desempenhava seu papel em cimentar mais profundamente a boa imagem do jogo na cultura nacional.

[vii] Women’s football (95-98)

- (95) Um dos aspectos mais surpreendentes do período entre-guerras foi a emergência do futebol feminino. Tinha havido algum futebol feminino antes de 1914, sobretudo associado às alunas de public schools, mas a guerra e o período do imediato pós-guerra abriram oportunidades para que as mulheres de classe operária também jogassem.

- (95-6) Muitas jogadoras parecem ter tido seu entusiasmo inicial despertado enquanto serviam à pátria trabalhando em fábricas de munições. Foi certamente o que ocorreu com o time mais famoso do período, baseado em Preston, o Dick, Kerr Ladies, surgido a partir de um time informal formado para jogar contra um time de colegas operários (do sexo masculino) na fábrica de munições de Preston em 1917.

- (96) O fim da guerra não pôs fim à vontade de jogar e por volta de 1920-1 o futebol feminino estava em pleno florescimento. Havia pelo menos 150 equipes femininas no fim de 1921, jogando sobretudo partidas amistosas com fins beneficentes. Os clubes principais, o Dick, Kerr, o Hey’s Ladies e o Bradford Brewery [fábrica de cerveja] chegavam a atrair públicos impressionantes. Em 1920, 53.000 pessoas foram ver o Dick, Kerr jogar contra o St. Helens em uma partida beneficente em Goodison Park [estádio do Everton], arrecadando 3.115 libras.

- (96) Obviamente, a função beneficente dos jogos ajuda a explicar esse grande público, e alguns provavelmente apareceram mais para mostrar desprezo do que para admirar o espetáculo atlético. O nível provavelmente não era muito alto em muitos casos, como era normal de se esperar neste estágio de desenvolvimento do futebol.

- (96) Tudo isto, entretanto, não permite diminuir o engajamento genuíno e a habilidade de muitas jogadoras. Elas levavam o jogo extremamente à sério e treinavam duro, às vezes até com ajuda de profissionais homens.

- (96) E havia sinais de que o jogo feminino estava se enraizando na cultura popular. O jornal Football Special começou uma coluna semanal chamada “Football Girl”. Jogadoras figuravam, mesmo que brevemente, na literatura de aventuras futebolísticas que existia naquela época. Em um desses livros, havia uma heroína chamada Nell que jogava no time da sua fábrica em Newcastle e envolvia assassinatos, chantagem, parentes perdidos e amor verdadeiro além de outras coisas. Um homem, quando convidado a assistir o jogo feminino diz o seguinte, resumindo os argumentos contrários:

“O quê, perder minha tarde vendo um bando de mulheres tentando jogar algo que elas desconhecem totalmente! Rá, rá, rá! Nem por um decreto, menina... Seria melhor se vocês deixassem o futebol para os homens, que sabem jogar, e vão namorar e casar como deve ser.”

- (97) Talvez o mais interessante nesse livro seja o final, indicador das possibilidades reais do jogo feminino à essa época. Nell acaba se casando, como era inevitável, e com um empresário local que havia financiado uma liga feminina, e ela agradecia ao futebol por ter permitido alcançar este estado de graça.

- (97) Todavia ela não desiste de jogar por ter se casado, um fecho que seria até esperado em um livro com tema tão potencialmente problemático.

- (97) A situação real, todavia, era bem mais difícil do que a ficcional. Não fica claro se as mulheres percebiam suas atividades de alguma forma como um desafio consciente da hegemonia masculina, no esporte ou na sociedade em geral. De qualquer forma, mesmo o mero desejo de ampliar a sua vida recreativa encontrava uma forte oposição. O ataque mais efetivo veio da FA, cujas críticas foram subindo de tom durante o ano de 1921. Em 5 de dezembro de 1921 a FA finalmente anunciou que os times femininos não poderiam usar o campo (e os estádios) dos times masculinos a ela afiliados [quase todos os clubes de futebol ingleses, profissionais e amadores].

- (97) Esta medida foi desastrosa para o futebol feminino, retirando de uma só tacada as instalações necessárias e a credibilidade que o uso dos campos dos clubes masculinos proviam.

- (97) A oposição da FA baseava-se em afirmativas de que as mulheres estavam sendo pagas para jogar (se isso fosse verdade, indica o quão sério o jogo estava se tornando), e que os recibos dos jogos beneficentes estavam sendo falsificados pelos organizadores, para outros propósitos nada beneficentes. Na verdade esses argumentos eram apenas a racionalização de preconceitos bastante arraigados. O secretário geral da FA, Frederic Wall, sempre fora contra o jogo feminino, depois que assistira a um jogo em 1895 e concluíra que “o jogo não foi feito para elas”. A circular da FA que acompanhava o banimento em dezembro de 1921 mostrava um sentimento similar, com o conselho da FA afirmando sentir-se “impelido a expressar sua forte opinião de que o jogo é bastante impróprio para mulheres e não deve ser encorajado.”

- O jogo feminino, é claro estava sendo vítima de um processo histórico bem mais amplo no qual muitas das conquistas sociais e econômicas das mulheres durante a I GM estavam sendo revertidas rápida e propositalmente.

- (97-8) Nem todos, contudo, condenavam o jogo feminino. O tamanho dos públicos, o interesse expressado pela literatura popular e, o que talvez seja ainda mais significativo, a ajuda dada por profissionais sugere a existência de um considerável interesse e simpatia.

- (98) Seria também errôneo assumir que toda a oposição vinha dos homens. Algumas médicas reciclaram velhos avisos acerca dos perigos para as mulheres do exercício excessivo, ao mesmo tempo em que em um nível mais mundano porém mais problemático, algumas jogadoras não eram apoiadas por membros femininos da família e por suas amigas.

- (98) Seja lá qual fosse a fonte da oposição, a decisão da FA enfraqueceu fundamentalmente o jogo feminino no seu nascedouro. Um certo número de equipes conseguiu continuar, usando estádios que não estavam sob a jurisdição da FA; é revelador que campos de rugby frequentemente estivessem disponíveis.

- (98) As Dick, Kerr Ladies conseguiram excursionar aos Estados Unidos com muita publicidade e sucesso em 1922 e uma Ladies Football Association foi fundada em dezembro de 1921 para tentar reverter a desdita que se abatera sobre o futebol feminino. Entretanto, embora o futebol feminino não tenha desaparecido, ele perdeu a penetração que ele havia rapidamente conquistado. E teria que esperar até o final da década de 1960 para reemergir de forma significativa.

[viii] Watching the game (98-102)

- (98) O público do futebol no período entre-guerras era proveniente de um arco social bem mais amplo do que antes. Mason sugere que foi nesta época que o jogo começou a ser assistido por “representantes de todas os setores da classe operária mais ou menos na mesma proporção”. Também é provável que a torcida de classe média tenha crescido neste período.

- (98) Para o torcedor de classe operária, todavia, o comparecimento regular aos jogos ainda não era algo totalmente garantido: mudanças mínimas nas condições econômicas podiam alterar dramaticamente os hábitos de lazer. O preço da entrada mais barata subiu primeiramente para 9d. (9/12 de shilling) em outubro de 1917 devido à taxa sobre entretenimento que seria cobrada dos clubes durante meio século e depois para um shilling imediatamente após a guerra. Andrew Davies assinalou que mesmo trabalhadores especializados regularmente empregados em Manchester na década de 1930 podiam ter dificuldades em pagar a entrada. Isso era mais problemático para aqueles que haviam se mudado para cidades-satélite e casas da prefeitura em torno da cidade, onde os aluguéis mais altos e os custos de transporte pesavam no orçamento.

- (98-99) O torcedor desempregado, por mais resistente que fosse, tinha problemas especialmente sérios. Durante a primeira onda de desemprego depois de 1920, parece que alguns clubes teriam oferecido ingressos mais baratos para os desempregados, apesar da oposição da FL. Durante os primeiros anos da década de 1930, os clubes das áreas mais afetadas pelo desemprego fizeram uma enorme pressão sobre a FL para permitir esta política, que nunca alcançava o quorum de 2/3 necessário à modificação nas reuniões gerais da FL. Na verdade por interesse financeiro, os clubes contrários alegavam que isto era injusto com o torcedor pobre e que o sistema poderia gerar abusos. O único consolo oferecido (e que era interessante financeiramente para os clubes) era a permissão para reduzir o ingresso dos jogos dos reservas.

- (99) O quanto os desempregados sentiam esta perda é demonstrado pelo entusiasmo com que retornavam ao jogo quando podiam: quando o Merthyr Town abandona a FL e ingressa na FL que permitia ingressos de apenas 2d. a média de público subiu de 500 para 4.000 em 1932. Em Liverpool, os desempregados alinhavam-se nas calçadas em dias de jogos para ver os torcedores (que podiam pagar) indo ao jogo.

- (99) Muitos comentaristas afirmam que a presença das mulheres no público aumentou no período do entre-guerras. Há pouca comprovação, embora seja óbvio que as mulheres iam ao jogo e que algumas podiam desempenhar um papel de destaque na cultura dos torcedores. O principal símbolo da torcida do Blackburn Rovers na final da FA Cup de 1928, por exemplo, era Mrs Catteral, que assistiu ao jogo com um canário azul e branco em uma gaiola azul e branca. As mulheres claramente desempenhavam um papel de destaque nas celebrações cívicas do sucesso futebolístico. Elas estavam bem representadas na multidão que apareceu para recepcionar o Blackburn Rovers em 1928 (e desmaiaram em grande número segundo uma reportagem) e “as mulheres predominavam” na multidão de 50 mil pessoas que apareceu no final da tarde para receber o time vitorioso do Preston em 1938.

- (99) A cultura torcedora não mudou muito no período. Alcançava o auge de colorido, embora não fosse tão espontânea, nas viagens organizadas pelos clubes de torcedores. Estes eventos tornaram-se mais frequentes neste período e parecem ter institucionalizado uma dimensão carnavalesca. O álcool ajudava bastante nesse sentido.

- (100) Ao que parece os torcedores ainda cantavam nos terraces, muitas vezes fazendo paródias de músicas populares.

- (100) O lado mais agressivo também estava presente. Jornalistas e managers regularmente criticavam as ofensas dirigidas aos jogadores da casa que iam desde menções irônicas a erros recentes até a hostilidade aberta.

- (100) O futebol nunca esteve totalmente livre da desordem pública e este período não foi exceção. Na década de 30, três clubes tiveram seus estádios fechados após desordens: Queens Park Rangers (1930), Millwall (1934) e Carlisle (1935). Parte dos torcedores do Millwall desfrutavam da reputação de desordeiros na década de 1930. Houve inúmeros outros incidentes e punições, como a proibição da FL a rapazes frequentarem o estádio do Bradford City em 1921 depois que um juiz foi agraciado com pedradas e cascas de laranja.

- (100) O número de policiais à mão para os jogos principais – o Sheffield Wednesday colocava mais de 100 nesses casos – demonstra que havia pelo menos a crença de que houvesse um potencial para desordem. Entretanto, a maioria dos comentadores vê este período como relativamente pacífico. Como foi demonstrado em um estudo específico, a frequência com que um hábito relativamente inócuo como xingar os jogadores era reportado sugere que agora as menores manifestações se destacavam.

-

- (100-1) Também é significativo que os dois maiores episódios que geraram preocupação pública quanto ao comportamento dos torcedores aconteceram em 1919-22 e no fim da década de 1930, moldados por fatores contextuais que talvez tenha levado o problema a ser exagerado. O período 1919-22 coincide com a grande preocupação acerca de uma suposta diminuição da disciplina causada pela onda de militância sindical na indústria após a I GM e a segunda com uma campanha determinada da FA para melhorar o status e a imagem do jogo. Na maior parte das vezes, o público torcedor era descrito como tendo um comportamento no qual “o entusiasmo não era incompatível com o auto-controle”.

- (101) Por outro lado, os clubes de torcedores parecem ter se tornado um traço mais frequente do futebol no entre-guerras. A National Federation of Football Supporters' Clubs, fundada em 1926-7, tinha cerca de 150.000 sócios individuais em 1934. Seus líderes eram sobretudo da classe média-baixa e média-média e estes clubes viam-se como servidores dos clubes mais do que grupos de pressão agindo em nome dos torcedores. O slogan da federação era “Para ajudar e não para atrapalhar”, indicando esse propósito.

- (101) As duas maiores funções dos clubes de torcedores eram levantar dinheiro e fornecer mão-de-obra gratuita para a melhoria dos estádios. Para alguns clubes isto significava a diferença entre sobreviver e desaparecer. Muitas melhorias de estádios não teriam acontecido sem eles. Os torcedores do Luton Town arrecadaram 20 mil libras (1,5 milhões de libras em 1995) para tais melhorias na década de 1930 e esta cifra não inclui a mão-de-obra que disponibilizaram.

- (101) Uma função complementar era policiar o resto da multidão e em geral educar os torcedores para que adotassem bons hábitos esportivos. O clube dos torcedores do Bradford City, por exemplo, em 1922 promoveu palestras sobre “Juízes” e sobre “As leis do jogo”.

- (101) Todo este esforço em troca de muito pouco controle sobre os assuntos do seu clube ou do futebol em geral. Os torcedores só tinham direito a assentos na diretoria em ocasiões excepcionais, enquanto a FA parece ter reconhecido muito pouco estes atos de sacrifício dos torcedores.

- (101-2) Mas o que é ainda mais surpreendente é que, na maior parte, estes torcedores demonstraram pouco interesse em desafiar o status quo ou em assumir um papel de influência em termos das direções que o esporte ia tomando. Isto pode ter sido o resultado da presença do elemento de “policiamento” já notado acima. Chegou-se a sugerir que o clube de torcedores tornou-se próximo a “uma conspiração para reformar o comportamento da classe trabalhadora” e esta mentalidade deve ter superado a possibilidade de desenvolver outros projetos.

- (102) A longo prazo, todavia, o desejo de ajudar e de não atrapalhar reflete a profunda força que os clubes exerciam em suas comunidades. As pessoas ingressavam em um clube de torcedores e contribuíam para ele da mesma forma que as pessoas entrevam na Igreja, no Partido Trabalhista ou no clube dos trabalhadores. Era uma causa e, para muitos, poder ajudar era recompensa bastante, especialmente se criava a possibilidade de pelo menos algum contato pessoal com diretores, managers e jogadores.

Torneio de Seven de Rugby na UFF neste fim de semana

Oi, pessoal, para quem quiser ver como se joga rugby de verdade, neste fim de semana (27 e 28 de setembro) haverá um torneio nacional de seven (rugby com 7 jogadores de cada lado, mais rápido do que a modalidade tradicional) no campo de "futebol" da UFF no Campus do Gragoatá. Mais informações no site da UFF Rugby: http://www.uff.br/uffrugby .

um abraço a todos,

Alvito

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Esquema do texto 7: Russell, capítulo 3 (COMPLETO)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 3: Football and its fans, 1888-1915. pp. 55-75.

[i] Crowd size and social structure (55-57):

- (55) O público aumentou quase continuamente a partir de 1880 e embora só tenhamos estimativas parece ter havido saltos significativos no final da década de 1890 e novamente c. 1906. Em 1905-6, somente Newcastle e Aston Villa tinham médias de público superiores a 20 mil, enquanto em 1913-4, 15 clubes haviam alcançado essa marca.

- (55) Embora os salários reais fossem geralmente mais altos entre 1900-13 do que na década de 1890, a tendência geral para o período foi de estagnação e declínio. Enquanto as finanças pessoais permaneciam sendo um fator importante para os hábitos de lazer, o aumento dos públicos depois de 1906 sugere que o futebol tinha se tornado um hábito que as pessoas estavam mais dispostas a adotar e do qual estavam menos dispostas a abdicar, mesmo que isto significasse ficar sem outros prazeres ou mesmo passar necessidades.

- (55) Richard Holt argumentou que a lealdade ao time superava a maioria das considerações extra-econômicas, afirmando que o clima ou a colocação na tabela ficavam em segundo plano diante do desejo de comparecer, apoiar seu time e identificar-se com milhares que sentiam a mesma coisa. Certamente o Chelsea, o Everton e o Liverpool experimentaram um aumento de público no período pouco antes da I GM mesmo com más temporadas, sugerindo que o sucesso do time não era necessariamente um fator importante para atrair os torcedores. Holt não parece estar tão correto quando se trata do clima. Frio ou chuva excessiva são geralmente as explicações oferecidas para um pequeno público por jornalistas locais e parece que as pessoas se importavam bastante com seu desconforto e, o que é mais importante, com os possíveis efeitos médicos de ficarem encharcados em terraces geralmente sem nenhuma cobertura, a ponto de se precaverem minimamente.

- (55-6) A maioria dos torcedores ia assistir aos jogos “em casa”. Considerações econômicas limitavam os jogos na casa do adversário aos clássicos locais. Grupos de torcedores, todavia, podiam preparar viagens no caso de importantes confrontos na FA Cup, principalmente no caso da final, e normalmente havia uma viagem anual em que um grande número de torcedores viajava para um jogo a alguma distância de casa. Preparativos para tais eventos normalmente eram levados a cabo pelos recém-criados “clubes de torcedores”, que parecem datar dos clubes escoceses desse tipo, ou dos clubes de economias para viajar, da década de 1880.

- (56) A documentação relacionada à composição social do público antes de 1914 é fragmentária, mas podemos pintar um quadro razoavelmente claro. Em termos de classe social, os públicos da FL eram predominantemente compostos pelos trabalhadores especializados e pelas classes médias baixas, embora Mason sugira a possibilidade de que tenha havido um aumento dos trabalhadores semi-qualificados depois de 1900. Os grupos sociais abaixo desse nível eram excluídos pelo preço da entrada. Em 1890 a FL, possivelmente para tentar limitar o acesso dos torcedores mais pobres (e supostamente mais arruaceiros) aumentou o preço mínimo do ingresso para um valor relativamente alto se comparado a outras formas de lazer popular: praticamente o dobro do ingresso do music hall e mais do que o dobro do cinema. Menores e mulheres normalmente pagavam meia entrada. De início as mulheres entravam de graça, uma prática que permaneceu na Escócia, mas os clubes ingleses logo reverteram essa prática quando as mulheres começaram a aparecer em grande número implicando em uma perda significativa de renda: o Preston North End aboliu a gratuidade depois que duas mil mulheres apareceram para um jogo em abril de 1885.

- (56) Dados os preços, alguns torcedores só podiam acompanhar seus clubes de longe. Embora minoritário dentre o público, havia um grupo significativo de torcedores de classe média, normalmente situado na arquibancada principal, tipo de construção que começou a aparecer na década de 1890. Na frase de Mason, eram uma ilha burguesa em um mar de rostos de classe trabalhadora. Em 1905, o Chelsea colocou 61.000 do público de 70.000 nos terraces [onde os torcedores ficavam em pé], enquanto em Craven Cottage [estádio do Fulham], no mesmo ano, havia 40.000 lugares em terraces para apenas 5.000 na nova arquibancada coberta que o clube orgulhosamente anunciava como “absolutamente segura no caso do mais terrível tempo [no sentido de clima]”.

- (56-7) O público tendia a ter entre 18-40 anos. Torcedores mais jovens talvez fossem excluídos pelo preço enquanto os mais velhos o preço se somava aos problemas de saúde. Os propagandistas de hoje que falam em um ‘retorno’ da ‘família tradicional’ ao jogo, quando pais e filhos assistiam ao jogo juntos em grandes números, claramente conhecem pouco da história do jogo antes de 1950.

- (57) A grande maioria do público era do sexo masculino. As mulheres iam aos jogos, mas sua frequência deve ter diminuído a partir do fim da gratuidade na década de 1890 e à medida em que os estádios se tornavam mais cheios e menos confortáveis. É bem possível que moças de classe trabalhadora e mulheres adultas estivessem mais presentes nos jogos da FA Cup, particularmente como torcedoras dos clubes visitantes. Isso deve-se à natureza especial destes jogos, que acabam sendo uma espécie de festa ou feriado, legitimando a presença feminina. É significativo que muitos observadores tenham notado a juventude das torcedoras de classe trabalhadora. O lazer das mulheres casadas sofria restrições práticas e ideológicas – falta de tempo livre, a noção de que o divertimento era o prêmio do provedor, preocupações com o “comportamento respeitável” e com a “boa maternidade”. Muitas mulheres, é claro, não tinham nenhuma vontade de comparecer, felizes com o espaço que a ausência dos maridos criava para tarefas domésticas ou para um breve período de descanso.

[ii] Crowd culture (57-63)

- (57) Estudou-se talvez exageradamente o hooliganismo e os problemas de desordem, sendo necessário atentar para os comportamentos “normais” da torcida. O primeiro ponto é que mesmo nos populares terraces, não havia somente um estilo de torcer. O público do futebol era um amálgama de várias sub-culturas essencialmente masculinas. Como veremos brevemente, alguns mostravam propensão para violência, alguns jogavam, outros xingavam.

- (57-8) Em Burnley, quando de jogos mais disputados, o público gritava para os jogadores socarem os adversários, arrancarem suas pernas e coisas ainda piores.

- (58) Ao mesmo tempo, o repórter de um jogo entre N.ForestxBradford City em 1911 assinalou que o público visitante cantou um hino ao som do acordeão anntes do jogo começar. Ou seja, embora este último comportamento fosse menos frequente, as culturas “rudes” e “respeitáveis” (como são chamadas) misturavam-se no estádio. Na verdade, é bem possível que determinados indivíduos transitassem entre uma e outra durante os noventa minutos, de acordo com a oscilação dos sentimentos. É importante reconhecer estas diferenças, porque generalizações amplas sobre o torcedor de futebol têm atrapalhado o debate acerca do jogo desde o fim do século XIX e os historiadores têm que ser cuidadosos para não endossar estereótipos que pouco ajudam.

- (58) Isto não significa negar a existência de um certo tipo de atmosfera nos estádios, nem de determinados tipos de comportamento e costumes. Nos terraces pelo menos o resultado era uma rica mistura de cor, barulho e humor, baseado em uma intrigante mistura de expressões e formas culturais populares tradicionais e recém-estabelecidas. Dentre as tradicionais estavam as cores dos times, as fitinhas e rosettes, as matracas de assustar corvos e os tambores e outros instrumentos ocasionalmente utilizados. Por outro lado, muitas das canções e slogans foram tomados de empréstimo das músicas mais tocadas no music hall. Seria interessante conhecer mais sobre a emergência de determinados estilos e hábitos de torcer. O historiador oficial do Liverpool, por exemplo, afirma que o uso de cores, rosettes e cachecóis só se tornou comum em Anfield por volta de 1907. A documentação nesta área é bastante fragmentária, mas poderia iluminar as mudanças em termos da base geracional e de classe do público de futebol.

- (58-9) Determinados públicos exibiam traços distintivos e características próprias. No mínimo em termos de determinadas canções e cantos. Na década de 1890, p.ex., os torcedores do Sheffield United adotaram uma música de bebida do music hall, “Rowdy Dowdy Boys” [rapaziada da pesada], enquanto os torcedores do Southampton desenvolveram aquilo que um jornal local chamou do seu canto com um distintivo “Yi! Yi! Yi!”. Costumes e ocupações locais eram celebrados por mascotes hiper-decorados e os times parecem ter gostado de adotar apelidos que enfatizavam conexões e idiossincrassias locais. Deve ter havido outras manifestações de culturas clubísticas distintivas para as quais os pesquisadores do jogo a nível local devem estar atentos.

- (59) O jogo proporcionava muita coisa aos torcedores: a partida em si (geralmente) fornecia excitação, espetáculo, cor e som. Era um foco para a semana, um fim agradável para uma semana de trabalho para aqueles que quase literalmente saíam do trabalho para o campo assim que o turno de sábado terminava; era um ponto estável em um mundo muitas vezes incerto. Para aqueles com um nível razoável de dinheiro disponível para o lazer, o futebol estava no centro de uma prática cultural do fim de semana que ia muito além da duração do jogo. A partida podia ser precedida ou seguida de uma visita ao pub, onde os torcedores das aldeias próximas geralmente emendavam a ida ao jogo com uma visita ao teatro de variedades ou ao cinema. Uma enorme gama de apostas ligava-se ao futebol, enquanto toda uma cultura colecionadora já tinha começado por volta de 1900. A maioria dos clubes produzia cartões dos jogos e por volta de 1914 alguns dos clubes principais produzia programas abundantemente. Os primeiros cartões de futebol agregados a maços de cigarros começaram a ser produzidos no final de 1890, enquanto cartões postais tornam-se comuns praticamente a partir do momento em que o cartão-postal padrão emergiu em 1899.

- (59-60) Em um outro nível, um certo número de comentaristas assinalou que os torcedores podiam (e podem) desfrutar de uma sensação de controle, ou pelo menos uma bem realista esperança de gratificação imediata por conta do seu envolvimento com a equipe. Enquanto os sistemas políticos, econômicos e teológicos nem sempre são confiáveis e muitas vezes balançam a terra prometida longe do alcance, o futebol oferecia mesmo ao torcedor do time mais fraco uma esperança razoável de gratificação imediata em termos de vitória, de um incidente excitante ou de uma jogada de classe.

- (59-60) Ironicamente, gritar e xingar, até mesmo chorar, era neste contexto uma forma racional de comportamento. Muitos contemporâneos e muitos historiadores chamam este rico conjunto de prazeres de “escapismo” ou de um antídoto à “monotonia da vida cotidiana”. Certamente há algo disso, mas é inútil parar neste nível inicial de análise. Além do fato de que este tipo de raciocínio baseia-se em presunções acerca da vida cotidiana de indivíduos sobre os quais, em grande parte, nada sabemos, é também uma subestimação da centralidade do esporte na vida de muitas pessoas. Até que os especialistas admitam que as atividades de lazer das pessoas não eram somente uma atividade marginal ou ornamental, e sim frequentemente uma parte definidora da sua existência, a função da recreação e da cultura popular não serão entendidas.

- (60) Não surpreende que na atmosfera frequentemente febril gerada por esta cultura, os torcedores algumas vezes se entregassem àquilo que os contemporâneos descreviam como “rebelião”, “desordem” ou “hooliganismo”, um termo cunhado após os feriados de 1898. Enquanto muito do histérico jornalismo das décadas de 1960-70 e alguma sociologia estimulante mas a-histórica do mesmo período afirmava que a violência no futebol era um fenômeno novo, hoje em dia nenhum especialista em futebol sério nega a existência de tais incidentes no período anterior a 1960. Hoje está claro que no período até 1914 e depois, havia toda uma série de incidentes que incluía invasões de campo, ataques a jogadores e juízes-bandeirinhas, a destruição de parte do estádio e a luta entre grupos rivais tanto dentro quanto fora dos estádios. Histórias de juízes fugindo de estádios a correr e de cidadãos respeitáveis perseguidos por gangues são uma fonte de histórias quase prazerosas por datarem de 80-100 anos atrás, mas os piores incidentes eram assustadores para os envolvidos.

- (60) P.ex. : os jogadores do Preston North End e os juízes foram atacados por uma multidão de 2.000 quando da sua vitória sobre o Aston Villa por 5x1 em 1885. Os torcedores do Villa, aparentemente irritados por uma disputa entre dois jogadores e por um comentário feito a eles por um jogador do Preston, atacaram os visitantes e a barraca onde eles trocavam de roupa, forçando os mesmos a escaparem de qualquer maneira para uma carroça que foi estacionada junto à barraca. Eles foram perseguidos durante um tempo por uma multidão que jogava paus, pedras, lama e qualquer objeto disponível. Um jogador do Preston afirma que ficaram cobertos com uma chuva de cuspe.

- (60) A desordem futebolística mais espetacular do período foi a ocorrida em 1909 no Ibrox Park, em Glasgow. A multidão, enfurecida pela não ocorrência de uma esperada prorrogação ao fim de um empate em uma final da Copa da Escócia, invadiu o campo, destruíu as redes e os gols, queimou as bilheterias encharcando-as em whisky e brigou dentro de campo com a polícia e com os torcedores do outro time. Mais de 100 pessoas ficaram feridas.

- (61) Aonde há desacordo entre os especialistas é no que diz respeito à frequência, escala e significado social destes eventos. Eram eles uma aberração pouco frequente originária de problemas relacionados ao jogo, ou eram incidentes comuns que manifestavam tensões e forças sociais mais profundas na sociedade inglesa? Em termos da 2ª. opinião, muitos comentadores concordam que a rivalidade local, em parte reforçada e em parte gerada pelo futebol, realmente fornecia o combustível para algumas explosões de desordem. Maus bofes realmente existiam na década de 1890 entre torcedores de Blackburn e Darwen, por exemplo, e entre os de Preston e Burnley. Para além deste ponto, todavai, tem havido muito debate.

- (61) Talvez a posição mais conservadora neste assunto seja a de Tony Mason, que se diz surpreso com o caráter pacífico da multidão em geral, mantida em ordem confortavelmente por meia-dúzia de policiais à pé e pela falta de um significado maior destes incidentes isolados, quando ocorriam, fora do contexto futebolístico.

- (61) Wray Vamplew em um importante artigo, se mostrou um pouco mais impressionado com a escala do problema e mais convencido de que estas perturbações pudessem refletir tensões sociais mais amplas. Apesar disso, ele ainda parece perceber as perturbações como atípicas e mais frequentemente relacionadas a incidentes futebolísticos específicos como adiamentos inesperados ou má arbitragem.

- (61) Uma posição bem mais radical está presente no trabalho dos pesquisadores de Leicester, os quais concluíram que, embora não fosse a norma “não há dúvida de que a desordem causada pelo público era um problema de consideráveis proporções e neste período e que nenhum dos historiadores que estudaram o tema chegou perto de assinalar a escala em que isto ocorria”. Extrapolando a partir de pesquisa local baseada sobretudo em jornais de Leicester, combinada com o uso de registros da FA, eles afirmam que houve mais de 4.000 incidentes de hooliganismo nos diversos tipos de futebol entre 1894-1914, com picos entre 1894-1900 e 1908-14. Eles também mostram uma vontade bem maior do que os outros pesquisadores em relacionar o hooliganismo com as questões sociais mais amplas, sugerindo, por exemplo, que haveria uma ligação entre as explosões de violência no futebol e a presença na multidão de gangues de jovens, os chamados ‘scutlers’ ou ‘peaky blinders’ que existiam em um certo número de áreas urbanas.

- (61-2) Há dois problemas-chave a serem enfrentados por estudiosos deste campo: documentação histórica e definição. Se nós nos apoiamos em documentação “oficial” da FA, então certos incidentes, especialmente aqueles que ocorriam longe do estádio, tendem a ser ignorados, levando a subestimar seriamente o problema. Por outro lado, se o enfoque de Leicester é adotado fazendo uma busca intensiva nos jornais locais com o objetivo de registrar todo e qualquer incidente de desordem, há o perigo de colocar lado a lado incidentes de larga escala e eventos relativamente triviais, exagerando a dimensão total do problema.

- (62) Aqui também é central a questão da definição. O “hooliganismo” era e ainda é, uma categoria grandemente subjetiva: seu caráter escorregadio e vago é que fornece poderosos argumentos aos lobbies da lei e da ordem. Meia dúzia de sujeitos gritando na rua podem ser descritos como hooligans por um morador assustado residente perto de um campo, mas podem não significar quase nada para um policial que testemunhou uma rebelião de grande escala e que está acostumado a policiar o centro da cidade à noite. Dependendo das inclinações do jornalista e do jornal, este incidente seria registrado pela imprensa da época como “hooliganismo” ou mera falta de educação, ou até totalmente ignorado. Em uma época de “pânico moral” diante da cultura jovem poderia receber atenção; em outros períodos poderia ser ignorado. A questão torna-se ainda mais complicada pelo fato de que vitorianos e eduardianos [de 1837-1914], ou pelo menos suas forças policiais, embora altamente preocupados com a lei e a ordem, provavelmente tinham uma tolerância maior para com um certo grau de desordem dentro e em torno dos eventos esportivos do que a existente nos últimos 30 anos.

- (62-3) Uma série de reportagens no Bradford Daily Telegraph e no Yorkshire Observer a partir de 1911, acerca da viagem do Bradford City a Nottingham e sobre a visita de torcedores do Burnley a Bradford no sábado seguinte, é útil ao nosso debate. Estas reportagens fornecem um grau pouco usual de descrição detalhada e comentário. Estes relatos sem dúvida teriam atraído a atenção da polícia após 1965, mas à época não parecem ter atraído algo além de alguma irritação junto a pessoas de classe média e críticas moderadas da imprensa da época. Tais comportamentos incluíam derramar cerveja no bolso do casaco de um torcedor adversário, correr dentro de campo para divertir os amigos, arremessar cascas de laranja, banana e pedaços de terra sobre o mascote visitante, bagunça em restaurantes e empurrões nos transeuntes que passavam na calçada. Até onde se sabe, as únicas prisões vieram de um incidente em um pub de Nottingham onde alguns “jovens” (na verdade em torno dos 25 anos) foram presos por roubarem copos. Em nenhuma ocasião parece ter havido nenhum relato de problemas à FA. A linguagem utilizada pela imprensa é especialmente interessante. O Daily Telegraph era certamente mais crítico na sua edição de 2ª. feira do que fora na edição de sábado à tarde – sobretudo das torcedoras do Burnley. O Observer [a edição dominical do jornal liberal The Guardian] registrou a afirmativa do prefeito de Nottingham de que os eventos do sábado havia sido uma vergonha para todos os torcedores de futebol, de Bradford ou de qualquer outra cidade. Entretanto, na maior parte da sua cobertura, ambos os jornais adotaram um tom gentil, quase jovial, com o Daily Telegraph vendo “algo irresistivelmente infantil” sobre o contingente de Burnley. Como o historiador trabalhando com o registro destes incidentes na imprensa interpreta estes eventos que são hooliganismo segundo o padrão de muitas pessoas no século XX mas claramente eram uma questão menor para os contemporâneos?

- (63) Acima de tudo, por todas estas razões, medir definitivamente o problema é impossível. Talvez a melhor conclusão seja de que o hooliganismo, definido como “a explosão de violência real” não era normal, mas era bem mais frequente do que normalmente se pensa. Ademais, a maioria dos jogos transcorria em uma atmosfera bastante turbulenta e um certo grau de violência ou agressão estava sempre prestes a aflorar em jogos em que os torcedores tinham uma rivalidade forte. É perfeitamente possível que o problema do hooliganismo tivesse sido mais grave caso as circunstâncias econômicas permitissem aos torcedores viajar mais.

- (63) Provavelmente a maioria dos incidentes era deslanchada por incidentes dentro de campo ou relacionados à organização dos jogos, mas a presença de um número significativo de jovens atentos à possibilidade de se divertirem ou de uma aventura tornava as desordens mais prováveis. Nós certamente não desprezamos a possibilidade da existência de uma “sub-cultura hooligan” já nesta época. Um grupo deste tipo parecia estar ligado ao Leeds Parish Church Rugby Club. Após um incidente em 1890 quando um juiz teve que escapar da torcida da casa pulando uma cerca e pegando um barco para atravessar o rio antes de se refugiar numa casa, os dirigentes da Yorkshire Rugby Union admitiram que outros cinco juízes tinham se recusado a apitar esta partida e reconheceram que o clube tinha que lidar com torcedores particularmente difíceis. É perfeitamente possível que pesquisas de cunho local gerem documentação semelhante a respeito de clubes de futebol.

[iii] Interpreting the fan (63-72)

i. Gender (63-64)

- (63-4) Torcer para um clube de futebol claramente envolvia a construção e expressão de identidades e crenças que tinham ressonância muito além da arena esportiva. Uma função indubitável do futebol era sua capacidade de construir e articular certas noções de identidade masculina. Muito da síntese de R. Holt acerca do papel geral do esporte pode sem dúvida ser aplicado especificamente ao futebol:

O esporte sempre foi um território masculino reservado com sua própria linguagem, seus ritos de iniciação, seus modelos de verdadeira masculinidade, sua intimidade de companheirismo. Fazer amizades com outros homens e manter comunidades maiores ou menores de homens foram o objetivo primeiro do esporte. As mulheres foram banidas para as margens literal e metaforicamente, exceto por uma minoria.”

- (64) O futebol proporcionava um local aonde os homens podiam escapar das obrigações domésticas e familiares, uma fuga que, por conta dos imperativos econômicos que ela salientava, ajudava a definir o seu status como o cabeça da família. Dava a eles uma linguagem, um dialeto que poderia ser utilizado astuciosamente para excluir as mulheres ou até mesmo os homens alheios às atrações do jogo. Também fornecia assunto de conversa para cimentar as relações entre os homens que caso contrário teriam pouco em que se basear, e que ofereciam uma distração útil em relação aos temas emocionais, sociais e políticos, bem mais problemáticos.

ii. Place (64-68)

- (64) Uma segunda contribuição importante para a identidade social derivava do papel central do futebol em modelar as afiliações à localidade e à região, um tema que só recentemente começou a receber a devida atenção por parte dos historiadores. O futebol confirmava o sentimento de “ser de Bolton ou Blackburn, Bury ou Sheffield”. A ênfase de Holt na capacidade do futebol de fornecer “cidadania simbólica”, um sentimento de pertencimento a uma comunidade que não era mais facil de conhecer e manejar, é especialmente útil neste ponto. “Em um mundo em que a produção industrial e a vida urbana cortaram os vínculos com a vida mais íntima e humana do passado... torcer por um time de futebol oferecia um sentimento tranquilizador de ser parte de algo mesmo que a multidão em si mesma fosse composta por pessoas em sua maioria estranhas umas às outras.”

- (64-5) Tudo isto nos leva para o instigante território da “comunidade imaginada”, onde noções idealizadas de comunidade produziam poderosos mitos através dos quais as pessoas expressavam suas esperanças e aspirações. Em um ensaio original focado no norte da Inglaterra, Jeffrey Hill mostrou que a celebração dos feitos esportivos, especialmente da forma que era estruturada pela imprensa local, continha um elemento muito poderoso de profecia que se auto-cumpre. Isso era evidente, por exemplo, quando jornais descreviam a multidão recepcionando os times que haviam vencido copas como se esta representasse essencialmente uma única comunidade. Este quadro generalizava uma imagem da comunidade que parecia buscar esconder as desarmonias realmente existentes no interior da mesma.

- (65) Aceitar o argumento de Hill não significa aceitar que as formas de consciência territorial fossem meras invenções. Os mitos que as sustentavam eram enraizados em uma experiência histórica vivida. Entretanto o simbólico aqui deve ser tão levado em conta quanto o “real”. Muito do que veremos a seguir estará em um nível meramente descritivo. Os historiadores futuros devem procurar explorar estas idéias e, em particular, examinar as maneiras pelas quais os diferentes grupos manipulavam estas linguagens para obter benefícios sociais e políticos.

- (65) O sentimento de orgulho local, cívico, nunca era mais intensa e graficamente expressado do que em celebrações após vitórias na FL e na FA Cup, ironicamente, tão frequentemente alcançadas através de jogadores sem nenhuma conexão local. O padrão da celebração cívica já estava bem estabelecido por volta do fim de 1880 e continuou assim até a década de 1960, pelo menos. Os ingredientes centrais, quase lugares-comuns do repertório cívico, envolviam a recepção triunfal da equipe na estação de trem, geralmente com uma banda ou mais tocando “Vejam o retorno do herói conquistador” de Handel, um desfile pela cidade e, finalmente, um jantar público em que dignatários cívicos agradeciam ao time por trazer tal honra para a comunidade. Conseguia-se mobilizar grandes multidões representando uma amostra significativa da população local nestas ocasiões.

- (65-6) Alcançar um nível de sucesso necessário para ativar uma celebração deste tipo era algo que muitos times não conseguiam e cabia à imprensa local a tarefa cotidiana de estimular o patriotismo cívico esportivo. Isto podia ser conseguido de várias formas além de meramente exaltar o sucesso local. Feitos de cidades locais podiam ser menosprezados. Da mesma forma, os jornais locais sempre eram ansiosos defensores da honra dos representantes locais, como o Preston Herald em 1895, que depois da derrota para o Millwall por 9x1, defende os jogadores de acusações de embriaguês dizendo que eles estavam cansados da viagem, sem falar na violência do Millwall e na má arbitragem que teria sido responsável por pelo menos quatro gols.

- (66-7) Muito do que se disse é especialmente relevante para pequenas cidades em que um único clube emergia como uma força dominante por volta da década de 1880 e assim tornava-se o representante externo da cidade. As questões eram mais complicadas nas grandes cidades. Por volta de 1914, é claro que Londres, mas também Birmingham, Bradford, Bristol, Liverpool, Manchester, Nottingham, Sheffield e as Potteries [Stoke City] eram todas comunidades potencialmente tão divididas quanto unidas pelo futebol. Nestas parece que fatores geográficos e organizacionais, mais do que sociais, políticos ou culturais, estruturavam os padrões de escolha dos torcedores. Em Bristol, p.ex., o Bristol City era basicamente um clube da parte sul da cidade enquanto o Bristol Rovers (então fora da FL) era um clube da parte nordeste. Mesmo em Liverpool não há fundamento na hipótese de que a rivalidade Liverpool x Everton fosse baseada em uma oposição religiosa e sim na saída do Everton de Anfield e na criação do LFC por John Houlding, proprietário do campo. Nem tampouco há diferença social entre os torcedores de Liverpool e Everton.

- (67) Todavia, mesmo em cidades onde as lealdades eram apaixonadamente divididas, um forte sentido cívico ainda poderia ocorrer, como em 1906 em que um jornal de Liverpool celebra a conquista da FL pelo Liverpool e da FA Cup pelo Everton com um cartum em que os capitães dos dois clubes estão de braços dados.

- (67) Mas nem sempre o nascimento em um local determinava torcer para um determinado clube. A adesão à equipe local tornou-se bem menos importante a partir da década de 1960, mas é possível que já no início do século XX alguns indivíduos optassem por ignorar os laços locais. A preferência por uma equipe vizinha vencedora sobre um modesto time local pode ter motivado esse tipo de coisa. A oportunidade de torcer por um “grande” time ao invés de ou ao mesmo tempo que um time local era maior em Londres, onde o Chelsea, talvez o Tottenham e no final do período o Arsenal foram protótipos dos times atraentes que surgiram após a década de 1960.

- (67) Em 1913 o Arsenal mudou-se para Islington não somente para ligar o clube a uma base de apoio mais ampla representada pelas comunidades de classe trabalhadora do norte de Londres, mas também por conta da proximidade de estações de metrô ampliando a base de apoio ao clube.

- (67) O Chelsea foi um clube “inventado”, tendo entrado na liga antes de reunir um time. Sua grande vantagem residia no grande estádio de Stamford Bridge, o qual, embora situado em uma área já servida pelo Fulham, tinha sua entrada principal perto de uma estação de trem e podia, da mesma forma que o Arsenal, atrair torcedores bem longe da área próxima. O grande público atraído pelo clube que assinalamos no capítulo anterior é presumivelmente em parte explicado por isso.

- (68) O patriotismo local podia, é claro, agir como um ponto de partida para a construção de lealdades e afiliações mais amplas. Embora a identificação com a localidade imediata exercesse a influência mais forte, as rivalidades locais eram frequentemente suspensas ou ignoradas o suficiente para permitir a emergência de vários tipos de identidade regional. No momento, a maior parte do que conhecemos diz respeito à chamada divisão “norte-sul”. A dominação da FA Cup por times do norte da Inglaterra levava à invasão quase anual de Londres por torcedores nortistas, permitindo que os jornalistas dessem vazão à discussão das supostas diferenças entre os mal definidos norte e sul. Estas diferenças há muito que estavam estabelecidas nas representações culturais populares.

- (68) Os escritores do norte sublinhavam o complexo de superioridade, o esnobismo e o grande contraste entre riqueza e pobreza existentes no sul, comparando-os com a decência, simplicidade, a curiosidade e bom senso que atribuíam a seus conterrâneos.

- (68) A mais famosa descrição dos nortistas feita no sul é do Pall Mall Gazette em 1884, referindo-se aos torcedores do Blackburn Rovers: “uma incursão de bárbaros do norte... lancastrianos de sangue quente, línguas afiadas, rudes e prontos pra briga, de deselegante aspecto e fala. Uma tribo de árabes sudaneses a vagar pelo centro de Londres não atrairia mais curiosidade nem divertiria mais.” Esta descrição, na verdade escrita pelo filho de um dirigente do Rovers, não se sabe se para se vingar do seu pai ou da sua cidade natal, é um exagero útil da visão do senso comum acerca dos provincianos em geral e dos nortistas em particular, fossem ou não torcedores de futebol.

- (68) Os torcedores do norte contra-atacavam com seus próprios mitos. Um dizia respeito à maior “disposição” [hardness, literalmente resistência, dureza] dos times do norte, uma extensão da crença comumente expressa na cultura popular do norte na superioridade inata de áreas onde a riqueza era criada por trabalho “real” (i.e. de natureza física) ao invés de seja lá qual fosse o empreendimento invisível que tornava o sul tão rico.

- (69) Havia também a crença entre os torcedores nortistas e principalmente entre os do nordeste de que eles eram mais apaixonados e tinham maior conhecimento de futebol do que os torcedores do sul.

- (69) Afirmativas deste tipo, logicamente, são impossíveis de serem testadas de alguma forma concreta. Seja lá qual fosse a realidade, estes mitos deveriam despertar a atenção dos historiadores, pois fornecem importantes exemplos de como a Inglaterra provincial expressava sua oposição ao sul, à capital em particular, através do recurso ao terreno simbólico do esporte e da cultura.

- (69) O estudo da identidade regional ainda está na sua relativa infância e é importante reconhecer que um conjunto de atitudes, ao invés de uma atitude única poderiam ser expressadas. Identidades regionais mais restritas e identidades de classe mais amplas coexistiam de maneiras muito interessantes.

iii. Class (69-72)

- (69) Enquanto os historiadores estão amplamente de acordo com a capacidade do futebol de construir identidades relacionadas ao gênero e à geografia, houve bem menos acordo quando examinam o papel do jogo em refletir e construir a consciência de classe. O principal foco tem sido a natureza da auto-expressão e identidade própria da classe trabalhadora, uma questão central para historiadores sociais nas últimas três décadas.

- (69-70) Correndo o risco de simplificar o debate, de um lado temos escritores que argumentam que o futebol estava essencialmente nas mãos da classe dominante, conhecedora e manipuladora, que controlava o jogo segundo seus próprios interesses, portanto negando autoridade à classe trabalhadora tanto no contexto esportivo quanto no contexto social mais amplo.

- (70) Tischler, baseado em Jean-Marie Brohm (para quem o esporte espetáculo é uma forma de absorver e neutralizar tensões sociais), alega que o futebol comercial-profissional, assim como outras atividades controladas e financiadas pela burguesia, criava uma válvula de escape que liberava as tensões geradas pelo capitalismo industrial, sem ameaçar a manutenção das estruturas da sociedade. Ele até mesmo é contra a designação do futebol como um esporte da classe trabalhadora.

- (70) Outros autores, por sua vez, não ligados ao marxismo, afirmaram que o jogo foi, até certo ponto, apropriado pela torcedores de classe trabalhadora, que impuseram a ele sua própria visão de mundo. Desta maneira, eles evitaram o triunfo das ambições da classe dominante e talvez ainda tenham aguçado seu sentido de identidade de classe e de interesses de classe. Stephen Jones, p. ex., sublinhava a capacidade de pensamento e ação independentes da classe trabalhadora, argumentando que na esfera do lazer popular os trabalhadores “não eram cordeiros a serem sacrificados pela dominação e pela iniciativa capitalistas... o proletariado, em suma, descobriu no esporte possibilidades para atingir e fazer avançar seus próprios interesses.

- (70-1)De maneira semelhante, o sociólogo John Hargreaves, em última instância percebendo o futebol como dominado pela burguesia enfatizou a maneira pelq qual os torcedores de classe trabalhadora investiram o jogo com seu próprio caráter e transformaram-no de certa maneira em um veículo de expressão de valores opostos aos da tradição atlética burguesa. Particularmente, sublinha: a torcida apaixonada, a obsessão pela vitória, a suspeita e geralmente o desdém pela autoridade constituída, a ausência de respeito às regras oficiais, a solidariedade mútua como a base do trabalho de equipe, a preferência por recompensas monetárias aos esforços e um hedonista elemento festivo “vulgar”.

- (71) Avaliação do autor: Embora possamos questionar até que ponto algumas destas características eram especificamente da classe trabalhadora, este argumento tem algo de verdadeiro. A nova cultura do público de massa rejeitara muito da ideologia basicamente de classe média que orientara a revolução esportiva de meados do século XIX. A classe trabalhadora inegavelmente pegou aquilo que tinha sido pensado como uma escola de instrução moral e o transformou em um teatro popular.

- (71) Embora tal ação, consciente ou não, possa ser vista como tendo até certo ponto negado as ambições ideológicas da elite, não é claro até que ponto isto representa uma vitória popular da escala que é implicada em alguns relatos. A mudança no sentido de interpretar a cultura popular como um espaço de “resistência” da classe trabalhadora ao controle ideológico dos grupos dominantes tem sido uma excitante e importante tendência no interior da História Social desde 1970. Contudo, há sempre o perigo de que esta interpretação vá muito longe e que, nas palavras de um crítico, nós sejamos levados a investir as ações dos praticantes da cultura popular de um poder ou de um conhecimento excessivos.

- (71) Focando por um momento puramente as relações de poder no interior do futebol, embora as classes trabalhadoras houvessem conseguido se impor, elas exerciam pouco controle real sobre o jogo. Podiam exercer influência (p.ex. rebelando-se contra o preço dos ingressos em 1909 em Leicester), mas normalmente os torcedores sequer eram consultados, e não há muitas evidências de que o quisessem. Os torcedores parecem ter sido bastante passivos. Enquanto autores como Tischler certamente subestimam a capacidade popular de ação e pensamento independentes, eles estão certos ao perceber que o poder do esporte estava em mãos sobretudo burguesas.

- (71-2) Ampliando o debate para a arena social mais ampla, é claro que é extremamente difícil estabelecer vínculos diretos entre o esporte e a cultura popular. Nós podemos especular – e devemos fazê-lo – mas é praticamente impossível encontrar documentação.

- (72) É difícil discordar do comentário de Mason de que o futebol ajudava os indivíduos a se localizarem no interior dos grupos sociais e que, por volta de 1914, jogar e assistir ao jogo havia se transformado em uma dessas coisas que os trabalhadores fazem. Neste sentido, talvez o jogo ajudasse a modelar um sentimento de classe, mas não necessariamente um que se traduzisse em um determinado programa político ou que demonstrasse uma hostilidade frente a outros grupos. O futebol, então, talvez gerasse uma consciência de classe mais do que uma consciência classista. Além disso é difícil afirmar.

- (72) Como é geralmente o caso com este tipo de debate, o mesmo tipo de material pode servir de suporte a teses opostas. O barulho e a festa dos terraces podem, por exemplo, ser vistos como prova do controle popular do jogo, da autonomia e da resistência da classe trabalhadora, mas podem igualmente ser vistos como fornecendo uma válvula de escape que permitia o gasto de energias que poderiam ser direcionadas ao radicalismo político e sindical. Na verdade, poder-se-ia até argumentar que servia a estes dois propósitos ao mesmo tempo. Na verdade, a interpretação vai depender grandemente da postura política de cada historiador.

[iv] Football and its place in society (72-75)

- (72) Qual a posição ocupada pelo futebol profissional na vida nacional inglesa em 1914? O quão ‘respeitável’ o jogo havia se tornado e quão seguro era seu lugar na cultura nacional?

- (72) O futebol, e na verdade a cultura popular em geral, eram em muitos sentidos um alvo fácil, sendo culpados por muita coisa. As igrejas, lutando para manter seu rebanho em meio a uma época tumultuada para a religião organizada, bem como os partidos e as organizações políticas, especialmente as de esquerda, eram uma fonte notável de reclamações contra o esporte. A competição pelo público estava na origem da questão, é claro. Como já foi notado, muitos que pertenciam a grupos esquerdistas acreditavam que o esporte era um elemento de alienação, afastando os torcedores do caminho político, enquanto os porta-vozes da igreja viam nele características contrárias aos objetivos e prioridades cristãs. Em 1900 um pastor congregacional de Bournemouth expressou esta visão ao dizer que “para ele o profissional de futebol era uma monstruosidade. Deus não havia criado a vida para ser gasta chutando uma bola de couro por aí. Era uma perversão do sentido divino da vida.” [J]

- (73) Mais críticas eram feitas por aqueles preocupados com a boa forma da raça imperial, um tema de debate nacional no fim do s. XIX e início do XX. Criticava-se sobretudo o fato da maioria somente assistir ao invés de praticar o jogo. A extrema direita, por sua vez, criticava em geral aquilo que chamamos hoje de “cultura de massa”: o music hall, o cinema em seus primórdios e a literatura eram criticados da mesma maneira e geralmente ao mesmo tempo em que o futebol.

- (73) O problema para o historiador, todavia, é determinar até que ponto estas críticas eram típicas. Seria preciso submeter as fontes à crítica, fazendo uma análise de conteúdo detalhada de uma ampla gama de jornais da época para testar essa tendência anti-futebol. Muitas vezes as fontes são analisadas apenas parcialmente.

- (74) Em uma análise final, certamente a partir do século XX o nível de apoio ao jogo entre as diferentes classes sociais é mais forte do que o nível de hostilidade. Ironicamente, provas escritas detalhadas disso são mais difíceis de achar do que as que demonstram hostilidade. Como sempre, as maiorias silenciosas são mais difíceis de achar do que as minorias barulhentas. Em geral, os que apoiavam o jogo nas classes “respeitáveis” ofereciam apoio sobretudo através de ações do que palavras; afinal, o futebol não poderia ter atingido o nível de atenção pública que conseguiu sem um apoio significativo junto às classes média e alta.

- (74) Como já notamos, políticos locais e nacionais estavam cada vez mais ansiosos para se associarem ao sucesso futebolístico. Os empregadores ajudavam ativamente dando permissão aos jogadores semi-profissionais para que treinassem ou jogassem. Em certas ocasiões, as fábricas eram fechadas para permitir o comparecimento da torcida em jogos cruciais, normalmente partidas de desempate em confrontos da Copa da Inglaterra jogados durante a semana. Tais ações podem ter sido um reconhecimento defensivo e relutante da ameaça do absenteísmo em massa encapsulada no presumido slogan dos torcedores, “se o seu trabalho interfere com o futebol, abandone o trabalho”, mas é bem possível que os empregadores compartilhassem o sentimento da importância do jogo.

- (74) Outra prova da importância do futebol é fornecida pelo fato de que, talvez pela 1ª. vez, os industriais e homens de negócios do norte ao menos podiam ser celebrados por sua contribuição esportiva ao menos no mesmo grau que por sua carreira política ou comercial. O maior feito do futebol ocorreu em 1914, quando o rei Jorge V esteve presente à final da FA Cup, a primeira vez em que o evento era dignificado com a visita oficial de um membro da realeza. Embora não fosse adepto do futebol, o rei e seus conselheiros foram todavia astutos o suficiente para perceber que a monarquia, ao abraçar, mesmo que levemente, a cultura popular, fazia algo bastante recomendável para o propósito de firmar uma prática “democrática”. Sua visita teria sido impossível se o lugar do futebol na sociedade não estivesse garantido.

- (75) Poucos meses depois o jogo enfrentou seu mais sério teste com a irrupção da I GM em setembro de 1914. A Rugby Football Union suspendeu a nova temporada quase imediatamente. A temporada de cricket havia praticamente terminado. A FL e a FA, todavia, continuaram, levando a acusações de comportamento anti-patriótico em um momento de crise nacional. Alguns críticos se apressaram em atacar o futebol e o escândalo de um jogo Liverpool-Manchester com resultado arranjado por pelo menos 4 jogadores em abril de 1915 não ajudou nem um pouco.

- (75) Todavia, embora a campanha anti-futebol tenha sido poderosa, ela pareceu restringir-se essencialmente ao sul da Inglaterra. Novamente as narrativas norte-sul, professional-amador pareciam emergir. Os que atacavam o futebol ignoravam propositalmente os muitos serviços prestados pelo jogo aos esforços de guerra. Os jogadores de futebol agiram como oficiais de recrutamento, através do exemplo e da exortação e os estádios foram utilizados como centros de recrutamento em dias de jogo. No final da temporada de 1915, a virtude patriótica, combinada com uma séria queda nas bilheterias causada pela guerra, levou à suspensão do campeonato da FL, e à improvisação de uma competição regional que seria a única forma de futebol profissional até 1919. A campanha contra o futebol profissional tinha tido algum sucesso, com um certo número de escolas de 2º. Grau passando-se para o Rugby Union durante e depois da guerra em reconhecimento à postura patriótica dos seus dirigentes em 1914. Mas o futebol sobreviveu ao teste. Ele estava por demais enraizado para ser enfraquecido significativamente por inimigos ativos, poderosos, mas na verdade bastante isolados.