quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Esquema do texto 7: Russell, capítulo 3 (COMPLETO)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 3: Football and its fans, 1888-1915. pp. 55-75.

[i] Crowd size and social structure (55-57):

- (55) O público aumentou quase continuamente a partir de 1880 e embora só tenhamos estimativas parece ter havido saltos significativos no final da década de 1890 e novamente c. 1906. Em 1905-6, somente Newcastle e Aston Villa tinham médias de público superiores a 20 mil, enquanto em 1913-4, 15 clubes haviam alcançado essa marca.

- (55) Embora os salários reais fossem geralmente mais altos entre 1900-13 do que na década de 1890, a tendência geral para o período foi de estagnação e declínio. Enquanto as finanças pessoais permaneciam sendo um fator importante para os hábitos de lazer, o aumento dos públicos depois de 1906 sugere que o futebol tinha se tornado um hábito que as pessoas estavam mais dispostas a adotar e do qual estavam menos dispostas a abdicar, mesmo que isto significasse ficar sem outros prazeres ou mesmo passar necessidades.

- (55) Richard Holt argumentou que a lealdade ao time superava a maioria das considerações extra-econômicas, afirmando que o clima ou a colocação na tabela ficavam em segundo plano diante do desejo de comparecer, apoiar seu time e identificar-se com milhares que sentiam a mesma coisa. Certamente o Chelsea, o Everton e o Liverpool experimentaram um aumento de público no período pouco antes da I GM mesmo com más temporadas, sugerindo que o sucesso do time não era necessariamente um fator importante para atrair os torcedores. Holt não parece estar tão correto quando se trata do clima. Frio ou chuva excessiva são geralmente as explicações oferecidas para um pequeno público por jornalistas locais e parece que as pessoas se importavam bastante com seu desconforto e, o que é mais importante, com os possíveis efeitos médicos de ficarem encharcados em terraces geralmente sem nenhuma cobertura, a ponto de se precaverem minimamente.

- (55-6) A maioria dos torcedores ia assistir aos jogos “em casa”. Considerações econômicas limitavam os jogos na casa do adversário aos clássicos locais. Grupos de torcedores, todavia, podiam preparar viagens no caso de importantes confrontos na FA Cup, principalmente no caso da final, e normalmente havia uma viagem anual em que um grande número de torcedores viajava para um jogo a alguma distância de casa. Preparativos para tais eventos normalmente eram levados a cabo pelos recém-criados “clubes de torcedores”, que parecem datar dos clubes escoceses desse tipo, ou dos clubes de economias para viajar, da década de 1880.

- (56) A documentação relacionada à composição social do público antes de 1914 é fragmentária, mas podemos pintar um quadro razoavelmente claro. Em termos de classe social, os públicos da FL eram predominantemente compostos pelos trabalhadores especializados e pelas classes médias baixas, embora Mason sugira a possibilidade de que tenha havido um aumento dos trabalhadores semi-qualificados depois de 1900. Os grupos sociais abaixo desse nível eram excluídos pelo preço da entrada. Em 1890 a FL, possivelmente para tentar limitar o acesso dos torcedores mais pobres (e supostamente mais arruaceiros) aumentou o preço mínimo do ingresso para um valor relativamente alto se comparado a outras formas de lazer popular: praticamente o dobro do ingresso do music hall e mais do que o dobro do cinema. Menores e mulheres normalmente pagavam meia entrada. De início as mulheres entravam de graça, uma prática que permaneceu na Escócia, mas os clubes ingleses logo reverteram essa prática quando as mulheres começaram a aparecer em grande número implicando em uma perda significativa de renda: o Preston North End aboliu a gratuidade depois que duas mil mulheres apareceram para um jogo em abril de 1885.

- (56) Dados os preços, alguns torcedores só podiam acompanhar seus clubes de longe. Embora minoritário dentre o público, havia um grupo significativo de torcedores de classe média, normalmente situado na arquibancada principal, tipo de construção que começou a aparecer na década de 1890. Na frase de Mason, eram uma ilha burguesa em um mar de rostos de classe trabalhadora. Em 1905, o Chelsea colocou 61.000 do público de 70.000 nos terraces [onde os torcedores ficavam em pé], enquanto em Craven Cottage [estádio do Fulham], no mesmo ano, havia 40.000 lugares em terraces para apenas 5.000 na nova arquibancada coberta que o clube orgulhosamente anunciava como “absolutamente segura no caso do mais terrível tempo [no sentido de clima]”.

- (56-7) O público tendia a ter entre 18-40 anos. Torcedores mais jovens talvez fossem excluídos pelo preço enquanto os mais velhos o preço se somava aos problemas de saúde. Os propagandistas de hoje que falam em um ‘retorno’ da ‘família tradicional’ ao jogo, quando pais e filhos assistiam ao jogo juntos em grandes números, claramente conhecem pouco da história do jogo antes de 1950.

- (57) A grande maioria do público era do sexo masculino. As mulheres iam aos jogos, mas sua frequência deve ter diminuído a partir do fim da gratuidade na década de 1890 e à medida em que os estádios se tornavam mais cheios e menos confortáveis. É bem possível que moças de classe trabalhadora e mulheres adultas estivessem mais presentes nos jogos da FA Cup, particularmente como torcedoras dos clubes visitantes. Isso deve-se à natureza especial destes jogos, que acabam sendo uma espécie de festa ou feriado, legitimando a presença feminina. É significativo que muitos observadores tenham notado a juventude das torcedoras de classe trabalhadora. O lazer das mulheres casadas sofria restrições práticas e ideológicas – falta de tempo livre, a noção de que o divertimento era o prêmio do provedor, preocupações com o “comportamento respeitável” e com a “boa maternidade”. Muitas mulheres, é claro, não tinham nenhuma vontade de comparecer, felizes com o espaço que a ausência dos maridos criava para tarefas domésticas ou para um breve período de descanso.

[ii] Crowd culture (57-63)

- (57) Estudou-se talvez exageradamente o hooliganismo e os problemas de desordem, sendo necessário atentar para os comportamentos “normais” da torcida. O primeiro ponto é que mesmo nos populares terraces, não havia somente um estilo de torcer. O público do futebol era um amálgama de várias sub-culturas essencialmente masculinas. Como veremos brevemente, alguns mostravam propensão para violência, alguns jogavam, outros xingavam.

- (57-8) Em Burnley, quando de jogos mais disputados, o público gritava para os jogadores socarem os adversários, arrancarem suas pernas e coisas ainda piores.

- (58) Ao mesmo tempo, o repórter de um jogo entre N.ForestxBradford City em 1911 assinalou que o público visitante cantou um hino ao som do acordeão anntes do jogo começar. Ou seja, embora este último comportamento fosse menos frequente, as culturas “rudes” e “respeitáveis” (como são chamadas) misturavam-se no estádio. Na verdade, é bem possível que determinados indivíduos transitassem entre uma e outra durante os noventa minutos, de acordo com a oscilação dos sentimentos. É importante reconhecer estas diferenças, porque generalizações amplas sobre o torcedor de futebol têm atrapalhado o debate acerca do jogo desde o fim do século XIX e os historiadores têm que ser cuidadosos para não endossar estereótipos que pouco ajudam.

- (58) Isto não significa negar a existência de um certo tipo de atmosfera nos estádios, nem de determinados tipos de comportamento e costumes. Nos terraces pelo menos o resultado era uma rica mistura de cor, barulho e humor, baseado em uma intrigante mistura de expressões e formas culturais populares tradicionais e recém-estabelecidas. Dentre as tradicionais estavam as cores dos times, as fitinhas e rosettes, as matracas de assustar corvos e os tambores e outros instrumentos ocasionalmente utilizados. Por outro lado, muitas das canções e slogans foram tomados de empréstimo das músicas mais tocadas no music hall. Seria interessante conhecer mais sobre a emergência de determinados estilos e hábitos de torcer. O historiador oficial do Liverpool, por exemplo, afirma que o uso de cores, rosettes e cachecóis só se tornou comum em Anfield por volta de 1907. A documentação nesta área é bastante fragmentária, mas poderia iluminar as mudanças em termos da base geracional e de classe do público de futebol.

- (58-9) Determinados públicos exibiam traços distintivos e características próprias. No mínimo em termos de determinadas canções e cantos. Na década de 1890, p.ex., os torcedores do Sheffield United adotaram uma música de bebida do music hall, “Rowdy Dowdy Boys” [rapaziada da pesada], enquanto os torcedores do Southampton desenvolveram aquilo que um jornal local chamou do seu canto com um distintivo “Yi! Yi! Yi!”. Costumes e ocupações locais eram celebrados por mascotes hiper-decorados e os times parecem ter gostado de adotar apelidos que enfatizavam conexões e idiossincrassias locais. Deve ter havido outras manifestações de culturas clubísticas distintivas para as quais os pesquisadores do jogo a nível local devem estar atentos.

- (59) O jogo proporcionava muita coisa aos torcedores: a partida em si (geralmente) fornecia excitação, espetáculo, cor e som. Era um foco para a semana, um fim agradável para uma semana de trabalho para aqueles que quase literalmente saíam do trabalho para o campo assim que o turno de sábado terminava; era um ponto estável em um mundo muitas vezes incerto. Para aqueles com um nível razoável de dinheiro disponível para o lazer, o futebol estava no centro de uma prática cultural do fim de semana que ia muito além da duração do jogo. A partida podia ser precedida ou seguida de uma visita ao pub, onde os torcedores das aldeias próximas geralmente emendavam a ida ao jogo com uma visita ao teatro de variedades ou ao cinema. Uma enorme gama de apostas ligava-se ao futebol, enquanto toda uma cultura colecionadora já tinha começado por volta de 1900. A maioria dos clubes produzia cartões dos jogos e por volta de 1914 alguns dos clubes principais produzia programas abundantemente. Os primeiros cartões de futebol agregados a maços de cigarros começaram a ser produzidos no final de 1890, enquanto cartões postais tornam-se comuns praticamente a partir do momento em que o cartão-postal padrão emergiu em 1899.

- (59-60) Em um outro nível, um certo número de comentaristas assinalou que os torcedores podiam (e podem) desfrutar de uma sensação de controle, ou pelo menos uma bem realista esperança de gratificação imediata por conta do seu envolvimento com a equipe. Enquanto os sistemas políticos, econômicos e teológicos nem sempre são confiáveis e muitas vezes balançam a terra prometida longe do alcance, o futebol oferecia mesmo ao torcedor do time mais fraco uma esperança razoável de gratificação imediata em termos de vitória, de um incidente excitante ou de uma jogada de classe.

- (59-60) Ironicamente, gritar e xingar, até mesmo chorar, era neste contexto uma forma racional de comportamento. Muitos contemporâneos e muitos historiadores chamam este rico conjunto de prazeres de “escapismo” ou de um antídoto à “monotonia da vida cotidiana”. Certamente há algo disso, mas é inútil parar neste nível inicial de análise. Além do fato de que este tipo de raciocínio baseia-se em presunções acerca da vida cotidiana de indivíduos sobre os quais, em grande parte, nada sabemos, é também uma subestimação da centralidade do esporte na vida de muitas pessoas. Até que os especialistas admitam que as atividades de lazer das pessoas não eram somente uma atividade marginal ou ornamental, e sim frequentemente uma parte definidora da sua existência, a função da recreação e da cultura popular não serão entendidas.

- (60) Não surpreende que na atmosfera frequentemente febril gerada por esta cultura, os torcedores algumas vezes se entregassem àquilo que os contemporâneos descreviam como “rebelião”, “desordem” ou “hooliganismo”, um termo cunhado após os feriados de 1898. Enquanto muito do histérico jornalismo das décadas de 1960-70 e alguma sociologia estimulante mas a-histórica do mesmo período afirmava que a violência no futebol era um fenômeno novo, hoje em dia nenhum especialista em futebol sério nega a existência de tais incidentes no período anterior a 1960. Hoje está claro que no período até 1914 e depois, havia toda uma série de incidentes que incluía invasões de campo, ataques a jogadores e juízes-bandeirinhas, a destruição de parte do estádio e a luta entre grupos rivais tanto dentro quanto fora dos estádios. Histórias de juízes fugindo de estádios a correr e de cidadãos respeitáveis perseguidos por gangues são uma fonte de histórias quase prazerosas por datarem de 80-100 anos atrás, mas os piores incidentes eram assustadores para os envolvidos.

- (60) P.ex. : os jogadores do Preston North End e os juízes foram atacados por uma multidão de 2.000 quando da sua vitória sobre o Aston Villa por 5x1 em 1885. Os torcedores do Villa, aparentemente irritados por uma disputa entre dois jogadores e por um comentário feito a eles por um jogador do Preston, atacaram os visitantes e a barraca onde eles trocavam de roupa, forçando os mesmos a escaparem de qualquer maneira para uma carroça que foi estacionada junto à barraca. Eles foram perseguidos durante um tempo por uma multidão que jogava paus, pedras, lama e qualquer objeto disponível. Um jogador do Preston afirma que ficaram cobertos com uma chuva de cuspe.

- (60) A desordem futebolística mais espetacular do período foi a ocorrida em 1909 no Ibrox Park, em Glasgow. A multidão, enfurecida pela não ocorrência de uma esperada prorrogação ao fim de um empate em uma final da Copa da Escócia, invadiu o campo, destruíu as redes e os gols, queimou as bilheterias encharcando-as em whisky e brigou dentro de campo com a polícia e com os torcedores do outro time. Mais de 100 pessoas ficaram feridas.

- (61) Aonde há desacordo entre os especialistas é no que diz respeito à frequência, escala e significado social destes eventos. Eram eles uma aberração pouco frequente originária de problemas relacionados ao jogo, ou eram incidentes comuns que manifestavam tensões e forças sociais mais profundas na sociedade inglesa? Em termos da 2ª. opinião, muitos comentadores concordam que a rivalidade local, em parte reforçada e em parte gerada pelo futebol, realmente fornecia o combustível para algumas explosões de desordem. Maus bofes realmente existiam na década de 1890 entre torcedores de Blackburn e Darwen, por exemplo, e entre os de Preston e Burnley. Para além deste ponto, todavai, tem havido muito debate.

- (61) Talvez a posição mais conservadora neste assunto seja a de Tony Mason, que se diz surpreso com o caráter pacífico da multidão em geral, mantida em ordem confortavelmente por meia-dúzia de policiais à pé e pela falta de um significado maior destes incidentes isolados, quando ocorriam, fora do contexto futebolístico.

- (61) Wray Vamplew em um importante artigo, se mostrou um pouco mais impressionado com a escala do problema e mais convencido de que estas perturbações pudessem refletir tensões sociais mais amplas. Apesar disso, ele ainda parece perceber as perturbações como atípicas e mais frequentemente relacionadas a incidentes futebolísticos específicos como adiamentos inesperados ou má arbitragem.

- (61) Uma posição bem mais radical está presente no trabalho dos pesquisadores de Leicester, os quais concluíram que, embora não fosse a norma “não há dúvida de que a desordem causada pelo público era um problema de consideráveis proporções e neste período e que nenhum dos historiadores que estudaram o tema chegou perto de assinalar a escala em que isto ocorria”. Extrapolando a partir de pesquisa local baseada sobretudo em jornais de Leicester, combinada com o uso de registros da FA, eles afirmam que houve mais de 4.000 incidentes de hooliganismo nos diversos tipos de futebol entre 1894-1914, com picos entre 1894-1900 e 1908-14. Eles também mostram uma vontade bem maior do que os outros pesquisadores em relacionar o hooliganismo com as questões sociais mais amplas, sugerindo, por exemplo, que haveria uma ligação entre as explosões de violência no futebol e a presença na multidão de gangues de jovens, os chamados ‘scutlers’ ou ‘peaky blinders’ que existiam em um certo número de áreas urbanas.

- (61-2) Há dois problemas-chave a serem enfrentados por estudiosos deste campo: documentação histórica e definição. Se nós nos apoiamos em documentação “oficial” da FA, então certos incidentes, especialmente aqueles que ocorriam longe do estádio, tendem a ser ignorados, levando a subestimar seriamente o problema. Por outro lado, se o enfoque de Leicester é adotado fazendo uma busca intensiva nos jornais locais com o objetivo de registrar todo e qualquer incidente de desordem, há o perigo de colocar lado a lado incidentes de larga escala e eventos relativamente triviais, exagerando a dimensão total do problema.

- (62) Aqui também é central a questão da definição. O “hooliganismo” era e ainda é, uma categoria grandemente subjetiva: seu caráter escorregadio e vago é que fornece poderosos argumentos aos lobbies da lei e da ordem. Meia dúzia de sujeitos gritando na rua podem ser descritos como hooligans por um morador assustado residente perto de um campo, mas podem não significar quase nada para um policial que testemunhou uma rebelião de grande escala e que está acostumado a policiar o centro da cidade à noite. Dependendo das inclinações do jornalista e do jornal, este incidente seria registrado pela imprensa da época como “hooliganismo” ou mera falta de educação, ou até totalmente ignorado. Em uma época de “pânico moral” diante da cultura jovem poderia receber atenção; em outros períodos poderia ser ignorado. A questão torna-se ainda mais complicada pelo fato de que vitorianos e eduardianos [de 1837-1914], ou pelo menos suas forças policiais, embora altamente preocupados com a lei e a ordem, provavelmente tinham uma tolerância maior para com um certo grau de desordem dentro e em torno dos eventos esportivos do que a existente nos últimos 30 anos.

- (62-3) Uma série de reportagens no Bradford Daily Telegraph e no Yorkshire Observer a partir de 1911, acerca da viagem do Bradford City a Nottingham e sobre a visita de torcedores do Burnley a Bradford no sábado seguinte, é útil ao nosso debate. Estas reportagens fornecem um grau pouco usual de descrição detalhada e comentário. Estes relatos sem dúvida teriam atraído a atenção da polícia após 1965, mas à época não parecem ter atraído algo além de alguma irritação junto a pessoas de classe média e críticas moderadas da imprensa da época. Tais comportamentos incluíam derramar cerveja no bolso do casaco de um torcedor adversário, correr dentro de campo para divertir os amigos, arremessar cascas de laranja, banana e pedaços de terra sobre o mascote visitante, bagunça em restaurantes e empurrões nos transeuntes que passavam na calçada. Até onde se sabe, as únicas prisões vieram de um incidente em um pub de Nottingham onde alguns “jovens” (na verdade em torno dos 25 anos) foram presos por roubarem copos. Em nenhuma ocasião parece ter havido nenhum relato de problemas à FA. A linguagem utilizada pela imprensa é especialmente interessante. O Daily Telegraph era certamente mais crítico na sua edição de 2ª. feira do que fora na edição de sábado à tarde – sobretudo das torcedoras do Burnley. O Observer [a edição dominical do jornal liberal The Guardian] registrou a afirmativa do prefeito de Nottingham de que os eventos do sábado havia sido uma vergonha para todos os torcedores de futebol, de Bradford ou de qualquer outra cidade. Entretanto, na maior parte da sua cobertura, ambos os jornais adotaram um tom gentil, quase jovial, com o Daily Telegraph vendo “algo irresistivelmente infantil” sobre o contingente de Burnley. Como o historiador trabalhando com o registro destes incidentes na imprensa interpreta estes eventos que são hooliganismo segundo o padrão de muitas pessoas no século XX mas claramente eram uma questão menor para os contemporâneos?

- (63) Acima de tudo, por todas estas razões, medir definitivamente o problema é impossível. Talvez a melhor conclusão seja de que o hooliganismo, definido como “a explosão de violência real” não era normal, mas era bem mais frequente do que normalmente se pensa. Ademais, a maioria dos jogos transcorria em uma atmosfera bastante turbulenta e um certo grau de violência ou agressão estava sempre prestes a aflorar em jogos em que os torcedores tinham uma rivalidade forte. É perfeitamente possível que o problema do hooliganismo tivesse sido mais grave caso as circunstâncias econômicas permitissem aos torcedores viajar mais.

- (63) Provavelmente a maioria dos incidentes era deslanchada por incidentes dentro de campo ou relacionados à organização dos jogos, mas a presença de um número significativo de jovens atentos à possibilidade de se divertirem ou de uma aventura tornava as desordens mais prováveis. Nós certamente não desprezamos a possibilidade da existência de uma “sub-cultura hooligan” já nesta época. Um grupo deste tipo parecia estar ligado ao Leeds Parish Church Rugby Club. Após um incidente em 1890 quando um juiz teve que escapar da torcida da casa pulando uma cerca e pegando um barco para atravessar o rio antes de se refugiar numa casa, os dirigentes da Yorkshire Rugby Union admitiram que outros cinco juízes tinham se recusado a apitar esta partida e reconheceram que o clube tinha que lidar com torcedores particularmente difíceis. É perfeitamente possível que pesquisas de cunho local gerem documentação semelhante a respeito de clubes de futebol.

[iii] Interpreting the fan (63-72)

i. Gender (63-64)

- (63-4) Torcer para um clube de futebol claramente envolvia a construção e expressão de identidades e crenças que tinham ressonância muito além da arena esportiva. Uma função indubitável do futebol era sua capacidade de construir e articular certas noções de identidade masculina. Muito da síntese de R. Holt acerca do papel geral do esporte pode sem dúvida ser aplicado especificamente ao futebol:

O esporte sempre foi um território masculino reservado com sua própria linguagem, seus ritos de iniciação, seus modelos de verdadeira masculinidade, sua intimidade de companheirismo. Fazer amizades com outros homens e manter comunidades maiores ou menores de homens foram o objetivo primeiro do esporte. As mulheres foram banidas para as margens literal e metaforicamente, exceto por uma minoria.”

- (64) O futebol proporcionava um local aonde os homens podiam escapar das obrigações domésticas e familiares, uma fuga que, por conta dos imperativos econômicos que ela salientava, ajudava a definir o seu status como o cabeça da família. Dava a eles uma linguagem, um dialeto que poderia ser utilizado astuciosamente para excluir as mulheres ou até mesmo os homens alheios às atrações do jogo. Também fornecia assunto de conversa para cimentar as relações entre os homens que caso contrário teriam pouco em que se basear, e que ofereciam uma distração útil em relação aos temas emocionais, sociais e políticos, bem mais problemáticos.

ii. Place (64-68)

- (64) Uma segunda contribuição importante para a identidade social derivava do papel central do futebol em modelar as afiliações à localidade e à região, um tema que só recentemente começou a receber a devida atenção por parte dos historiadores. O futebol confirmava o sentimento de “ser de Bolton ou Blackburn, Bury ou Sheffield”. A ênfase de Holt na capacidade do futebol de fornecer “cidadania simbólica”, um sentimento de pertencimento a uma comunidade que não era mais facil de conhecer e manejar, é especialmente útil neste ponto. “Em um mundo em que a produção industrial e a vida urbana cortaram os vínculos com a vida mais íntima e humana do passado... torcer por um time de futebol oferecia um sentimento tranquilizador de ser parte de algo mesmo que a multidão em si mesma fosse composta por pessoas em sua maioria estranhas umas às outras.”

- (64-5) Tudo isto nos leva para o instigante território da “comunidade imaginada”, onde noções idealizadas de comunidade produziam poderosos mitos através dos quais as pessoas expressavam suas esperanças e aspirações. Em um ensaio original focado no norte da Inglaterra, Jeffrey Hill mostrou que a celebração dos feitos esportivos, especialmente da forma que era estruturada pela imprensa local, continha um elemento muito poderoso de profecia que se auto-cumpre. Isso era evidente, por exemplo, quando jornais descreviam a multidão recepcionando os times que haviam vencido copas como se esta representasse essencialmente uma única comunidade. Este quadro generalizava uma imagem da comunidade que parecia buscar esconder as desarmonias realmente existentes no interior da mesma.

- (65) Aceitar o argumento de Hill não significa aceitar que as formas de consciência territorial fossem meras invenções. Os mitos que as sustentavam eram enraizados em uma experiência histórica vivida. Entretanto o simbólico aqui deve ser tão levado em conta quanto o “real”. Muito do que veremos a seguir estará em um nível meramente descritivo. Os historiadores futuros devem procurar explorar estas idéias e, em particular, examinar as maneiras pelas quais os diferentes grupos manipulavam estas linguagens para obter benefícios sociais e políticos.

- (65) O sentimento de orgulho local, cívico, nunca era mais intensa e graficamente expressado do que em celebrações após vitórias na FL e na FA Cup, ironicamente, tão frequentemente alcançadas através de jogadores sem nenhuma conexão local. O padrão da celebração cívica já estava bem estabelecido por volta do fim de 1880 e continuou assim até a década de 1960, pelo menos. Os ingredientes centrais, quase lugares-comuns do repertório cívico, envolviam a recepção triunfal da equipe na estação de trem, geralmente com uma banda ou mais tocando “Vejam o retorno do herói conquistador” de Handel, um desfile pela cidade e, finalmente, um jantar público em que dignatários cívicos agradeciam ao time por trazer tal honra para a comunidade. Conseguia-se mobilizar grandes multidões representando uma amostra significativa da população local nestas ocasiões.

- (65-6) Alcançar um nível de sucesso necessário para ativar uma celebração deste tipo era algo que muitos times não conseguiam e cabia à imprensa local a tarefa cotidiana de estimular o patriotismo cívico esportivo. Isto podia ser conseguido de várias formas além de meramente exaltar o sucesso local. Feitos de cidades locais podiam ser menosprezados. Da mesma forma, os jornais locais sempre eram ansiosos defensores da honra dos representantes locais, como o Preston Herald em 1895, que depois da derrota para o Millwall por 9x1, defende os jogadores de acusações de embriaguês dizendo que eles estavam cansados da viagem, sem falar na violência do Millwall e na má arbitragem que teria sido responsável por pelo menos quatro gols.

- (66-7) Muito do que se disse é especialmente relevante para pequenas cidades em que um único clube emergia como uma força dominante por volta da década de 1880 e assim tornava-se o representante externo da cidade. As questões eram mais complicadas nas grandes cidades. Por volta de 1914, é claro que Londres, mas também Birmingham, Bradford, Bristol, Liverpool, Manchester, Nottingham, Sheffield e as Potteries [Stoke City] eram todas comunidades potencialmente tão divididas quanto unidas pelo futebol. Nestas parece que fatores geográficos e organizacionais, mais do que sociais, políticos ou culturais, estruturavam os padrões de escolha dos torcedores. Em Bristol, p.ex., o Bristol City era basicamente um clube da parte sul da cidade enquanto o Bristol Rovers (então fora da FL) era um clube da parte nordeste. Mesmo em Liverpool não há fundamento na hipótese de que a rivalidade Liverpool x Everton fosse baseada em uma oposição religiosa e sim na saída do Everton de Anfield e na criação do LFC por John Houlding, proprietário do campo. Nem tampouco há diferença social entre os torcedores de Liverpool e Everton.

- (67) Todavia, mesmo em cidades onde as lealdades eram apaixonadamente divididas, um forte sentido cívico ainda poderia ocorrer, como em 1906 em que um jornal de Liverpool celebra a conquista da FL pelo Liverpool e da FA Cup pelo Everton com um cartum em que os capitães dos dois clubes estão de braços dados.

- (67) Mas nem sempre o nascimento em um local determinava torcer para um determinado clube. A adesão à equipe local tornou-se bem menos importante a partir da década de 1960, mas é possível que já no início do século XX alguns indivíduos optassem por ignorar os laços locais. A preferência por uma equipe vizinha vencedora sobre um modesto time local pode ter motivado esse tipo de coisa. A oportunidade de torcer por um “grande” time ao invés de ou ao mesmo tempo que um time local era maior em Londres, onde o Chelsea, talvez o Tottenham e no final do período o Arsenal foram protótipos dos times atraentes que surgiram após a década de 1960.

- (67) Em 1913 o Arsenal mudou-se para Islington não somente para ligar o clube a uma base de apoio mais ampla representada pelas comunidades de classe trabalhadora do norte de Londres, mas também por conta da proximidade de estações de metrô ampliando a base de apoio ao clube.

- (67) O Chelsea foi um clube “inventado”, tendo entrado na liga antes de reunir um time. Sua grande vantagem residia no grande estádio de Stamford Bridge, o qual, embora situado em uma área já servida pelo Fulham, tinha sua entrada principal perto de uma estação de trem e podia, da mesma forma que o Arsenal, atrair torcedores bem longe da área próxima. O grande público atraído pelo clube que assinalamos no capítulo anterior é presumivelmente em parte explicado por isso.

- (68) O patriotismo local podia, é claro, agir como um ponto de partida para a construção de lealdades e afiliações mais amplas. Embora a identificação com a localidade imediata exercesse a influência mais forte, as rivalidades locais eram frequentemente suspensas ou ignoradas o suficiente para permitir a emergência de vários tipos de identidade regional. No momento, a maior parte do que conhecemos diz respeito à chamada divisão “norte-sul”. A dominação da FA Cup por times do norte da Inglaterra levava à invasão quase anual de Londres por torcedores nortistas, permitindo que os jornalistas dessem vazão à discussão das supostas diferenças entre os mal definidos norte e sul. Estas diferenças há muito que estavam estabelecidas nas representações culturais populares.

- (68) Os escritores do norte sublinhavam o complexo de superioridade, o esnobismo e o grande contraste entre riqueza e pobreza existentes no sul, comparando-os com a decência, simplicidade, a curiosidade e bom senso que atribuíam a seus conterrâneos.

- (68) A mais famosa descrição dos nortistas feita no sul é do Pall Mall Gazette em 1884, referindo-se aos torcedores do Blackburn Rovers: “uma incursão de bárbaros do norte... lancastrianos de sangue quente, línguas afiadas, rudes e prontos pra briga, de deselegante aspecto e fala. Uma tribo de árabes sudaneses a vagar pelo centro de Londres não atrairia mais curiosidade nem divertiria mais.” Esta descrição, na verdade escrita pelo filho de um dirigente do Rovers, não se sabe se para se vingar do seu pai ou da sua cidade natal, é um exagero útil da visão do senso comum acerca dos provincianos em geral e dos nortistas em particular, fossem ou não torcedores de futebol.

- (68) Os torcedores do norte contra-atacavam com seus próprios mitos. Um dizia respeito à maior “disposição” [hardness, literalmente resistência, dureza] dos times do norte, uma extensão da crença comumente expressa na cultura popular do norte na superioridade inata de áreas onde a riqueza era criada por trabalho “real” (i.e. de natureza física) ao invés de seja lá qual fosse o empreendimento invisível que tornava o sul tão rico.

- (69) Havia também a crença entre os torcedores nortistas e principalmente entre os do nordeste de que eles eram mais apaixonados e tinham maior conhecimento de futebol do que os torcedores do sul.

- (69) Afirmativas deste tipo, logicamente, são impossíveis de serem testadas de alguma forma concreta. Seja lá qual fosse a realidade, estes mitos deveriam despertar a atenção dos historiadores, pois fornecem importantes exemplos de como a Inglaterra provincial expressava sua oposição ao sul, à capital em particular, através do recurso ao terreno simbólico do esporte e da cultura.

- (69) O estudo da identidade regional ainda está na sua relativa infância e é importante reconhecer que um conjunto de atitudes, ao invés de uma atitude única poderiam ser expressadas. Identidades regionais mais restritas e identidades de classe mais amplas coexistiam de maneiras muito interessantes.

iii. Class (69-72)

- (69) Enquanto os historiadores estão amplamente de acordo com a capacidade do futebol de construir identidades relacionadas ao gênero e à geografia, houve bem menos acordo quando examinam o papel do jogo em refletir e construir a consciência de classe. O principal foco tem sido a natureza da auto-expressão e identidade própria da classe trabalhadora, uma questão central para historiadores sociais nas últimas três décadas.

- (69-70) Correndo o risco de simplificar o debate, de um lado temos escritores que argumentam que o futebol estava essencialmente nas mãos da classe dominante, conhecedora e manipuladora, que controlava o jogo segundo seus próprios interesses, portanto negando autoridade à classe trabalhadora tanto no contexto esportivo quanto no contexto social mais amplo.

- (70) Tischler, baseado em Jean-Marie Brohm (para quem o esporte espetáculo é uma forma de absorver e neutralizar tensões sociais), alega que o futebol comercial-profissional, assim como outras atividades controladas e financiadas pela burguesia, criava uma válvula de escape que liberava as tensões geradas pelo capitalismo industrial, sem ameaçar a manutenção das estruturas da sociedade. Ele até mesmo é contra a designação do futebol como um esporte da classe trabalhadora.

- (70) Outros autores, por sua vez, não ligados ao marxismo, afirmaram que o jogo foi, até certo ponto, apropriado pela torcedores de classe trabalhadora, que impuseram a ele sua própria visão de mundo. Desta maneira, eles evitaram o triunfo das ambições da classe dominante e talvez ainda tenham aguçado seu sentido de identidade de classe e de interesses de classe. Stephen Jones, p. ex., sublinhava a capacidade de pensamento e ação independentes da classe trabalhadora, argumentando que na esfera do lazer popular os trabalhadores “não eram cordeiros a serem sacrificados pela dominação e pela iniciativa capitalistas... o proletariado, em suma, descobriu no esporte possibilidades para atingir e fazer avançar seus próprios interesses.

- (70-1)De maneira semelhante, o sociólogo John Hargreaves, em última instância percebendo o futebol como dominado pela burguesia enfatizou a maneira pelq qual os torcedores de classe trabalhadora investiram o jogo com seu próprio caráter e transformaram-no de certa maneira em um veículo de expressão de valores opostos aos da tradição atlética burguesa. Particularmente, sublinha: a torcida apaixonada, a obsessão pela vitória, a suspeita e geralmente o desdém pela autoridade constituída, a ausência de respeito às regras oficiais, a solidariedade mútua como a base do trabalho de equipe, a preferência por recompensas monetárias aos esforços e um hedonista elemento festivo “vulgar”.

- (71) Avaliação do autor: Embora possamos questionar até que ponto algumas destas características eram especificamente da classe trabalhadora, este argumento tem algo de verdadeiro. A nova cultura do público de massa rejeitara muito da ideologia basicamente de classe média que orientara a revolução esportiva de meados do século XIX. A classe trabalhadora inegavelmente pegou aquilo que tinha sido pensado como uma escola de instrução moral e o transformou em um teatro popular.

- (71) Embora tal ação, consciente ou não, possa ser vista como tendo até certo ponto negado as ambições ideológicas da elite, não é claro até que ponto isto representa uma vitória popular da escala que é implicada em alguns relatos. A mudança no sentido de interpretar a cultura popular como um espaço de “resistência” da classe trabalhadora ao controle ideológico dos grupos dominantes tem sido uma excitante e importante tendência no interior da História Social desde 1970. Contudo, há sempre o perigo de que esta interpretação vá muito longe e que, nas palavras de um crítico, nós sejamos levados a investir as ações dos praticantes da cultura popular de um poder ou de um conhecimento excessivos.

- (71) Focando por um momento puramente as relações de poder no interior do futebol, embora as classes trabalhadoras houvessem conseguido se impor, elas exerciam pouco controle real sobre o jogo. Podiam exercer influência (p.ex. rebelando-se contra o preço dos ingressos em 1909 em Leicester), mas normalmente os torcedores sequer eram consultados, e não há muitas evidências de que o quisessem. Os torcedores parecem ter sido bastante passivos. Enquanto autores como Tischler certamente subestimam a capacidade popular de ação e pensamento independentes, eles estão certos ao perceber que o poder do esporte estava em mãos sobretudo burguesas.

- (71-2) Ampliando o debate para a arena social mais ampla, é claro que é extremamente difícil estabelecer vínculos diretos entre o esporte e a cultura popular. Nós podemos especular – e devemos fazê-lo – mas é praticamente impossível encontrar documentação.

- (72) É difícil discordar do comentário de Mason de que o futebol ajudava os indivíduos a se localizarem no interior dos grupos sociais e que, por volta de 1914, jogar e assistir ao jogo havia se transformado em uma dessas coisas que os trabalhadores fazem. Neste sentido, talvez o jogo ajudasse a modelar um sentimento de classe, mas não necessariamente um que se traduzisse em um determinado programa político ou que demonstrasse uma hostilidade frente a outros grupos. O futebol, então, talvez gerasse uma consciência de classe mais do que uma consciência classista. Além disso é difícil afirmar.

- (72) Como é geralmente o caso com este tipo de debate, o mesmo tipo de material pode servir de suporte a teses opostas. O barulho e a festa dos terraces podem, por exemplo, ser vistos como prova do controle popular do jogo, da autonomia e da resistência da classe trabalhadora, mas podem igualmente ser vistos como fornecendo uma válvula de escape que permitia o gasto de energias que poderiam ser direcionadas ao radicalismo político e sindical. Na verdade, poder-se-ia até argumentar que servia a estes dois propósitos ao mesmo tempo. Na verdade, a interpretação vai depender grandemente da postura política de cada historiador.

[iv] Football and its place in society (72-75)

- (72) Qual a posição ocupada pelo futebol profissional na vida nacional inglesa em 1914? O quão ‘respeitável’ o jogo havia se tornado e quão seguro era seu lugar na cultura nacional?

- (72) O futebol, e na verdade a cultura popular em geral, eram em muitos sentidos um alvo fácil, sendo culpados por muita coisa. As igrejas, lutando para manter seu rebanho em meio a uma época tumultuada para a religião organizada, bem como os partidos e as organizações políticas, especialmente as de esquerda, eram uma fonte notável de reclamações contra o esporte. A competição pelo público estava na origem da questão, é claro. Como já foi notado, muitos que pertenciam a grupos esquerdistas acreditavam que o esporte era um elemento de alienação, afastando os torcedores do caminho político, enquanto os porta-vozes da igreja viam nele características contrárias aos objetivos e prioridades cristãs. Em 1900 um pastor congregacional de Bournemouth expressou esta visão ao dizer que “para ele o profissional de futebol era uma monstruosidade. Deus não havia criado a vida para ser gasta chutando uma bola de couro por aí. Era uma perversão do sentido divino da vida.” [J]

- (73) Mais críticas eram feitas por aqueles preocupados com a boa forma da raça imperial, um tema de debate nacional no fim do s. XIX e início do XX. Criticava-se sobretudo o fato da maioria somente assistir ao invés de praticar o jogo. A extrema direita, por sua vez, criticava em geral aquilo que chamamos hoje de “cultura de massa”: o music hall, o cinema em seus primórdios e a literatura eram criticados da mesma maneira e geralmente ao mesmo tempo em que o futebol.

- (73) O problema para o historiador, todavia, é determinar até que ponto estas críticas eram típicas. Seria preciso submeter as fontes à crítica, fazendo uma análise de conteúdo detalhada de uma ampla gama de jornais da época para testar essa tendência anti-futebol. Muitas vezes as fontes são analisadas apenas parcialmente.

- (74) Em uma análise final, certamente a partir do século XX o nível de apoio ao jogo entre as diferentes classes sociais é mais forte do que o nível de hostilidade. Ironicamente, provas escritas detalhadas disso são mais difíceis de achar do que as que demonstram hostilidade. Como sempre, as maiorias silenciosas são mais difíceis de achar do que as minorias barulhentas. Em geral, os que apoiavam o jogo nas classes “respeitáveis” ofereciam apoio sobretudo através de ações do que palavras; afinal, o futebol não poderia ter atingido o nível de atenção pública que conseguiu sem um apoio significativo junto às classes média e alta.

- (74) Como já notamos, políticos locais e nacionais estavam cada vez mais ansiosos para se associarem ao sucesso futebolístico. Os empregadores ajudavam ativamente dando permissão aos jogadores semi-profissionais para que treinassem ou jogassem. Em certas ocasiões, as fábricas eram fechadas para permitir o comparecimento da torcida em jogos cruciais, normalmente partidas de desempate em confrontos da Copa da Inglaterra jogados durante a semana. Tais ações podem ter sido um reconhecimento defensivo e relutante da ameaça do absenteísmo em massa encapsulada no presumido slogan dos torcedores, “se o seu trabalho interfere com o futebol, abandone o trabalho”, mas é bem possível que os empregadores compartilhassem o sentimento da importância do jogo.

- (74) Outra prova da importância do futebol é fornecida pelo fato de que, talvez pela 1ª. vez, os industriais e homens de negócios do norte ao menos podiam ser celebrados por sua contribuição esportiva ao menos no mesmo grau que por sua carreira política ou comercial. O maior feito do futebol ocorreu em 1914, quando o rei Jorge V esteve presente à final da FA Cup, a primeira vez em que o evento era dignificado com a visita oficial de um membro da realeza. Embora não fosse adepto do futebol, o rei e seus conselheiros foram todavia astutos o suficiente para perceber que a monarquia, ao abraçar, mesmo que levemente, a cultura popular, fazia algo bastante recomendável para o propósito de firmar uma prática “democrática”. Sua visita teria sido impossível se o lugar do futebol na sociedade não estivesse garantido.

- (75) Poucos meses depois o jogo enfrentou seu mais sério teste com a irrupção da I GM em setembro de 1914. A Rugby Football Union suspendeu a nova temporada quase imediatamente. A temporada de cricket havia praticamente terminado. A FL e a FA, todavia, continuaram, levando a acusações de comportamento anti-patriótico em um momento de crise nacional. Alguns críticos se apressaram em atacar o futebol e o escândalo de um jogo Liverpool-Manchester com resultado arranjado por pelo menos 4 jogadores em abril de 1915 não ajudou nem um pouco.

- (75) Todavia, embora a campanha anti-futebol tenha sido poderosa, ela pareceu restringir-se essencialmente ao sul da Inglaterra. Novamente as narrativas norte-sul, professional-amador pareciam emergir. Os que atacavam o futebol ignoravam propositalmente os muitos serviços prestados pelo jogo aos esforços de guerra. Os jogadores de futebol agiram como oficiais de recrutamento, através do exemplo e da exortação e os estádios foram utilizados como centros de recrutamento em dias de jogo. No final da temporada de 1915, a virtude patriótica, combinada com uma séria queda nas bilheterias causada pela guerra, levou à suspensão do campeonato da FL, e à improvisação de uma competição regional que seria a única forma de futebol profissional até 1919. A campanha contra o futebol profissional tinha tido algum sucesso, com um certo número de escolas de 2º. Grau passando-se para o Rugby Union durante e depois da guerra em reconhecimento à postura patriótica dos seus dirigentes em 1914. Mas o futebol sobreviveu ao teste. Ele estava por demais enraizado para ser enfraquecido significativamente por inimigos ativos, poderosos, mas na verdade bastante isolados.

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