terça-feira, 23 de setembro de 2008

Esquema do texto 8: Russell, capítulo 4 (completo)

Esquema de

RUSSELL,Dave

(1997) Football and the English – A social history of Association Football in England, 1863-1915. Preston: Carnegie Publishing. Capítulo 4: Football, Economy and Society, 1919-1939. pp. 76-102.

[i] Prólogo – a situação econômica (76-77):

- (76) O problema da periodização se coloca para todos os historiadores, inclusive os do futebol. Embora o período entre-guerras, que vai da retomada do League football (i.e. campeonato da FL) até a sua suspensão novamente em setembro 1939 pareça proporcionar marcos precisos, houve mudanças importantes no início da década de 30 e o período foi extremamente complexo em termos do contexto social e econômico mais amplo.

- (76) Este capítulo trata principalmente das mudanças na maneira pela qual o futebol era jogado e administrado e na relação com padrões mais amplos de mudança econômica e social. É preciso começar com uma breve síntese do clima e da estrutura da economia. É um período marcado na memória da população pelo desemprego. Houve realmente uma queda significativa a partir de 1920 e entre 1921-39 a taxa de desemprego era de 14%, atingindo em 1932 o pico de 22%. O número de desempregados raramente era menor do que um milhão na década de 1920 e nunca menor do que isso na década de 1930.

- (76) Tais dados, entretanto, mostram apenas parte do quadro. Embora quase todas as partes do país tenham experimentado dificuldades no auge da depressão no início da década de 1930, a atividade econômica apresentava grandes variações em termos regionais e ocupacionais. Algumas indústrias, como a automobilística e a de produtos elétricos, prosperaram, enquanto as indústrias mais antigas, pesadas e voltadas para a exportação, como a do carvão e do algodão, passaram por dificuldades.

- (76-7) Muitas regiões da Inglaterra prosperaram durante este período e mesmo em regiões mais vulneráveis algumas cidades, como Consett e Halifax, escaparam grandemente do desemprego agudo por conta de características especiais da economia local. O resultado foi uma prosperidade crescente para muitos. O valor real dos salários subiu cerca de um terço no período entre 1913-1939, sendo o aumento quase contínuo a partir de 1929. Ao mesmo tempo, a oportunidade de utilizar este aumento de recursos foi muito aumentada por uma queda no número de horas trabalhadas por semana, que passou de uma média de 54 horas antes de 1914 para 48 em 1939.

- (77) E pela melhora no transporte: o número de milhas viajadas por passageiro em ônibus multiplicou-se por seis entre 1919-39.

- (77) Esta ênfase na melhora material não deve nos levar a ignorar os problemas reais e as tragédias do período. O clima geral, todavia, era propício ao crescimento contínuo das indústrias do lazer e dos bens de consumo, e o futebol beneficiou-se bastante disso, assim como muitas outras áreas da vida social, como a imprensa popular, o cinema, com os quais ele cresceu em uma simbiose mutuamente estimulante.

- (77) Na prosperidade do após-guerra, a FL sentiu-se confiante o suficiente para iniciar um ambicioso programa de expansão. Em 1919, as duas divisões foram aumentadas de 20 para 22 clubes. Então, em 1920, foi criada uma 3ª. divisão, incorporando 22 clubes provenientes da Southern League.

- (77) Houve uma preocupação inicial em termos de saber se o futebol do norte era suficientemente forte economicamente para participar deste processo, mas em 1921 foi criada uma subdivisão norte da 3ª. divisão com 20 fortes clubes.

- (77) No período como um todo, a média de público dos jogos da 1ª. divisão aumentou de 23.115 em 1913-4 para 30.659 em 1938-9. Podemos dizer que tanto o cinema quanto o futebol eram o hábito social essencial daquele tempo.

[ii] Lucky Arsenal: the rise of southern football? (77-84)

- (77) Ao mesmo tempo em que muitos indivíduos expressavam a preocupação de que a expansão da FL fosse enfraquecer sua qualidade, agora pelo menos seus dirigentes podiam realmente afirmar que ela era uma entidade nacional. Por volta de 1921, a maioria das cidades de algum porte tinham um clube na FL e apenas muito poucos condados, em sua maioria rurais, não tinham nenhum representante.

- (77) Na verdade, a liga era mais do que uma entidade inglesa, com seis clubes galeses entrando na FL entre 1920-1.

- (77-8) Em termos da rivalidade com o rugby, sobretudo com a Northern Union [profissional], os tempos da “colonização” haviam terminado, pois por volta de 1920 os padrões de preferência esportiva estavam bem solidificados e em algumas áreas (distrito produtor de lã de Yorkshire, sudoeste do Lancashire, Cumberland e Cornwall) o futebol tinha que se contentar com o 2º. Lugar.

- (78-9) Muitos estudiosos do jogo costumam afirmar que neste período a “geografia social” do jogo teria mudado radicalmente com a ascensão de clubes do sul e das Midlands em detrimento dos clubes mais tradicionais do norte, sobretudo a partir da década de 1930, quando os clubes do sul teriam dominado o futebol profissional pela primeira vez.

- (79) O autor acha que o quadro é mais complexo (ver Table 1, p.79) e a partir da tabela acha que em termos de localização geográfica dos times da FL as mudanças foram no máximo modestas.

- (79-80) Começando a análise pelos clubes das Midlands, alguns deles, especialmente aqueles de cidades com desemprego menor do que a média, experimentaram uma melhora nas suas performances neste período: Leicester em 2º. em 1929; Derby 6 vezes entre os 6 primeiros entre 1929-30 e 1938-9 e em 2º. em 1930 e 1936; Wolverhampton Wanderers em 2º. nas duas temporadas que antecederam a II GM. Entretanto, só o West Bromwich (1920) ganhou um campeonato e só este clube (1931) e o Aston Villa (1920) ganharam uma FA Cup. E dos 7 clubes das Midlands que competiram na 1ª. div. na déc. 1930, somente o Derby e o W.Wanderers experimentaram algum sucesso, a maioria dos outros frequentando a parte de baixo da tabela. O Villa era um dos clubes com maior público do país e a maioria dos clubes contou com bons públicos durante suas fases de relativo sucesso. Todavia, alguns clubes das Midlands tinham um público menor do seria esperar tendo em vista seus resultados ou a força econômica da cidade em que estavam localizados, como é o caso de Derby. Ou seja, o autor avalia que como um todo os clubes das Midlands nem melhoraram nem pioraram neste período, ficaram na mesma.

- (80) Há mais provas, na verdade, de uma ascensão do futebol do sul, tanto em termos do aumento de público quanto em termos do sucesso dentro de campo.

- (80) A performance do Arsenal na década de 1930 foi notável. Em 1901, a conquista da FA Cup pelo Tottenham foi a única vitória de um clube do sul até 1930. Isso mudou dramaticamente com cinco campeonatos da liga conquistados pelo Arsenal entre 1931-8, incluindo um tri-campeonato em 1933-35 e a FA Cup em 1930 e 1936. Os jogadores do Arsenal também deram contribuições importantes à seleção inglesa. E a equipe teve o melhor público em 9 temporadas consecutivas entre 1929-30 e 1937-8; em 1934-5, sua média foi de 46.252, 11.500 mais alta do que a do 2º. colocado.

- (80) O bom olho para a publicidade de Herbert Chapman e do seu sucessor George Allison permitiu ao clube ter uma exposição junto à opinião pública a um ponto desconhecido até então.

- (80) Outros clubes do sul também foram bem sucedidos: dois clubes londrinos, Brentford e Charlton que haviam entrado na 3ª. div. da FL na década de 20, chegaram à 1ª. divisão em meados da déc 30 e tiveram sucesso imediato. E o Portsmouth venceu a FA Cup em 1939.

- (80-1) Todavia, pelo menos em dois pontos esta ênfase no sucesso dos clubes do sul e no concomitante “declínio” dos clubes do norte levou a uma narrativa errônea. Primeiramente, a ênfase no sucesso dos clubes do sul após 1919 tende a menosprezar a força que já possuíam entre 1900-14. Embora não muito vitoriosos dentro de campo, futebol no sul gozava de boa saúde. Chelsea e Tottenham detinham alguns dos melhores públicos da FL e a Southern League tinha equipes de qualidade respeitável, geralmente angariando uma forte torcida. O principal é que o contraste entre o período pré-I GM e entre-guerras é menos dramático do que normalmente é sugerido: o período entre-guerras deve ser visto como parte de uma trajetória de crescimento de longo prazo.

- (81-2) A segunda questão é que o termo “a ascensão do futebol do sul”, pelo menos em termos de sucesso dentro de campo, deveria ser substituído pela “ascensão do Arsenal”. A performance dos clubes do sul é bastante modesta se subtrairmos os resultados do Arsenal. Ademais, alguns clubes do sul experimentaram períodos difíceis, não só por questões propriamente esportivas, mas também por causa de problemas econômicos da mesma forma que clubes das cidades do norte. Os Spurs caíram para a 2ª. div em 1927-28 e novamente em 1934-5; o West Ham em 1931-2 (só voltou em 1958); o Chelsea ficou no 13º. lugar em média nas 15 temporadas que passou na 1ª. divisão. E mais pra baixo, só 3 dos 15 clubes que foram promovidos da 3ª. div sul entre 1921-38 conseguiram chegar à 1ª. divisão.

- (82) O que se quer dizer com isto é que as áreas “tradicionais” eram extremamente resistentes. Mesmo com as dificuldades econômicas da década de 1930, os clubes do norte conseguiram 6 FA Cups e 4 títulos da liga (dois do Everton, um do Sunderland, um do M. City) interrompendo a série vitoriosa do Arsenal. E em termos de público também resistiram: ainda em 1938-9, só 7 dos 20 melhores clubes em termos de média de público eram do sul. Não foi somente bem depois da II GM que ocorreu uma mudança significativa na balança de poder e mesmo assim pode ter sido bem menos dramática do que se pensa normalmente.

- (82) Em termos da relação entre a saúde econômica e o sucesso esportivo, no pior momento da Depressão, no início da déc 1930, a maioria dos clubes sofreu uma queda na bilheteria e, portanto, diferentes graus de dificuldade financeira. A média de público da 1ª. divisão caiu de cerca de 26 mil em 1927-8 para cerca de 22 mil em 1932-3.

- (82-3) Os problemas eram graves sobretudo nas cidades apoiadas em uma só indústria em que tinha havido problema de desemprego, p.ex. em Blackburn, em Middlesbrough, em Swindon.

- (83) Eventualmente o público ainda podia ser atraído para certos jogos-chave e houve clubes como o Sunderland que conseguiam manter um bom público mesmo estando em uma área pesadamente afetada pelo desemprego (48%), superando áreas com menos problemas como Sheffield (34% de desemprego). Talvez fatores não-quantificáveis tenham entrado em cena, como a suposta paixão inigualável do nordeste da Inglaterra pelo futebol.

- (83) Qual o impacto do econômico sobre o sucesso esportivo? Em alguns casos, foi a queda de renda por causa do desemprego que levou à saída da FL (Aberdare, Durham, Ashington, Merthyr, Nelson e Wigan). Deve-se salientar que muitas dessas cidades tinham populações tão pequenas tornando-as muito vulneráveis à crise financeira. Mas times maiores também enfrentavam esse problema: o West Ham foi rebaixado em 1932, o Newcastle e o Sheffield United em 1933 e o Blackburn em 1935, em parte devido à redução da capacidade econômica causada pela queda da bilheteria por um bom período.

- (83-4) Todavia, a correspondência entre os dois fatores nunca foi precisa. O Everton conquistou o título em 1931 e 1939 e a FA Cup em 1933 em meio a um ambiente de desemprego bem acima da média nacional. Da mesma forma o Sunderland, que foi campeão em 1935 e da FA Cup em 1937 com uma média de desemprego duas vezes e meia maior do que a média nacional.

- (84) A temporada 1938-9 quase produziu uma relação inversa entre a situação econômica e o sucesso esportivo. Os campeões das 4 divisões, Everton, Blackburn, Barnsley e Newport, estavam todos situados em cidades enfrentando taxas de desemprego entre 20 e 30 por cento, à época em que a média nacional estava abaixo de 12%. Ao mesmo tempo, Leicester e Birmingham, ambos desfrutando de uma taxa de desemprego abaixo da média nacional, foram rebaixados para a 2ª. divisão.

- (83) Como a performance do Arsenal demonstrou, a prosperidade era uma grande vantagem. Certamente não garantia o sucesso, entretanto, e a falta de prosperidade não necessariamente impedia o sucesso. O teto salarial, por pior que fosse, e a despeito das inúmeras formas pelas quais era driblado, fornecia alguma proteção aos clubes em áreas problemáticas, bem como a pura e simples lealdade dos torcedores. Os resultados obtidos por um clube eram geralmente ligados à possibilidade de se apoiar em uma base populacional substancial, boa administração de recursos escassos e boa utilização dos jogadores necessários àquele trabalho, mais do que ao peso das forças econômicas e sociais.

[iii] The Game (84-88)

- (84-5) Sem dúvida a modificação mais importante das regras do jogo foi a alteração da lei do impedimento em 1925. Antes o jogador tinha que ter três adversários entre ele e o gol para estar em condição legal. Gradualmente desenvolvera-se uma “tática do impedimento”, em que um dos full-backs avançava para deixar o atacante impedido. Este recurso levou a uma diminuição dos gols marcados e a um aumento das interrupções enfraquecendo o espetáculo. Em 1925 a FA alterou a lei reduzindo para dois o número de adversários entre o atacante e o gol no momento do passe. O efeito foi imediato: o número de gols na temporada aumentou de 4.700 para 6.373.

- (85) É claro que logo surgiram táticas para contrabalançar esta nova vantagem dos atacantes: o centre half, até então utilizado bastante como um atacante, começou a fixar-se mais como defensor, recebendo o nome de “stopper”. Isto foi combinado com a utilização de um homem de ligação no meio de campo, responsável por buscar a bola junto ao stopper e levá-la até o ataque. A nova formação foi chamada de “M/W”, com a defesa e o ataque se alinhando como os pontos dessas letras. Embora ninguém possa ser visto como o inventor desta nova formação, normalmente ela é associada com o Arsenal, que aperfeiçoou o novo esquema na década de 1930.

- (85) A mudança na regra e as táticas utilizadas para contrabalançá-la, o que parece, tornaram o jogo mais rápido, encorajando os lançamentos longos ao invés do lento e metódico método do período anterior; a bola longa rápida lançada no campo do adversário dava a máxima vantagem aos atacantes segundo as novas regras. Claro que as defesas aos poucos melhoram, com a utilização do stopper e com o desenvolvimento de novas táticas de impedimento. Por volta de 1937-8, o número de gols marcados por jogo havia caído para menos de três pela primeira vez desde 1924-5.

- (85-6) Outras interessantes táticas e mudanças menores da regra ocorreram neste período. Uma delas foi o arremesso lateral longo, ao que parece desenvolvido nos anos 20 por Arthur Grimsell do Tottenham Hotspurs. Em 1924 passou-se a aceitar gols marcados diretamente da cobrança de corner [mais tarde “gol olímpico”]. Depois que um jogador do Everton, em 1925, marca um gol depois de vir driblando do corner sem passar a bola a ninguém, na temporada seguinte as autoridades proibem isso obrigando o batedor do corner a bater direto ou passar a bola. A partir de 1929 os goleiros (ao menos em teoria) passaram a ser obrigados a ficar parados à espera da cobrança do pênalti, só podendo mover-se depois do atacante bater na bola. E em 1939 a numeração das camisas tornou-se obrigatória.

- (86-7) Provavelmente o jogo não era tão físico quanto fora nas décadas de 1880-90. Apesar disso, a maioria das equipes tinha ao menos um homem duro, o killer (matador) como era chamado à época, nenhum mais famoso do que Frank Barson do Aston Villa, que conseguiu ser expulso do jogo em sua homenagem. Em algumas ocasiões a intimidação física era adotada como tática para enfrentar adversários superiores. Os jogadores do Portsmouth, por exemplo, eram famosos por esquecerem da bola e irem no adversário.

- (87) Alguns clubes tinham fama de jogarem duro, como o Wolverhampton Wolves de 1936-7, com 15 jogadores tendo sido advertidos (de um total de 17 na liga toda). Curiosamente, os times das divisões inferiores recebiam menos advertências do que os das duas primeiras divisões.

- (87-8) O autor acredita que o grau de preocupação com o excesso de faltas pesadas era aumentado por um contexto político em que a militância sindical era bastante atuante e havia um debate público aceso acerca de uma suposta diminuição da disciplina entre a classe trabalhadora. Nesses momentos, talvez os jogadores de futebol estivessem sob uma vigilância mais estrita e as reclamações contra a falta de pulso dos árbitros pode denotar a visão dos mesmos enquanto guardiões dos padrões públicos em tempos problemáticos.

[iv] Managing the game (88-91)

- (88) O “secretary-manager” (lit. Secretário-administrador)começou a se estabelecer no futebol por volta de 1900 à medida em que o jogo profissional gerava mais tarefas para os clubes. De início a maioria deles executava tarefas de administração e eram totalmente subservientes aos diretores. Aos poucos, no entre-guerras e sobretudo na década de 1930, esse relacionamento começa a mudar, o que levaria aos poucos o manager a ser o responsável pela contratação, escalação e treinamento dos jogadores. Ao mesmo tempo, a percepção pública do papel dos managers começa a se transformar, à medida em que a imprensa, em parte refletindo e em parte ajudando a construir a realidade, começa a falar dos clubes a partir da atividade dos managers [o que o manager disse, qual vai ser a tática, quem ele está querendo contratar etc].

- (88) Os dois nomes mais associados a esta mudança são Herbert Chapman (Arsenal) e o Major Frnck Buckley (Wolverhampton Wanderers), ambos protótipos do manager profissional “tecnocrata”. Chapman, depois de levar o Huddersfield a ser tri-campeão em 1924-25-26, levou o Arsenal a vencer a FA Cup em 1930 e a liga em 1931 e 33, tendo morrido de pneumonia quando o clube estava a meio-caminho de conquistar um outro título da liga. Buckley, manager a partir de 1927, não conseguiu levar o Wolves [apelido do Wolverhampton Wanderers] ao título, mas fez dele um time bem sucedido e muito falado.

- (88-9) N. Fishwick assinalou que os managers conseguiram mais poder em clubes onde os diretores não tinham uma tradição de grande envolvimento, ou onde o clube estava no meio de uma crise durante a qual a diretoria ficava feliz em ser dirigida. A última situação era certamente o caso no Huddersfield e no Arsenal. Neste último, o chairman Henry Norris tinha sido banido para sempre após a descoberta de irregularidades financeiras.

- (89-90) Os temperamentos de Chapman e Buckley eram bem diferentes: Chapman era “paizão” dos jogadores, que tinham enorme afeto por ele. Buckley era tipo disciplinador, mas era muito respeitado. Em comum, tinham algumas qualidades diferenciadoras: o mais crucial é que haviam conseguido obter autonomia em termos de escalação do time e tática. Chapman até mesmo vedava o acesso ao vestiário exceto aos jogadores antes do jogo começar. Seus métodos de treinamento, especialmente no caso de Chapman, enfatizavam muito mais o controle de bola do que o normal. Ambos demonstravam grande preocupação com o bem estar dos jogadores, tendo Buckley construído uma estrutura paternalista que incluía um albergue para os jogadores mais jovens e instalações educacionais. Ambos tinham um enorme tino publicitário que reverteu em uma imagem positiva para eles e para seus clubes. Chapman, por exemplo, escreveu uma série de artigos para o Sunday Express explicando as táticas do futebol moderno e apoiando entusiasticamente causas como o uso de refletores, até sugerindo uma arquibancada com aquecimento caso isso pudesse tornar-se uma realidade comercial. Buckley ficou famoso ao dizer em 1935 que seus jogadores haviam recebido secreções de macaco para melhorarem suas performances.

- (90) Obviamente, eles representavam apenas o início de uma tendência mais do que uma mudança completa. Muitos clubes bem sucedidos (e fracassados) continuaram a ser dirigidos por diretores ditadores mais do que por manager, e.g. bem sucedido Preston North End do fim da década de 1930. A diretoria do Newcastle escalou o time até meados da década de 1950.

- (90-1) Este novo papel dos managers era bom para todos: os managers finalmente deixavam de ser meros funcionários e passavam a ter autonomia e prestígio (no caso de sucesso); os jogadores queriam trabalhar de perto com quem conhecia bem o jogo, enquanto a imprensa buscava ao mesmo tempo uma fonte de informação e um gancho “humano” para as matérias. Até os diretores viram os benefícios que um manager talentoso poderia trazer para o desempenho do time dentro de campo e seu valor como bode expiatório quando as coisas davam errado.

[v] Administering the game (91-92)

- (91) A composição social da FA e da FL mudaram pouco no período. Elas continuaram, sobretudo a FL, extremamente conservadoras durante todo o período. A FA continuou lutando duramente para preservar os valores essenciais do jogo diante do que ela percebia como vulgaridades do mercado. Isso levou a uma série de políticas de proteção, incluindo uma cerrada oposição às apostas, seja em forma de pools* ou loterias do clube, e igual posição em termos do uso de campos de futebol para corridas de cachorro, para jogos femininos, partidas aos domingos ou sob a luz dos refletores.

* [nota do tradutor] Os pools eram apostas em conjuntos de jogos (parecido com a loteria esportiva) controladas por empresas e que eram extremamente populares junto à classe trabalhadora, inclusive junto a pessoas que não frequentavam os estádios.

- (91) A FA também mostrou ser contra a participação no desenvolvimento do futebol mundial, com alguns problemas de calendário e a recusa da FA em aceitar o pagamento pelas horas perdidas para os jogadores a participarem dos jogos olímpicos abacaram levando à saída da FIFA em 1920 e novamente em 1928. Essa segunda desfiliação levou a Inglaterra a não disputar as copas de 1930 e 1938, uma decisão que evitou uma avaliação da força real do futebol inglês.

- (91) Entretanto a FA mostrou alguma flexibilidade no fim da década de 1930, principalmente quando Stanley Rous foi colocado como secretário em 1934, pois ele mostrou ter uma compreensão melhor do contexto social do futebol naquele momento, fato demonstrado entre outras coisas pelas boas relações que procurou manter com a BBC.

- (91-2) O conflito entre amadores e profissionais que tanto atormentou a FA entre 1880-1914 não era mais uma questão central após 1918. O Rugby Union e o hockey absorveram os descontentes e a nova geração de jogadores dos times de “old boys” (ex-alunos das public schools) estavam mais de acordo com o futebol profissional do que seus antecessores. A equipe dos Corinthians, por exemplo, abandonou sua política de não jogar torneios onde houvesse prêmios em disputa e entrou na FA Cup pela primeira vez em 1923. E foram claramente uma grande atração, levando um público de 80.000 a um jogo contra o Newcastle em 1928. Eles ainda continuaram a ver a si próprios como os guardiões da boa esportividade. Diz-se que em 1930, quando da ausência do juiz, o capitão dos Corinthians jogou e apitou ao mesmo tempo, tendo na verdade marcado uma falta contra ele próprio a certa altura.

- (92) De qualquer maneira, como as disputas na arena internacional demonstravam, a questão do amadorismo ainda estava viva. Periodicamente havia preocupações em termos de pagamentos e incentivos aos “amadores” do futebol non-league (i.e. de outras ligas que não a Football League, em teoria ligas de times amadores), levando a uma dramática crise em 1927-8, quando a FA suspendeu 341 jogadores e mais de 1.000 dirigentes de clubes da Northern League.

- (92) Também houve manifestações culturais interessantes que sugerem que a FA não estava sozinha em seu intuito de fortalecer o ideal amador. O The Times continuava a cobrir amplamente os jogos amadores e em alguns almanaques os torneios amadores e seus resultados ainda eram listados antes dos profissionais. Novamente, como veremos no próximo capítulo, mesmo na cultura popular da época os amadores ainda continuavam a ser exaltados em detrimento dos profissionais. A sociedade ainda tinha suas reservas.

[vi] Playing the game: soccer stars, soccer slaves (92-95)

- (92) O jogador profissional de futebol exerceu sua profissão debaixo de muito mais atenção por parte da mídia no período entre-guerras, o que teve considerável impacto em sua posição social e econômica. A década de 1930, sobretudo, viu os principais jogadores começando a tornar-se estrelas, embora de forma restrita se compararmos com o que ocorreu no final do século XX, mas de qualquer forma em um grau inédito até então. A exposição regular na imprensa popular em plena fase de crescimento, fotos coloridas nas capas das revistas de futebol, aparições em filmes de notícias e mesmo breves perfis feitos para o cinema tornaram um pequeno número de jogadores “figurinhas carimbadas”.

- (92-3) Podia ser grande a recompensa financeira proveniente deste interesse despertado para além do meio futebolístico estritamente falando. Diz-se que Bill “Dixie” Dean, centroavante do Everton, chegava a faturar 50 libras por sessão de fotografia para fazer propaganda de determinados produtos. Até mesmo jogadores das divisões inferiores, embora obviamente sem conseguir tanta remuneração quanto os astros da primeira divisão, desfrutavam de um novo patamar de prestígio nessa nova atmosfera.

- (93) A isso devemos contrapor as restrições reais sob as quais o jogador profissional trabalhava. O teto salarial estava fixado em 9 libras por semana em 1920 e foi rebaixado para 8 libras em 1922, com a possibilidade de um “bicho” de 2 libras por vitória e uma libra por empate. Provavelmente apenas 20-25% dos jogadores conseguiam receber o teto e, como sempre, estavam em uma carreira que poderia terminar repentinamente por causa de contusão, perda da forma ou por problemas financeiros do clube.

- (93-4) O sistema de retenção e transferência continuava a causar problemas: a maioria dos jogadores assinava contratos de um ano, renováveis em maio [fim da temporada]. Os clubes, especialmente aqueles com dificuldades financeiras, muitas vezes descartavam um jogador para depois recontratá-lo em setembro, evitando assim pagar-lhe salários durante as férias de verão. Os jogadores ainda ficavam presos aos clubes contra a sua vontade, caso o clube recusasse uma oferta de outro clube. Em uma outra manifestação desse sistema essencialmente feudal, os clubes podiam inserir cláusulas nos contratos que restringiam as atividades dos jogadores fora do campo também. Em 1924, Harold Gough, um veterano jogador do Sheffield United, foi sacado do time e colocado na lista de dispensados esperando transferência depois que comprou um pub em preparação para a sua aposentadoria, contrariando uma cláusula presente nos contratos dos jogadores do Sheffield, um clube ligado ao movimento contra a bebida e o jogo (temperance movement). O clube até mesmo solicitou a ele que reembolsasse todos os salários pagos a ele depois de obter o pub. E colocou sua “taxa de transferência” em um valor irreal de 2 mil libras, impedindo-o de jogar novamente.

- (94) Diante de tal sistema, o máximo que os jogadores podiam fazer era adotar o que na verdade era uma conduta pouco profissional, ou seja: não dar o máximo. E mesmo quando um jogador continuava a portar-se honradamente, uma má atuação enquanto rumores de transferência estavam no ar poderiam levar a insinuações.

- (94) Obviamente o protesto coletivo e as negociações da categoria eram outra opção. O Player’s Union [sindicato dos jogadores] continuava a tentar melhorar as condições de trabalho, mas não foi um período bom para o sindicato dos jogadores. A redução do teto salarial em 1922 foi um grande baque que levou à diminuição do número de jogadores sindicalizados, especialmente entre os jogadores que ainda não haviam se firmado e eram mais vulneráveis diante das pressões da diretoria, e que preferiam negociar diretamente ao invés de uma arriscada resistência.

- (94) Neste período, como diz Fishwick, o sindicato esteve mais para Cruz Vermelha do que para Exército Vermelho, prestando sobretudo auxílio legal aos jogadores que se aposentavam por contusão e buscavam compensações financeiras, ou eram aposentados à força pelos clubes em nome de contusões mas na verdade para cortar despesas.

- (94) O número de associados aos poucos cresceu, passando de 398 em 1924 para 1.315 em 1935 e quase 2.000 em 1939. Isso deveu-se a um secretário bastante atuante (Jimmy Fay) e ao grau de descontentamento com o teto salarial e o sistema contratual. O final da década de 1930 assistiu a um aumento da militância e chegou a falar-se em greve no começo de 1939, levando a uma conversa improdutiva entre a Liga e o sindicato.

- (94) Apesar de todos esses problemas, ainda é tentador ver esse período como positivo, pelo menos para os jogadores que conseguiram manter-se titulares por algum tempo. Os ganhos financeiros obtidos com o futebol propriamente dito eram modestos, embora a qualificação de quão modesto dependa da comparação com outros grupos. Mesmo atores desconhecidos e de teatro de variedades recebiam mais do que os jogadores mais bem pagos. Alguns boxeadores e golfistas excepcionais recebiam bem mais, mas a profissão de jogador de futebol ainda era bem superior à de trabalhador manual de onde ele normalmente vinha. Em 1938, trabalhadores em construção civil bem qualificados recebia somente 3 libras e 10 shillings por uma semana de 47 horas de trabalho, enquanto um “peão” recebia 2 libras e 10 shillings somente.

- (94-5) Havia também os benefícios psicológicos e emocionais trazidos pelo jogo, tendo havido um ganho em respeitabilidade graças à imagem que a imprensa popular construía. Representações escritas e mais especialmente fotos, mostravam o jogador profissional de futebol como alguém respeitável, amigável, inocentemente alegre e trabalhando pesado. Os jogadores normalmente apareciam em fotos onde estavam treinando no campo, mas algumas fotos fora de campo mostravam homens bem trajados jogando golfe ou desfrutando de um momento de brincadeira ou em um alegre grupo familiar. Essa imagem provavelmente refletia verdadeiramente o estilo de vida e as atitudes da maioria dos profissionais mas, capturada por uma mídia cada vez mais poderosa, desempenhava seu papel em cimentar mais profundamente a boa imagem do jogo na cultura nacional.

[vii] Women’s football (95-98)

- (95) Um dos aspectos mais surpreendentes do período entre-guerras foi a emergência do futebol feminino. Tinha havido algum futebol feminino antes de 1914, sobretudo associado às alunas de public schools, mas a guerra e o período do imediato pós-guerra abriram oportunidades para que as mulheres de classe operária também jogassem.

- (95-6) Muitas jogadoras parecem ter tido seu entusiasmo inicial despertado enquanto serviam à pátria trabalhando em fábricas de munições. Foi certamente o que ocorreu com o time mais famoso do período, baseado em Preston, o Dick, Kerr Ladies, surgido a partir de um time informal formado para jogar contra um time de colegas operários (do sexo masculino) na fábrica de munições de Preston em 1917.

- (96) O fim da guerra não pôs fim à vontade de jogar e por volta de 1920-1 o futebol feminino estava em pleno florescimento. Havia pelo menos 150 equipes femininas no fim de 1921, jogando sobretudo partidas amistosas com fins beneficentes. Os clubes principais, o Dick, Kerr, o Hey’s Ladies e o Bradford Brewery [fábrica de cerveja] chegavam a atrair públicos impressionantes. Em 1920, 53.000 pessoas foram ver o Dick, Kerr jogar contra o St. Helens em uma partida beneficente em Goodison Park [estádio do Everton], arrecadando 3.115 libras.

- (96) Obviamente, a função beneficente dos jogos ajuda a explicar esse grande público, e alguns provavelmente apareceram mais para mostrar desprezo do que para admirar o espetáculo atlético. O nível provavelmente não era muito alto em muitos casos, como era normal de se esperar neste estágio de desenvolvimento do futebol.

- (96) Tudo isto, entretanto, não permite diminuir o engajamento genuíno e a habilidade de muitas jogadoras. Elas levavam o jogo extremamente à sério e treinavam duro, às vezes até com ajuda de profissionais homens.

- (96) E havia sinais de que o jogo feminino estava se enraizando na cultura popular. O jornal Football Special começou uma coluna semanal chamada “Football Girl”. Jogadoras figuravam, mesmo que brevemente, na literatura de aventuras futebolísticas que existia naquela época. Em um desses livros, havia uma heroína chamada Nell que jogava no time da sua fábrica em Newcastle e envolvia assassinatos, chantagem, parentes perdidos e amor verdadeiro além de outras coisas. Um homem, quando convidado a assistir o jogo feminino diz o seguinte, resumindo os argumentos contrários:

“O quê, perder minha tarde vendo um bando de mulheres tentando jogar algo que elas desconhecem totalmente! Rá, rá, rá! Nem por um decreto, menina... Seria melhor se vocês deixassem o futebol para os homens, que sabem jogar, e vão namorar e casar como deve ser.”

- (97) Talvez o mais interessante nesse livro seja o final, indicador das possibilidades reais do jogo feminino à essa época. Nell acaba se casando, como era inevitável, e com um empresário local que havia financiado uma liga feminina, e ela agradecia ao futebol por ter permitido alcançar este estado de graça.

- (97) Todavia ela não desiste de jogar por ter se casado, um fecho que seria até esperado em um livro com tema tão potencialmente problemático.

- (97) A situação real, todavia, era bem mais difícil do que a ficcional. Não fica claro se as mulheres percebiam suas atividades de alguma forma como um desafio consciente da hegemonia masculina, no esporte ou na sociedade em geral. De qualquer forma, mesmo o mero desejo de ampliar a sua vida recreativa encontrava uma forte oposição. O ataque mais efetivo veio da FA, cujas críticas foram subindo de tom durante o ano de 1921. Em 5 de dezembro de 1921 a FA finalmente anunciou que os times femininos não poderiam usar o campo (e os estádios) dos times masculinos a ela afiliados [quase todos os clubes de futebol ingleses, profissionais e amadores].

- (97) Esta medida foi desastrosa para o futebol feminino, retirando de uma só tacada as instalações necessárias e a credibilidade que o uso dos campos dos clubes masculinos proviam.

- (97) A oposição da FA baseava-se em afirmativas de que as mulheres estavam sendo pagas para jogar (se isso fosse verdade, indica o quão sério o jogo estava se tornando), e que os recibos dos jogos beneficentes estavam sendo falsificados pelos organizadores, para outros propósitos nada beneficentes. Na verdade esses argumentos eram apenas a racionalização de preconceitos bastante arraigados. O secretário geral da FA, Frederic Wall, sempre fora contra o jogo feminino, depois que assistira a um jogo em 1895 e concluíra que “o jogo não foi feito para elas”. A circular da FA que acompanhava o banimento em dezembro de 1921 mostrava um sentimento similar, com o conselho da FA afirmando sentir-se “impelido a expressar sua forte opinião de que o jogo é bastante impróprio para mulheres e não deve ser encorajado.”

- O jogo feminino, é claro estava sendo vítima de um processo histórico bem mais amplo no qual muitas das conquistas sociais e econômicas das mulheres durante a I GM estavam sendo revertidas rápida e propositalmente.

- (97-8) Nem todos, contudo, condenavam o jogo feminino. O tamanho dos públicos, o interesse expressado pela literatura popular e, o que talvez seja ainda mais significativo, a ajuda dada por profissionais sugere a existência de um considerável interesse e simpatia.

- (98) Seria também errôneo assumir que toda a oposição vinha dos homens. Algumas médicas reciclaram velhos avisos acerca dos perigos para as mulheres do exercício excessivo, ao mesmo tempo em que em um nível mais mundano porém mais problemático, algumas jogadoras não eram apoiadas por membros femininos da família e por suas amigas.

- (98) Seja lá qual fosse a fonte da oposição, a decisão da FA enfraqueceu fundamentalmente o jogo feminino no seu nascedouro. Um certo número de equipes conseguiu continuar, usando estádios que não estavam sob a jurisdição da FA; é revelador que campos de rugby frequentemente estivessem disponíveis.

- (98) As Dick, Kerr Ladies conseguiram excursionar aos Estados Unidos com muita publicidade e sucesso em 1922 e uma Ladies Football Association foi fundada em dezembro de 1921 para tentar reverter a desdita que se abatera sobre o futebol feminino. Entretanto, embora o futebol feminino não tenha desaparecido, ele perdeu a penetração que ele havia rapidamente conquistado. E teria que esperar até o final da década de 1960 para reemergir de forma significativa.

[viii] Watching the game (98-102)

- (98) O público do futebol no período entre-guerras era proveniente de um arco social bem mais amplo do que antes. Mason sugere que foi nesta época que o jogo começou a ser assistido por “representantes de todas os setores da classe operária mais ou menos na mesma proporção”. Também é provável que a torcida de classe média tenha crescido neste período.

- (98) Para o torcedor de classe operária, todavia, o comparecimento regular aos jogos ainda não era algo totalmente garantido: mudanças mínimas nas condições econômicas podiam alterar dramaticamente os hábitos de lazer. O preço da entrada mais barata subiu primeiramente para 9d. (9/12 de shilling) em outubro de 1917 devido à taxa sobre entretenimento que seria cobrada dos clubes durante meio século e depois para um shilling imediatamente após a guerra. Andrew Davies assinalou que mesmo trabalhadores especializados regularmente empregados em Manchester na década de 1930 podiam ter dificuldades em pagar a entrada. Isso era mais problemático para aqueles que haviam se mudado para cidades-satélite e casas da prefeitura em torno da cidade, onde os aluguéis mais altos e os custos de transporte pesavam no orçamento.

- (98-99) O torcedor desempregado, por mais resistente que fosse, tinha problemas especialmente sérios. Durante a primeira onda de desemprego depois de 1920, parece que alguns clubes teriam oferecido ingressos mais baratos para os desempregados, apesar da oposição da FL. Durante os primeiros anos da década de 1930, os clubes das áreas mais afetadas pelo desemprego fizeram uma enorme pressão sobre a FL para permitir esta política, que nunca alcançava o quorum de 2/3 necessário à modificação nas reuniões gerais da FL. Na verdade por interesse financeiro, os clubes contrários alegavam que isto era injusto com o torcedor pobre e que o sistema poderia gerar abusos. O único consolo oferecido (e que era interessante financeiramente para os clubes) era a permissão para reduzir o ingresso dos jogos dos reservas.

- (99) O quanto os desempregados sentiam esta perda é demonstrado pelo entusiasmo com que retornavam ao jogo quando podiam: quando o Merthyr Town abandona a FL e ingressa na FL que permitia ingressos de apenas 2d. a média de público subiu de 500 para 4.000 em 1932. Em Liverpool, os desempregados alinhavam-se nas calçadas em dias de jogos para ver os torcedores (que podiam pagar) indo ao jogo.

- (99) Muitos comentaristas afirmam que a presença das mulheres no público aumentou no período do entre-guerras. Há pouca comprovação, embora seja óbvio que as mulheres iam ao jogo e que algumas podiam desempenhar um papel de destaque na cultura dos torcedores. O principal símbolo da torcida do Blackburn Rovers na final da FA Cup de 1928, por exemplo, era Mrs Catteral, que assistiu ao jogo com um canário azul e branco em uma gaiola azul e branca. As mulheres claramente desempenhavam um papel de destaque nas celebrações cívicas do sucesso futebolístico. Elas estavam bem representadas na multidão que apareceu para recepcionar o Blackburn Rovers em 1928 (e desmaiaram em grande número segundo uma reportagem) e “as mulheres predominavam” na multidão de 50 mil pessoas que apareceu no final da tarde para receber o time vitorioso do Preston em 1938.

- (99) A cultura torcedora não mudou muito no período. Alcançava o auge de colorido, embora não fosse tão espontânea, nas viagens organizadas pelos clubes de torcedores. Estes eventos tornaram-se mais frequentes neste período e parecem ter institucionalizado uma dimensão carnavalesca. O álcool ajudava bastante nesse sentido.

- (100) Ao que parece os torcedores ainda cantavam nos terraces, muitas vezes fazendo paródias de músicas populares.

- (100) O lado mais agressivo também estava presente. Jornalistas e managers regularmente criticavam as ofensas dirigidas aos jogadores da casa que iam desde menções irônicas a erros recentes até a hostilidade aberta.

- (100) O futebol nunca esteve totalmente livre da desordem pública e este período não foi exceção. Na década de 30, três clubes tiveram seus estádios fechados após desordens: Queens Park Rangers (1930), Millwall (1934) e Carlisle (1935). Parte dos torcedores do Millwall desfrutavam da reputação de desordeiros na década de 1930. Houve inúmeros outros incidentes e punições, como a proibição da FL a rapazes frequentarem o estádio do Bradford City em 1921 depois que um juiz foi agraciado com pedradas e cascas de laranja.

- (100) O número de policiais à mão para os jogos principais – o Sheffield Wednesday colocava mais de 100 nesses casos – demonstra que havia pelo menos a crença de que houvesse um potencial para desordem. Entretanto, a maioria dos comentadores vê este período como relativamente pacífico. Como foi demonstrado em um estudo específico, a frequência com que um hábito relativamente inócuo como xingar os jogadores era reportado sugere que agora as menores manifestações se destacavam.

-

- (100-1) Também é significativo que os dois maiores episódios que geraram preocupação pública quanto ao comportamento dos torcedores aconteceram em 1919-22 e no fim da década de 1930, moldados por fatores contextuais que talvez tenha levado o problema a ser exagerado. O período 1919-22 coincide com a grande preocupação acerca de uma suposta diminuição da disciplina causada pela onda de militância sindical na indústria após a I GM e a segunda com uma campanha determinada da FA para melhorar o status e a imagem do jogo. Na maior parte das vezes, o público torcedor era descrito como tendo um comportamento no qual “o entusiasmo não era incompatível com o auto-controle”.

- (101) Por outro lado, os clubes de torcedores parecem ter se tornado um traço mais frequente do futebol no entre-guerras. A National Federation of Football Supporters' Clubs, fundada em 1926-7, tinha cerca de 150.000 sócios individuais em 1934. Seus líderes eram sobretudo da classe média-baixa e média-média e estes clubes viam-se como servidores dos clubes mais do que grupos de pressão agindo em nome dos torcedores. O slogan da federação era “Para ajudar e não para atrapalhar”, indicando esse propósito.

- (101) As duas maiores funções dos clubes de torcedores eram levantar dinheiro e fornecer mão-de-obra gratuita para a melhoria dos estádios. Para alguns clubes isto significava a diferença entre sobreviver e desaparecer. Muitas melhorias de estádios não teriam acontecido sem eles. Os torcedores do Luton Town arrecadaram 20 mil libras (1,5 milhões de libras em 1995) para tais melhorias na década de 1930 e esta cifra não inclui a mão-de-obra que disponibilizaram.

- (101) Uma função complementar era policiar o resto da multidão e em geral educar os torcedores para que adotassem bons hábitos esportivos. O clube dos torcedores do Bradford City, por exemplo, em 1922 promoveu palestras sobre “Juízes” e sobre “As leis do jogo”.

- (101) Todo este esforço em troca de muito pouco controle sobre os assuntos do seu clube ou do futebol em geral. Os torcedores só tinham direito a assentos na diretoria em ocasiões excepcionais, enquanto a FA parece ter reconhecido muito pouco estes atos de sacrifício dos torcedores.

- (101-2) Mas o que é ainda mais surpreendente é que, na maior parte, estes torcedores demonstraram pouco interesse em desafiar o status quo ou em assumir um papel de influência em termos das direções que o esporte ia tomando. Isto pode ter sido o resultado da presença do elemento de “policiamento” já notado acima. Chegou-se a sugerir que o clube de torcedores tornou-se próximo a “uma conspiração para reformar o comportamento da classe trabalhadora” e esta mentalidade deve ter superado a possibilidade de desenvolver outros projetos.

- (102) A longo prazo, todavia, o desejo de ajudar e de não atrapalhar reflete a profunda força que os clubes exerciam em suas comunidades. As pessoas ingressavam em um clube de torcedores e contribuíam para ele da mesma forma que as pessoas entrevam na Igreja, no Partido Trabalhista ou no clube dos trabalhadores. Era uma causa e, para muitos, poder ajudar era recompensa bastante, especialmente se criava a possibilidade de pelo menos algum contato pessoal com diretores, managers e jogadores.

Um comentário:

Carolina disse...

Alvito,
Assisti "Total Rugby", um programa que passa na ESPN, às 19h, sextas (a confirmar). Já sabia desse programa?


Carolina