domingo, 17 de agosto de 2008

Esquema do texto 1: Geertz

GEERTZ,Clifford

(1989) “Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa” In: A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Editora Guanabara. Pp. 278-321.

Obs: Há muitos erros de tradução, a começar pelo título, uma escolha desastrosa pq esconde o objetivo do artigo e ver pp. 294,295,296,298, 301,303,311,316 e falta um trecho na p.297.

Esquema do texto:

1. Autor

2. Obra

3. Estrutura do texto

4. Objetivo do texto

5. Palavras-chave

6. Métodos

7. Fontes utilizadas

8. Conclusões do texto

9. Questões e críticas

1. Autor

Clifford Geertz (1926-2006)

(1926) Nascido em 23 de agosto em São Francisco, EUA

(1943-1945) Serve na Marinha americana durante a 2ª. Guerra Mundial

(1950) Graduou-se em Filosofia (Major) no Antioch College; sua primeira escolha de Major fora Literatura Inglesa; queria ser jornalista (fez estágio no New York Post como copyboy) e escritor de obras de ficção

(1956) Ph.D. em Harvard (Antropologia)

(1958-1960) Assistant Professor of Anthropology, University of California, Berkeley

(1960-1970) Professor of Anthropology, University of Chicago

(1970-2000) Professor of Social Science, Institute for Advanced Study (primeiro e único antropólogo a entrar neste Instituto), Princeton, NJ

(1975-2000) Visiting Lecturer with Rank of Professor, Department of History, Princeton University

(1978-1979) Eastman Professor, Oxford University

(2000) Professor emeritus, Institute for Advanced Study, Princeton, NJ

(2006) 30 out, falecimento.

FIELD WORK:

Java, Indonesia, 1952-54; April 1984; March-August 1986. November-

December 1999.

Bali, Indonesia, 1957-58.

Morocco, June-July 1963; June-December 1964; June 1965-September 1966;

June 1968-April 1969; June-July 1972; June-July 1976; November

1985-March 1986.

Java, Bali, Celebes, Sumatra, April-September 1971.

Principais obras:

(1961) The Religion of Java

(1963) Agricultural Evolution (obra de ecologia cultural)

(1968) Islam Observed

(1973) The Interpretation of Cultures: Selected Essays

(1980) Negara: the Theatre State in Ninetenth Century Bali

(1983) Local Knowledge – Further Essays in Interpretive Anthropology

(1988) Works and Lives – the Anthropologist as Author

(1995) After the fact: two countries, four decades, one anthropologist

(2000) Available Light – Anthropological Reflections on Philosophical Topics

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(a página a seguir tem o Cvitae completo de C.Geertz) http://www.sss.ias.edu/pdf_documents/geertzcv.pdf

2. Obra

- Último artigo de uma coletânea composta por artigos previamente publicados entre 1957 e 1972 (“Deep Play” é de 1972) e apenas um capítulo escrito especialmente (“numa tentativa de afirmar minha posição atual da forma mais geral que pude”, p.9); no prefácio, o autor diz que apesar do formato coletânea o livro é “um tratado de teoria cultural [i.e. antropologia] através de análises concretas” (p.8); o fato de “Deep Play” ser o último artigo parece apontar para a utilização desse artigo como uma conclusão-demonstração teórico-metodológica. A última seção do artigo “Dizer alguma coisa sobre algo” é claramente uma conclusão e afirmação das possibilidades de uma teoria interpretativa da cultura. E ele diz claramente: (p.316) “Se se toma a briga de galos, ou qualquer outra estrutura simbólica coletivamente, organizada” (...) “o antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de princípios sociológicos, não com a promoção ou apreciação de brigas de galos”

- Até hoje os artigos deste livro, sobretudo o “Deep Play” são os mais citados de toda a obra de Geertz


3. Estrutura do texto

Resumo:

Quatro Partes lógicas

1ª. Introdução:

[i] A invasão (278-283), sobre como os antropólogos entraram em contato com os nativos e vieram a descobrir a importância das brigas de galos

2ª. Etnografia:

[ii] “De Galos e Homens” (283-287), sobre as associações metafóricas e concretas entre galos e homens

[iii] “O Embate” (287-291), sobre a briga dos galos propriamente dita

[iv] “As Vantagens e o Direito ao Par” (291-299) – sobre como se dão as apostas, embora omitindo informações essenciais sobre os apostadores

3ª. Interpretação, estabelecimento de relações com a estrutura social

[v] “Brincando com o Fogo” (299-309), começa a amarrrar a interpretação da briga de galo ao trazer para a cena a organização social balinesa e o conceito de “deep play”

[vi] “Penas, Sangue, Multidões e Dinheiro” (310-316), já vai preparando as conclusões teórico metodológicas ao chamá-la de uma forma artística

4ª. Conclusão teórico-metodológica

[vii] “Dizer alguma coisa sobre algo” (316-321) – aqui ele vai afirmar a briga de galos como um texto, dentre outros textos que formam uma cultura e afirmar as possibilidades do método interpretativo

[i] “A Invasão” (278-283)

(278-283) De como a intervenção policial em uma briga de galos na aldeia levou à aceitação dos antropólogos (pelo fato deles também terem fugido, ou seja, de terem demonstrado solidários e não superiores), antes “invisíveis”

(283) Aqui se faz a primeira caracterização da briga de galos (p.283): “uma combinação de explosão emocional, situação de guerra e drama filosófico de grande significação para a sociedade cuja natureza interna eu desejava entender.”

(283) Afirma que ao final acabou por pesquisar as brigas de galo tanto quanto “a feitiçaria, a irrigação, as castas ou o casamento”

[ii] “De Galos e Homens” (283-287)

(283-6) Da intensa associação entre galos e homens, tanto no sentido simbólico quanto em termos práticos (tempo que os homens dedicam aos galos e às rinhas; recursos e dinheiro dispendidos)

(283) “Da mesma forma que a América do Norte se revela num campo de beisebol [ou o Brasil num campo de futebol, somos tentados a dizer], num campo de golfe, numa pista de corridas ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se revela numa rinha de galos. É apenas na aparência que os galos brigam ali – na verdade, são os homens que se defrontam.”

(286) Mas ao mesmo tempo os galos representam aquilo que eles vêem como “a inversão direta, estética, moral e metafísica, da condição humana: a animalidade”

(286-7) Ligação dos galos com ‘Os Poderes das Trevas’: a briga de galos é um sacrifício dedicado a essas divindades

(287) “Na briga de galos, o homem e a besta, o bem e o mal, o ego e o id, o poder criativo da masculinidade desperta e o poder destrutivo da animalidade desenfreada fundem-se num drama sangrento de ódio, crueldade, violência e morte.”

(287) O proprietário do galo vencedor leva a carcaça do animal vencido para comer em casa “com um misto de embaraço social, satisfação moral, desgosto estético e alegria canibal”

(287) O céu é comparado “à disposição de um homem cujo galo acaba de vencer” e o inferno “à de um homem cujo galo acaba de perder”

[iii] “O Embate” (287-291)

(287-8) Descrição de como são “organizadas” (ad hoc) as lutas e de como elas se desenrolam: do início da tarde até o entardecer (durante 3 a 4 horas), um programa com nove ou dez brigas [p.293: brigas ocorriam em média a cada dois dias e meio na área imediata estudada por Geertz]

(288) O esporão é colocado por especialistas após a luta ser combinada. Os esporões “só são afiados nos dias de eclipse e enquanto a Lua está oculta, devem ser conservados fora das vistas das mulheres, e assim por diante. (...) são manuseados com a mesma combinação curiosa de espalhafato e sensualidade que os balineses dedicam aos objetos rituais em geral.”

(288-90) A luta propriamente dita: postos frente a frente por seus treinadores, separados por dois minutos depois que há o primeiro golpe, depois ocorre o segundo e último assalto, até a morte de um dos galos e às vezes dos dois (ganha o que morreu por último neste caso). [p.296: dura de 15 segundos a cinco minutos]

(290) A multidão acompanha em silêncio mas em movimento que espelha o que se passa na rinha

(290) O vasto conjunto de regras elaboradas e precisas, passadas de geração a geração; o árbitro normalmente não é contestado, até porque é um cidadão extremamente respeitado

(290-1) Brigas de galo podem ser chamadas de ‘reunião concentrada’ (Goffman) (290) “algo insuficientemente consistente para ser chamado de grupo e insuficientemente desestruturado para ser chamado de multidão”

(291) “Essas reuniões assumem sua forma a partir da situação que as congrega, o local onde estão situadas, conforme assegura Goffman. todavia, trata-se de uma forma, e uma forma articulada. Para cada situação, o cenário é criado por ela mesma, em deliberações de júri, operações cirúrgicas, reuniões compactas, greves brancas, brigas de galos, através de preocupações culturais – no caso aqu, como veremos, a celebração da rivalidade do status – que não apenas especificam o enfoque, mas o colocam em primeiro plano, reunindo atores e dispondo o cenário.”

(291) No período clássico, antes da invasão holandesa (1908), a briga de galos fazia parte do calendário oficial da cidade: as brigas eram taxadas – proporcionando uma das ppais fontes de renda pública, normalmente ocorriam em dias de mercado, eram patrocinadas por príncipes e aconteciam no centro da aldeia, a rinha ficava junto a outros prédios “cívicos” (casa do conselho, templo de origem, local do mercado etc); hoje essa ligação “entre as excitações da vida coletiva e as do esporte sangrento” não pode mais ser feita tão abertamente mas a conexão continua forte, como pode-se perceber através das apostas (291) “o aspecto da briga de galos em torno do qual todos os outros se reúnem e através do qual eles exercem sua força, um aspecto que eu vinha ignorando propositalmente até agora”

[iv] “As Vantagens e o Direito ao Par” (291-299)

(291) Sistema complexo, como tudo em Bali

(292) Dois tipos de apostas: “Há a aposta principal, no centro, entre os chefes (...), e há a multidão de apostas periféricas em torno da rinha, entre os espectadores (...) A primeira é tipicamente grande; a segunda tipicamente pequena. A primeira é coletiva (...) a segunda é individual. A primeira é motivo de entendimentos deliberados, muito quietos, quase furtivos, entre os membros da coalizão e o árbitro, reunidos como conspiradores no centro da rinha; a segunda é motivo de gritos impulsivos, ofertas públicas e aceitação pública pela multidão excitada na periferia. (...) enquanto a primeira é sempre, sem exceção, dinheiro equiparado, a segunda nunca o é, igualmente sem exceção.”

(293) As apostas “por fora” são feitas de acordo com um paradigma fixo (10-9, 9-8 até 2-1) que estabelece um galo favorito e um azarão; aquele que aposta no azarão grita a vantagem que deseja receber; quem quer apostar no favorito indica apenas a cor do galo (e outras características se for necessário)

(294-5) Uma espécie de bolsa de valores que ocorre depois que a aposta principal foi feita e seu montante anunciado e que vai se tornando cada vez mais frenética à medida em que se aproxima o início da luta, sobretudo quando a aposta central é grande; (295) contraste entre o caos que antecede a luta e o “intenso silêncio que cai subitamente, como se alguém tivesse apagado a luz, quando soa o gongo fendido, os galos são colocados na rinha e a batalha se inicia.”

(296) Apostas são pagas imediatamente, assim que a luta termina, pode-se pedir dinheiro emprestado antes, mas na hora de apostar ele deve estar na mão; multidão puniria o mau pagador da mesma forma que o faz com os trapaceiros.

(296) “é essa assimetria formal entre as apostas centrais equilibradas e as apostas por fora, desequilibradas, que apresenta o problema analítico crítico para uma teoria que vê a briga de galos se agitando como elo de ligação entre a luta em si e o mundo mais amplo da cultura balinesa.”

(296) “quanto mais elevada a aposta central, mais provável é que a luta seja bem equilibrada”; mecanismo para compensar e equilibrar: ajuste dos esporões em ângulo menos vantajoso;

(297) “(1) quanto maior a aposta central, tanto maiores são as apostas por fora, com menores vantagens oferecidas, e vice-versa; (2) quanto maior a aposta central, maior o volume das apostas por fora, e vice-versa.”

(297-8) “o padrão geral é bastante consistente: o poder da aposta central de puxar as apostas por fora em direção a seu próprio padrão de dinheiro ao par é diretamente proporcional à sua dimensão, pois essa dimensão é diretamente proporcional ao grau em que os galos estão de fato equiparados. Quanto à questão do volume, o total é maior nas lutas de de grandes apostas centrais porque tais lutas são consideradas mais ‘interessantes’, não apenas no sentido de serem menos previsíveis, mas porque existe muito mais em jogo – em termos de dinheiro, em termos de qualidade dos galos e, em consequência, como diremos, em termos de prestígio social.”

(298) A aposta central é o ‘centro de gravidade’, ela é o mecanismo básico para tentar criar lutas “absorventes”, que são o objetivo último, mesmo que quase a metade sejam lutas “frívolas”;

(298-9) [1ª. comparação com arte] “da mesma forma que o fato de a maioria dos pintores, poetas e autores de peças ser medíocre não de- (299) põe contra a perspectiva de que o esforço artístico é dirigido para uma certa profundidade, a qual é atingida com certa frequência.”

(299) “a aposta central é um meio, um artifício, para criar embates ‘interessantes’, ‘absorventes’, não a razão, ou pelo menos não a razão principal, por que elas são interessantes, a fonte da sua fascinação, a substância da sua profundidade.”

(299) A “profundidade” deve ser buscada “fora do reino das preocupações formais”, não em termos de motivos econômicos e sim em termos “sociológicos e sócio-psicológicos”

[v] “Brincando com o Fogo” (299-309)

(299-300) Noção do filósofo utilitarista J.Bentham de que o “jogo profundo” é irracional, pois o que se pode ganhar é infinitamente inferior ao que se pode perder, portanto é algo imoral, que vai causar mais dor do que prazer e deve ser proibido.

(300) Mas os homens engajam-se em jogos deste tipo, “muitas vezes e apaixonadamente, e mesmo em face de uma punição legal”; para os balineses “embora não formulem em tantas palavras, a explicação repousa no fato de que nesse jogo o dinheiro é menos uma medida de utilidade, tida ou esperada, do que um símbolo de importância moral, percebido ou imposto. (...) “Nos jogos profundos, onde as somas de dinheiro são elevadas, está em jogo muito mais do que o simples lucro material: o saber, a estima, a honra, a dignidade, o respeito – em suma, o status, embora em Bali esta seja uma palavra profundamente temida.”

(300) O status está em jogo apenas simbolicamente pois afora jogadores arruinados ninguém tem seu status alterado pelo resultado, mas o status é “afirmado ou insultado, e assim mesmo momentaneamente”, mas “tal drama é avaliado profundamente” (pelos balineses)

(301) Dizer que o dinheiro não importa seria absurdo, é precisamente porque ele importa que “quanto maior o risco, maior a quantidade de outras coisas que se arriscam, tais como orgulho, pose, uma falta de paixão [dispassion], masculinidade e, embora o risco seja momentâneo, ele é público, ao mesmo tempo. Nas brigas de galo absorventes, um proprietário e seus colaboradores e, numa extensão menor, porém real, como veremos, seus apostadores por fora, colocam seu dinheiro onde está seu status.”

(301) Exatamente por ser grande o risco é que se engajar neste tipo de aposta “é colocar-se em público, de forma alusiva e metafórica, por intermédio do galo de alguém.” O que aumenta o significado (para Weber o fim principal e a condição básica da existência humana) e compensa os custos econômicos. A longo prazo as coisas tendem a ajeitar-se e é nas pequenas lutas, por dinheiro, que ocorrem mudanças ‘reais’ na posição social normalmente para baixo. Estes apostadores são desprezados como tolos que “não compreendem o que é o esporte”

(302-3) A “hierarquia sócio-moral” dos apostadores, de baixo para cima (em termos de status) e da periferia para o centro (em termos espaciais):

i. Nas extremidades das rinhas, jogos de azar (roleta, dados, lançamento de moeda, grãos sob uma concha) somente para mulheres, crianças, adolescentes, os extremamente pobres, os desprezados socialmente, os idiossincráticos sociais; enfim, pessoas que não participam das brigas de galo; apenas moedas de pequeno valor;

ii. Os que se interessam por lutas pequenas e até médias, mas não tem status para participar dos grandes embates embora possam apostar por fora de vez em quando;

iii. Os “membros substanciais da comunidade” que participam das grandes lutas e apostam nelas por fora. “Constituindo o elemento em foco nessas reuniões concentradas, esses homens geralmente dominam e definem o esporte da mesma forma que dominam e definem a sociedade.” (303): “Para tal homem, o que realmente ocorre numa briga está mais próximo de um affaire d’honneur (embora, para o talento balinês, de fantasia prática, o sangue derramado só seja humano em termos figurativos) do que do funcionamento estúpido, mecânico, dos caça níqueis.”

(303) “O que torna a briga de galos balinesa absorvente não é o dinheiro em si, mas o que o dinheiro faz acontecer, e quanto mais dinheiro mais acontece: a migração da hierarquia de status balinesa para o corpo da briga de galos. (...) E, como o prestígio, a necessidade de afirmá-lo, de defendê-lo, de celebrá-lo, de justificá-lo e de simplesmente revolver-se nele (mas, dado o caráter fortemente reservado [“ascriptive” no original] da estratificação balinesa, não de procurá-lo) talvez seja a força impulsionadora central na sociedade, da mesma forma ele é da briga de galos – à parte os pênis ambulantes, os sacrifícios de sangue e o intercâmbio monetário. Esse divertimento aparente e semelhante a um esporte é, para retormar outra frase de Erving Goffman, um ‘banho de sangue de status’.”

(304) A aldeia de Tihingan e seu labirinto de alianças e divisões:

i. quatro grupos de descendência, grandes, patrilineares, parcialmente endogâmicos, que constituem facções. Existem subfacções e subfacções de subfacções.

ii. A aldeia (quase que inteiramente endogâmica) em oposição a outras aldeias no circuito regional (mercado regional) mas forma alianças com certas aldeias contra outras e em certos contextos políticos e sociais supra-aldeia.

(304) Tese [anunciada depois da metade do artigo] de que “a briga de galos, e especialmente a briga de galos absorvente, é fundamental-mente uma dramatização das preocupações de status”

(304-8) Elementos que corroboram essa hipótese (são 17 ao todo) as apostas são feitas respeitando-se os grupos: de parentesco, aliados, aldeia etc. Procuram-se sempre colocar galos de grupos distintos; se nenhum dos galos é apoiado por um grupo a luta não tem traça. Inimizades pessoais se traduzem em apostas contra o galo do inimigo, com muito ardor, configurando um ataque à masculinidade do adversário. A coalizão da aposta central é sempre formada pelos aliados estruturais. Você pode pedir dinheiro emprestado a um amigo para apostar, mas não pode ficar devendo dinheiro a um inimigo. Mesmo no caso de dois galos irrelevantes ou neutros no que lhe diz respeito, se um parente ou amigo estiver apostando você não deve apostar contra ou no mínimo fingir que não viu que ele apostou no outro animal. “a relação de hostilidade institucionalizada, puik, é formalmente iniciada, muitas vezes (embora as causas estejam em outro lugar) através de tal aposta” [contra a aposta central], da mesma forma que dois inimigos sinalizam o reatamento um inimigo apoiando a ave do outro. Em situações de lealdade cruzada o sujeito sai para tomar um café. O dinheiro é visto como um tema secundário, o prestígio é o que importa ganhar. A conversa é sobre as lutas que você ganhou não sobre quanto dinheiro você ganhou. Você aposta no galo do seu grupo não só por lealdade, mas também para não parecer orgulhoso demais, da mesma forma devem apostar contra os galos de fora, caso contrário seus proprietários o acusarão de só estarem interessados em cobrar entradas ou de serem arrogantes.

(308) Os próprios camponeses têm consciência disso e afirmam “que as brigas de galo são como brincar com fogo, porém sem o risco de se queimar. Você incita as rivalidades e hostilidades da aldeia e dos grupos de parentesco, mas sob uma forma de ‘brincadeira’, chegando perigosa e maravilhosamente próximo à expressão de uma agressão aberta e direta, interpessoal e intergrupal (algo que geralmente não acontece, também, no curso normal da vida comum), mas só próximo porque, afinal de contas, trata-se apenas de uma ‘briga de galos’.

(308) Resumindo tudo num paradigma formal:

“QUANTO MAIS UM EMBATE É...

  1. Entre iguais, de status aproximado (e/ou inimigos pessoais)
  2. Entre indivíduos de status elevado

TANTO MAIS ABSORVENTE ELE É.

QUANTO MAIS ABSORVENTE É O EMBATE...

1. Mais próxima a identificação entre o galo e o homem (ou, o que é mais adequado, quanto mais absorvente o embate, mais audacioso será o homem, mais estreitamente identificado com o galo)

2. Quanto mais refinados os galos, mais exatamente serão eles equipados.

3. Quanto maior a emoção envolvida, maior a absorção geral no embate.

4. Quanto mais altas as apostas individuais centrais e por fora, menores tenderão a ser as vantagens das apostas por fora, e maiores serão as apostas em geral.

5. Quanto menor for a perspectiva ‘econômica’ e maior a perspectiva de status da aposta envolvida, mais ‘sólidos’ os cidadãos que apostarão.”

(309) Um dos heróis culturais de Bali é um príncipe apaixonado pela briga de galos que estava longe em uma delas quando sua família inteira é assassinada, mas depois ele volta, debela a rebelião, reconquista o trono e contrói um Estado melhor [ver nota 27 para uma outra história, espetacular, envolvendo um homem de casta inferior]. “Além de tudo o mais que os balineses vêem na briga de galos – eles mesmos, sua ordem social, um ódio abstrato, masculinidade, poder demoníaco – eles vêem também o arquétipo da virtude de status, o jogador arrogante, resoluto, louco pela honraria, com um fogo verdadeiro, o príncipe ksatria.”

[vi] “Penas, Sangue, Multidões e Dinheiro” (310-316)

(310) Do ponto de vista “prático”, a briga de galos não faz nada acontecer. O status real de alguém não é modificado, há apenas “uma espécie de salto de status por trás do espelho, que tem a aparência de mobilidade, mas não é real.”

(310-1) Como qualquer forma de arte – é justamente com isso que estamos lidando, afinal de contas – a briga de galos torna compreensível a experiência comum, cotidiana, apresentando-a em termos de atos e objetos dos quais foram removidas e reduzidas (ou aumentadas, se preferirem) as consequências práticas ao nível da simples aparência, onde seu significado pode ser articulado de forma mais poderosa e percebido com mais exatidão. (...) Uma imagem, uma ficção, um modelo, uma metáfora, a briga de galos é um meio de expressão; sua função não é nem aliviar as paixões sociais nem exacerbá-las (embora, em sua forma de brincar-com-fogo ela faça um pouco de cada coisa) mas exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões e ao dinheiro.”

(311-2) A briga de galos é inquietante “a partir de uma conjunção de três atributos (...): sua forma dramática imediata, seu conteúdo metafórico e seu contexto social. A briga, uma figura cultural contra um fundamento social, é ao mesmo tempo uma avolumação convulsiva de ódio animal, uma guerra caricaturada de eus simbólicos e uma simulação formal das tensões de status, e seu poder estético deriva de sua capacidade de conseguir combinar essas três realidades diversas. O motivo por que é inquietante não se deve a seus resultados materiais (ela tem alguns, mas são insignificantes): é que ela junta o orgulho à noção do eu, a noção do eu aos galos e os galos à destruição, o que leva à realização imaginativa uma dimensão da experiência balinesa que normalmente fica bem obscurecida.”

(312-3) A estrutura atomística (“Cada embate é um mundo em si mesmo”) e a briga de galos como expressando algo em jorros, da mesma forma que a vida balinesa. “Não significa uma imitação da pontuação da vida social balinesa, nem uma representação dela, nem mesmo uma expressão dela – é um exemplo dela, cuidadosamente preparado.”

(312-3) Por outro lado, a agressividade categórica “faz com que ela pareça uma contradição, um reverso, até mesmo uma subversão dela. No curso normal das coisas, os balineses são tímidos a um ponto de obsessão quanto ao conflito aberto. (...) raramente enfrentam aquilo que podem evitar, raramente resistem quando podem evadir-se. Aqui, porém, eles se retratam como selvagens e mortíferos, com explosões maníacas de crueldade instintiva.” (...) “A matança na rinha de galos não é um retrato de como as coisas são literalmente entre os homens, mas, de um ângulo particular, de como elas são do ponto de vista da imaginação, o que é bem pior.”

(314-5) “O ângulo é, sem dúvida, estratificador. (...) a briga de galos se expressa com mais força sobre as relações de status, e o que ela expressa a esse respeito é que se trata de assunto de vida ou morte.” (...) “a hierarquia do orgulho constitui a espinha dorsal da sociedade em termos morais. Entretanto, é somente nas brigas de galo que os sentimentos sobre os quais repousa essa hierarquia se revelam em suas cores naturais. Envolvidos, no outros lugares, numa névoa de etiqueta, uma nuvem espessa de eufemismo e cerimônia, de gestos e alusões, aqui eles se expressam sob o disfarce muito tênue de uma máscara animal, uma máscara que na verdade os revela muito mais do que oculta. Em Bali, o ciúme é tanto parte da pose como a inveja é da graça, a brutalidade do encanto, mas sem a briga de galos os balineses teriam uma compreensão menos correta disso tudo, e é por isso, presumo, que eles a valorizam tanto.”

(315) Como na poesia e em outras formas expressivas, há uma desarrumação dos contextos semânticos cruzando limites conceituais e com isso revestindo os fenômenos de significados que normalmente são atribuídos a outros referentes (o “vento aleijado” do poema de Wallace Stevens).

(315-6) Ao contrário do que pensam os funcionalistas [e os marxistas também, talvez] a importância da luta de galos não é pelo fato de reforçar a discriminação do status e sim por “fornecer um comentário metassocial sobre todo o tema de distribuir os seres humanos em categorias hierárquicas fixas e depois organizar a maior parte da existência coletiva em torno dessa distribuição. Sua função, se assim podemos chamá-la, é interpretativa: é uma leitura balinesa da experiência balinesa, uma estória sobre eles que eles contam a si mesmos.”

[vii] “Dizer alguma coisa sobre algo” (316-321)

(316) Superação das análises das formas culturais até agora predominantes: “dissecar um organismo, diagnosticar um sintoma, decifrar um código ou ordenar um sistema” postas de lado em benefício de uma análise próxima à “penetração de um texto literário”; não é um problema de mecânica social e sim de “semântica social”. “Para o antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de princípios sociológicos, não com a promoção ou a apreciação da briga de galos, a questão é: que é que se aprende sobre tais princípios examinando a cultura como uma reunião de textos?

(317) tratar a briga de galos como texto é salientar um aspecto dela (na minha opinião, o aspecto principal) que, tratando-a como um rito ou um passatempo se tenderia a obscurecer: sua utilização da emoção para fins cognitivos. O que a briga de galos diz, ela o faz num vocabulário de sentimento – a excitaçã do risco, o desespero da derrota, o prazer do triunfo. Entretanto, o que ela diz não é apenas que o risco é excitante, que a derrota é deprimente ou que o triunfo é gratificante, tautologias banais do afeto, mas que é com essas emoções, assim exemplificadas, que a sociedade é construída e que os indivíduos são reunidos. Assistir a brigas de galo e delas participar é, para o balinês, uma espécie de educação sentimental. Lá, o que ele aprende, é qual a aparência que têm o ethos de sua cultura e sua sensibilidade privada (ou, pelo menos, certos aspectos dela) quando soletradas externamente, num texto coletivo; que os dois são tão parecidos que podem ser articulados no simbolismo de um único desses textos; e – a parte inquietante – que o texto no qual se faz essa revelação consiste num frango rasgando o outro em pedaços, inconscientemente.”

(317-8)Segundo o provérbio, cada povo ama sua própria forma de violência. A briga de galos é a reflexão balinesa sobre essa violência deles: sobre sua aparência, seus usos, sua força, sua fascinação. Recorrendo a praticamente todos os níveis da experiência balinesa, ela reúne todos os temas – selvageria animal, narcisismo machista, participação no jogo, rivalidades de status, excitação de massa, sacrifício sangrento – cuja ligação principal é o envolvimento deles com o ódio e o receio desse ódio. Reunindo-os num conjunto de regras que ao mesmo tempo os refreia e lhes permite agir, esse envolvimento constrói uma estrutura simbólica na qual a realidade de sua filiação pode ser sentida de forma inteligível, mais e mais. Para citar novamente Northorp Frye, se vamos assistir a Macbeth para aprender de que maneira um homem se sente após ganhar um reino, mas perder sua alma, os balineses vão às brigas de galos para descobrir como se sente um homem, habitualmente composto, afastado, quase obsessiva- (318) mente auto-absorvido, uma espécie de autocosmos moral, quando, depois de atacado, atormentado, desafiado, insultado e, em virtude disso, levado a paroxismos de fúria, atinge o triunfo total ou o nível mais baixo.”

(318) “É justamente isso, o colocar em foco essa espécie de experiências variadas da vida cotidiana, que a briga de galos executa, colocada à parte dessa vida como ‘apenas um jogo’ e religada a ela como ‘mais do que um jogo’. Ela cria, assim, o que pode ser chamado de acontecimento humano paradigmático (...) isto é, ela nos conta menos o que acontece do que o tipo de coisas que aconteceria, o que não é o caso, se a vida fosse arte e pudesse ser livremente modelada por estilos de sentimento, como o são Macbeth e David Copperfield.”

(319) “Entretanto, através de outro desses paradoxos que perseguem a estética, ao lado dos sentimentos pintados e dos atos inconsequentes, e porque essa subjetividade não existe propriamente até que seja organizada dessa forma, as formas de arte originam e regeneram a própria subjetividade que elas se propõem a exibir. Quartetos, naturezas mortas e brigas de galos não são meros reflexos de uma sensibilidade preexistente e representada analogicamente; eles são agentes positivos na criação e manutenção de tal sensibilidade.

(320) “Na briga de galos, portanto, o balinês forma e descobre seu temperamento e o temperamento de sua sociedade ao mesmo tempo. Ou, mais exatamente, ele forma e descobre uma faceta particular deles.”

- Outros exemplos de textos culturais que fornecem comentários sobre setores críticos da vida balinesa: a cerimônia de consagração de um sacerdote Brahmana è tema do controle respiratório, da imobilidade da postura e da concentração vazia na profundidade = transcendência numinosa, expressa tranquilidade; festivais de massa nos templos das aldeias, “afirmam a unidade espiritual dos companheiros de aldeia em relação à sua desigualdade de status e projeta uma disposição de amabilidade e confiança”.

(321) [CONCLUSÃO] A cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes dificuldades em tal empreendimento, abismos metodológicos que abalariam um freudiano, além de algumas perplexidades morais. Esta não é a única maneira de lidar sociologicamente com as formas simbólicas. O funcionalismo ainda vive, e o mesmo acontece com o psicologismo. Mas olhar essas formas como ‘dizer alguma coisa sobre algo’, e dizer isso a alguém, é pelo menos entrever a possibilidade de uma análise que atenda à sua substância, em vez de fórmulas redutivas que professam dar conta dela.”

(321) [PROPOSTA METODOLÓGICA e POSSIBILIDADES] “Da mesma forma que os exercícios familiares de leitura atenta, pode-se começar em qualquer lugar, num repertório de formas de uma cultura, e terminar em qualquer outro lugar. Pode-se permanecer, como eu, numa única forma, mais ou menos limitada, e circular em torno dela de maneira estável. Pode-se movimentar por entre as formas em busca de unidades maiores ou contrastes informativos. Pode-se até comparar formas de diferentes culturas a fim de definir-lhes o caráter para um auxílio mútuo. Entretanto, qualquer que seja o nível em que se atua, e por mais intrincado que seja, o princípio orientador é o mesmo: as sociedades, como as vidas, contêm suas próprias interpretações. É preciso apenas descobrir o acesso a elas.”


4. Objetivo do texto

- (p.316) “Se se toma a briga de galos, ou qualquer outra estrutura simbólica coletivamente, organizada” (...) “o antropólogo, cuja preocupação é com a formulação de princípios sociológicos, não com a promoção ou apreciação de brigas de galos”

- Briga de galos serve para exemplificar possibilidades do método interpretativo: o antropólogo lendo o conjunto de textos que forma a cultura por cima dos ombros dos nativos (p.321)

- Objetivo triplo: fazer uma descrição etnográfica densa da briga de galos, exemplificando um método interpretativo e fortalecendo a defesa de uma teoria da cultura enquanto um conjunto de textos.

5. Palavras-chave

- Status

- Hierarquia

- Cultura

- Texto

- Interpretação

- Drama

- Significado

- Comentário

6. Métodos

- Interpretativo (ver objetivos)

- (321) “Da mesma forma que os exercícios familiares de leitura atenta, pode-se começar em qualquer lugar, num repertório de formas de uma cultura, e terminar em qualquer outro lugar. Pode-se permanecer, como eu, numa única forma, mais ou menos limitada, e circular em torno dela de maneira estável. Pode-se movimentar por entre as formas em busca de unidades maiores ou contrastes informativos. Pode-se até comparar formas de diferentes culturas a fim de definir-lhes o caráter para um auxílio mútuo. “ [comparação com briga de galos inglesa na nota 30, p. 312]

- Ele utiliza alguns dados históricos, tanto em termos do passado (o que ocorria antes da dominação holandesa p.ex.) quanto em termos do que aconteceu anos depois (“guerra civil” com milhares de mortos em 1965, pp. 320-1); mas seu método jamais poderia ser descrito como histórico, ele estuda a briga de galo sincronicamente e não diacronicamente.

7. Fontes utilizadas

- Etnografia (geral: feitiçaria, irrigação, castas, casamento; e específica: 57 lutas com documentação exata sobre apostas no centro”

- Estudos anteriores sobre Bali, sobretudo Mead e Bateson; Jane Belo;

- Linguagem: significado das palavras, provérbios (e.g. homem pomposo= galo sem rabo)

- Leis (incesto e bestialidade, o segundo punido com a morte)

- Lenda popular (Nota 22, p. 302; Nota 27, pp. 308-9)

- Balada (Nota 5, p.284)

- Sistema econômico (e.g. relação com os mercados, nota 18, p.299)

- Religião (sacrifício às divindades infernais)

- Sistema de parentesco (ppalmente 304ss. Apostas seguem solidariedade social; comparação com embaraço do casamento na p.306, item 8)

- Organização social (aldeias, divisões internas e oposições inter-aldeias)

8. Conclusões do texto

- Vão crescendo em complexidade. Primeiro ele afirma à p. 304 que “a briga de galos absorvente é fundamentalmente uma dramatização das preocupações de status”, no dizer dos balineses “uma maneira de brincar com fogo sem se queimar”;

- (310-1) Como qualquer forma de arte – é justamente com isso que estamos lidando, afinal de contas – a briga de galos torna compreensível a experiência comum, cotidiana, apresentando-a em termos de atos e objetos dos quais foram removidas e reduzidas (ou aumentadas, se preferirem) as consequências práticas ao nível da simples aparência, onde seu significado pode ser articulado de forma mais poderosa e percebido com mais exatidão. (...) Uma imagem, uma ficção, um modelo, uma metáfora, a briga de galos é um meio de expressão; sua função não é nem aliviar as paixões sociais nem exacerbá-las (embora, em sua forma de brincar-com-fogo ela faça um pouco de cada coisa) mas exibi-las em meio às penas, ao sangue, às multidões e ao dinheiro.”

- Mais adiante ele vai tornando mais complexa esta afirmativa: (317-8) uma reflexão balinesa sobre sua forma de violência, uma forma artística, uma educação sentimental, uma forma de descobrir seu temperamento e o temperamento da sociedade ao mesmo tempo e por aí vai...

- Principal conclusão é acerca da cultura enquanto um texto


9. Questões e críticas

BIERSACK,Aletta

(1992) “Saber local, história local: Geertz e além” In: HUNT,Lynn (Org.) A nova história cultural. São Paulo: Martins Fontes. Pp. 97-130.

p.105 Um inventário das críticas a Clifford Geertz:

i. "A falta de rigor metodológico de Geertz e os dilemas epistemológicos da estrutura original, a hermenêutica, deixa a análise cultural vulnerável aos céticos, que permanecem 'alérgicos', como disse Geertz 'a tudo que seja literário ou inexato'. Dada a natureza qualitativa da análise cultural, quais são as garantias de controle de qualidade oferecidas por Geertz além daquelas de seu próprio talento prodigioso ? A resposta de Geertz certamente seria (sem nenhum pedido de desculpas): nenhuma !"

[entretanto, é bom lembrar que Gee fala que, se a interpretação estiver certa, os fatos posteriores deverão confirmá-la; há uma confirmação a posteriori, portanto]

ii. o próprio Geertz reconhece isto (Interpr. Cultures, p.29):

"nunca cheguei a parte alguma que se aproximasse da essência de qualquer coisa sobre a qual escrevi... A análise cultural é intrinsecamente incompleta. E, pior ainda, quanto mais se aprofunda, menos completa se torna... Comprometer-se com um conceito semiótico de cultura e com a abordagem interpretativa do estudo da mesma equivale a comprometer-se com uma perspectiva de afirmação etnográfica que é, para tomarmos de empréstimo a atualmente famosa expressão de W.B.Gallie 'essencialmente contestável'."

iii. SHANKMAN,1984:69:

'A incapacidade da teoria interpretativa de oferecer critérios para a avaliação de interpretações diferentes ou de paradigmas diferentes coloca um gigantesco obstáculo a suas pretensões de superioridade teórica'

p.106

iv. CAPRANZANO,1986:74:

'Apesar de suas pretensões fenomenológico-hermenêuticas, não há, de fato, em 'Deep Play' [A briga de galos] (...) nenhuma compreensão dos nativos sob o ponto de vista dos próprios nativos... Geertz não oferece nenhuma evidência especificável de suas atribuições de intenção, de sua afirmação de subjetividade e de suas declarações de experiência. Suas construções de

p.107 construções de construções parecem não passar de projeções, ou pelo menos de confusões, de suas idéias, sua objetividade, com relação às do nativo, ou, para ser mais exato, do nativo imaginado.'

v. Ronald Waters,1980:551-2

'A tendência da descrição densa e da semiótica é de fortalecer o impulso de esconder-se e de não tentar ligar as coisas. Isso acontece por aquilo que é uma força analítica - a atenção de Geertz à particularidade e o fato de ele voltar-se para a perspectiva do ator - constitui uma fragilidade em termos de síntese. A descrição densa leva a brilhantes leituras de situações, rituais e instituições, isoladamente. Não requer que se diga de que maneira os 'textos culturais' se relacionam uns com os outros ou com os processos gerais de transformação econômica e social.'

vi. "... a análise cultural de Geertz é tão estática quanto qualquer estruturalismo."

(...)

"O tempo é simplesmente outra modalidade de deslocamento, uma outra forma de alheamento. O significado é descrito, nunca inferido."

(...)

"Geertz afirma que 'o homem é um animal suspenso nas teias de significado que ele próprio teceu'. As teias, não o ato de tecer; a cultura, não a história; o texto, não o processo de textualização - são essas as coisas que atraem a atenção de Geetz. Foucault* nos oferece um antídoto ao problematizar essas próprias 'teias de significado', historicizando-as e remontando no tempo o seu surgimento."

* p.ex. o significado da honra e sua modificação na favela.

p.109

vii. KEESING,1987:161-2

'As culturas são teias de mistificação, bem como de significação. Precisamos perguntar quem cria e quem define os significados culturais, e com quais finalidades.' [1]

(...)

p.110

'mantém-se particularmente silencioso sobre o modo pelo qual os significados culturais sustentam o poder e o privilégio.'

(...)

'Onde as feministas e os marxistas encontram opressão, os simbolistas encontram significado.'

[1] Será que alguém - ator ou classe - tem poder para simplesmente criar e definir significados ?

viii. William ROSEBERRY:

'Aprendemos que a briga de galos foi declarada ilegal pelos holandeses e mais tarde pela Indonésia, que ela é atualmente praticada em locais ocultos e semi-secretos do vilarejo, e que, para os balineses, a ilha tem a forma de 'um pequeno e orgulhoso galo em pé, de pescoço estendido, com as costas retesadas e o rabo erguido, num permanente desafio à grande, indiferente e disforme Java'. São questões que, sem dúvida, requerem uma certa atenção interpretativa. No mínimo, sugerem que a luta de galos está intimamente

p.111 ligada (ainda que não seja redutível) aos processos políticos da formação do Estado e do colonialismo. Também sugerem que a luta de galos passou por uma transformação significativa nos últimos oitenta anos, e que, se ela é um texto, trata-se de um texto que está sendo escrito como parte de um profundo processo social, político e cultural."

- Ver também KING, 1998: 16-19 para possibilidades e fraquezas da análise de Geertz aplicada ao futebol inglês (páginas escaneadas)

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