domingo, 24 de agosto de 2008

Esquema do texto 2: Bourdieu

ESQUEMA de

BOURDIEU 1983 - Como é possível ser esportivo

“Como é possível ser esportivo” In: ___________ Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983. pp. 136-153.

  1. Autor
  2. Obra
  3. Estrutura do texto
  4. Objetivo do texto
  5. Palavras-chave
  6. Métodos
  7. Fontes utilizadas
  8. Conclusões do texto
  9. Questões e críticas
  10. Outras leituras recomendadas

  1. AUTOR: Pierre Bourdieu (* 1. 8. 1930 - † 23. 1. 2002)


Vie privée

· Geboren als/ born as/ né: Pierre-Félix Bourdieu, Denguin (Pyrenées Atlantiques);

· Vater/ father/ père: Albert Bourdieu, Bauer/ farmer/ paysan, dann/ afterwards/ après: Postbeamter/ post-official/ fonctionnaire postal;

· Mutter/ mother/ mère: Noemie Bourdieu, geb./ born as/ née: Noemie Duhau;

· Ehe/ married/ mariage: 1962 mit/ with/ avec Marie-Claire Brizard

· Kinder/ children/ enfants: Jérôme Bourdieu (économiste); Emmanuel Bourdieu (philosophe & directeur du film); Laurent Bourdieu (physicien).


Éducation et carrière professionelle


· Lycée de Pau (1941-1947)

· Lycée Louis-le-Grand (1948-1951)

· École Normale Supérieure (1951-1954)

· Faculté des lettres de Paris (1951-1954)

· Diplôme: Agrégé de philosophie

· Professeur au Lycée de Moulins (1954 - 1955).

· Assistant à la Faculté des lettres d'Alger (1958 - 1960).

· Assistant à la Faculté des lettres de Paris (1960 - 1961).

· Maître de conférences à la Faculté des lettres de Lille (1961 - 1964).

· Directeur d'études à l'École des Hautes Études en Sciences Sociales (1964 - 2002).

· Chargé de cours à l'École Normale Supérieure (1964 - 1984).

· Directeur du Centre de Sociologie de l'Éducation et de la Culture (EHESS/ CNRS).

· Directeur de la Collection " Le sens commun " (Éditions de Minuit) (1964 - 1992).

· Visiting Member à l'Institute for Advanced Studies (Princeton) (1972 - 1973).

· Membre de l'American Academy of Arts and Sciences (1973 - 2002).

· Membre du Conseil scientifique du Max Planck Institute für Bildungsforschung (1974 - 1976).

· Directeur de la revue Actes de la recherche en sciences sociales (1975 - 2002).

· Consulting Editor de l'American Journal of Sociology (1975 - 2002).

· Professeur titulaire de la Chaire de Sociologie au Collège de France (1982 - 2001).

· Directeur du Centre de Sociologie Européenne (CSE) du Collège de France et de l'École des Hautes Études en Sciences Sociales (1985 - 1998).

· Directeur de la revue internationale des livres Liber (1989 - 2000).

· Docteur honoris causa de l'Université Libre de Berlin (1989), de l'Université Johann Wolfgang Goethe de Francfort (1996), de l'Université d'Athènes (1996).

· Membre du Conseil scientifique de l'Institut Maghreb-Europe (1991 - 2002).

· Médaille d'or du CNRS (1993).

· Erving Goffman Prize, University of California-Berkeley (1996).

· Ernst-Bloch-Preis de la ville de Ludwigshafen (1997)

· Huxley Memorial Medal (2000)

· Corresponding Fellow of the British Academy (2001 - 2002)

  1. OBRA-TEXTO

- Artigo em questão é a transcrição de uma palestra – exposição introdutória a um congresso internacional de história do esporte realizado em Paris em 1978.

- Faz parte de um livro publicado em 1980, Questions de Sociologie;

- No prólogo, p.7, Bourdieu diz que todos os textos são “transcrições de intervenções orais e destinadas a não-especialistas” [inclusive entrevistas, em que ele trabalha de forma “mais fácil, embora mais imperfeita”, “idéias sobre temas que alguns já conhecem de outros lugares”; justificando essa colher de chá ao público leigo, Bourdieu afirma que “a sociologia não valeria nem uma hora de esforço se fosse um saber de especialista reservado aos especialistas”

  1. ESTRUTURA DO TEXTO

I. Prólogo e auto justificativa (136): o valor das questões colocadas por um não-especialista

II. Hipótese preliminar e questões: O modelo acerca das práticas esportivas (oferta ó demanda social) e as questões daí decorrentes (136)

III. Primeira grande questão: as condições históricas e sociais do “esporte moderno” e sua evolução (em outras palavras, a constituição de um campo esportivo) (136-148)

- Do surgimento do “esporte moderno” (136-140)

- A filosofia política do esporte (140-2)

- Lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo (142-3)

- Esporte e lucros de distinção (143)

- O esporte espetáculo e seus efeitos (doping, violência e alienação política) (143-5)

- Determinantes da passagem do esporte elitista-amador ao esporte espetáculo destinado ao consumo de massa (145-7)

- Consequências: modificação das funções que os esportistas dão à prática e da prática esportiva em si (147-8) – aqui entram a questão das classes e do habitus

IV. Segunda grande questão: significados e funções que as diferentes classes sociais dão aos diferentes esportes (148-152)

V. CONCLUSÃO: o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos (152-3)

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I. Prólogo e auto justificativa (136): o valor das questões colocadas por um não-especialista

# 136: de onde se fala e quem fala (um sociólogo para historiadores do esporte)

- Não ser especialista pode ser uma vantagem por não ter naturalizado pressupostos da disciplina

“As questões que vou colocar vêm de fora, são as questões de um sociólogo que encontra entre seus objetos as práticas e os consumos esportivos sob a forma, por exemplo, de quadros estatísticos apresentando a distribuição das práticas esportivas segundo o nível de instrução, idade, sexo, profissão, e que é assim levado a se interrogar não apenas sobre as relações entre estas práticas e estas variáveis, mas sobre o próprio sentido que estas práticas assumem nestas relações.”

II. Hipótese preliminar e questões: O modelo acerca das práticas esportivas (oferta ó demanda social) e as questões daí decorrentes (136)

- Hipótese: “podemos considerar o conjunto de práticas e de consumos esportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar uma certa demanda social”

- As questões: existe um campo esportivo? A demanda social pelo esporte, o porquê da escolha de determinada prática

III. Primeira grande questão: as condições históricas e sociais do “esporte moderno” e sua evolução (em outras palavras, a constituição de um campo esportivo) (136-148) [i.e. oferta]

- Do surgimento do “esporte moderno” (136-140)

* o surgimento do esporte moderno enquanto um sistema de instituições e agentes ó práticas e consumos esportivos; a constituição do campo esportivo

* a conseqüência dele (esporte) ser encarado como um campo: sua relativa autonomia [Elias já dissera isso em Quest for Excitement, na introdução]

* aí entra o papel da história social do esporte: fazer a genealogia do seu objeto

* o esporte como o produto de uma ruptura – daí ser errôneo ver os jogos que o antecederam como práticas pré-esportivas – no sentido de Elias; a partir de quando se constituiu esse campo esportivo ?

* tentativa de resposta a partir da história do futebol e do rugby

* passagem do jogo ao esporte deu-se nas grandes escolas da elite burguesa da Inglaterra

* lá estes exercícios corporais da elite são separadaos do calendário e das funções sociais e religiosas dos jogos, reduzidos a regras próprias e a um calendário específico;

* neste ethos das ‘elites’ burguesas, o essencial é que o exercício não tem finalidade, é gratuito, distancia-se dos interesses materiais [aquilo que outros irão chamar de ‘a ideologia do amadorismo’]

* esta autonomização das práticas esportivas caminha lado a lado com um processo de racionalização visando a previsibilidade e a calculabilidade (regras universais, corpo de dirigentes recrutado entre os old boys); afirmação da autonomia relativa do campo das práticas esportivas

- A filosofia política do esporte (140-2)

* concomitantemente há a elaboração de uma filosofia política do esporte: a teoria do amadorismo: uma prática desinteressada mas que prepara os futuros líderes (virilidade, vontade de vencer mas respeitando as regras)

* em França, o debate toma a forma da definição de uma educação burguesa oposta à definição pequeno-burguesa e professoral, agora valorizando a ‘energia’, a ‘coragem’, a ‘vontade’, virtudes que se se esperavam dos líderes, bem como a ‘iniciativa’, o ‘espírito de empresa’ contra o saber, a erudição, a docilidade ‘escolar’; é valorizar o caráter ou a vontade acima da inteligência, relativizando o ‘sucesso escolar’

* Estas frações dominantes da classe dominante pensam a oposição em relação às frações dominadas da classe dominante (intelectuais, artistas, professores) através da oposição entre masculino e feminino, viril e efeminado;

* Em suma, é preciso compreender que “o esporte, como toda prática, é um objeto de lutas entre frações da classe dominante e também entre as classes sociais.” (p.142)

- Lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo (142-3)

* As disputas do campo da prática esportiva: pelo monopólio da imposição da definição legítima da prática esportiva e da função legítima da atividade esportiva; neste campo também está inserido o campo das lutas pela definição do corpo legítimo e do uso legítimo do corpo [daí a enorme importância do esporte para a publicidade no mundo contemporâneo] envolvendo desde os agentes do campo esportivo (treinadores, dirigentes, profs. ginástica e outros comerciantes de bens e serviços esportivos) até moralistas, o clero, médicos (sobretudo os higienistas), educadores num sentido amplo (conselheiros conjugais, dietistas etc), os árbitros da elegância e do gosto etc.

* Algumas oposições transistóricas; profissionais da pedagogia corporal (profs. ginástica) e médicos; filosofia do uso ascético do corpo (educação física = esforço, correção, retidão) x filosofia hedonista que privilegia a natureza e reduz a educação ou até mesmo propõe a desconstrução da educação corporal

* Estas lutas, ou melhor, o resultado das mesmas na direção de um pólo (o ascético) ou outro (o hedonista), depende “do estado das relações de força entre as frações da classe dominante e entre as classes sociais no campo das lutas pela definição do corpo legítimo e dos usos legítimos do corpo” (p.142); o ex. da ‘expressão corporal’ ó nova variante da moral burguesa (outro tipo de relação entre pais e filhos, liberalismo em termos educacionais, de hierarquia e ligadas à sexualidade, denunciando o ascetismo como ‘repressivo’)

- Esporte e lucros de distinção (143)

* O esporte ainda traz consigo a marca de suas origens (ideologia aristocrática do esporte como atividade desinteressada e gratuita mascarando a verdade de uma parte crescente das práticas desportivas) e os lucros de distinção ligados a determinadas práticas como tênis, equitação, iatismo e golfe p.ex.; este lucro de distinção é dobrado pela oposição entre a prática do esporte e o simples consumo de espetáculos esportivos (depois da adolescência, elite pratica mais, povo vê mais)

- O esporte espetáculo e seus efeitos (doping, violência e alienação política) (143-5)

* Os esportes populares (ciclismo, futebol, rugby) funcionam também como espetáculo popular, isto é, de massa. O que nascera das práticas populares, produzidas pelo povo, retorna agora sob a forma de espetáculo produzido para o povo;

* Fenômenos atuais como o doping estariam ligados à busca da vitória a qualquer preço ligada à ampliação do público esportivo para além dos conhecedores profundos (capazes de apreciar o jogo em suas nuances), pois o grande público interessa-se apenas pela dimensão do suspense e da ansiedade pelo resultado; quando o público desloca-se para além dos amadores (i.e. também praticantes) reforça-se o reino dos profissionais puros; em suma, a competência puramente passiva do grande público leva à evolução da produção tanto em termos de música quanto em termos de esporte;

* E, de fato, mais do que seu papel de reforço do chauvinismo ou do sexismo, o esporte reforça a separação entre profissionais e leigos, “reduzidos ao papel de simples consumidores”, tornando-se uma “estrutura profunda da consciência coletiva” (p.145) pois não é apenas no domínio esportivo que lhes é reservado este papel de torcedor [creio que aqui ele está pensando no papel do eleitor na democracia representativa contemporânea, o que só demonstra a relação entre esporte e sociedade, no caso o funcionamento do sistema político]

- Determinantes da passagem do esporte elitista-amador ao esporte espetáculo destinado ao consumo de massa (145-7)

* Análise dos determinantes da passagem do esporte como prática de elite (reservada aos amadores) ao esporte como espetáculo produzido por profissionais e destinado ao consumo de massa;

* “Indústria do espetáculo esportivo”: maximizar a eficácia minimizando os riscos (leis da rentabilidade) è pessoal técnico especializado e gerência científica (ex. futebol americano e sua super-especialização); tudo isso ligado a uma indústria de equipamentos e acessórios esportivos [proteções, material adequado, ver comerciais sobre tênis para futebol de salão]

* Já na sua origem, o esporte, nas public schools, obedecia a este cálculo de custo, pois era o meio de ocupar a menor custo os adolescentes, tornando mais fácil a sua vigilância (tratava-se de instituições totais), fazendo com que se dedicassem a uma atividade ‘sadia’, direcionando sua violência contra os colegas e não contra as instalações ou contra os professores [mas direcionando esta violência, como mostram Dunning e Sheard, de forma controlada, ao contrário do que antes ocorria na relação entre veteranos e calouros]

* Ora, da mesma forma, houve uma multiplicação de associações esportivas inicialmente organizadas sobre bases beneficentes (e mais tarde ajudadas pelo Estado) por parte daqueles interessados em mobilizar, ocupar e controlar os adolescentes (de uma forma extremamente econômica): partidos, sindicatos, igrejas e patrões paternalistas [lembrar do padre da primeira comunhão];

* Os patrões paternalistas, desde muito cedo, oferecem, além de hospitais e escolas, estádios e outros estabelecimentos esportivos;

* Em suma, “o esporte é um dos objetos da luta política” (147); p.ex. no meio rural onde a pequena burguesia ou a burguesia rural promovem o aparecimento de equipes de forma a “impor seus serviços de incitação e enquadramento e de acumular ou manter um capital de notoriedade e honorabilidade sempre suscetível de se reconverter em poder político.”

- Consequências: modificação das funções que os esportistas dão à prática e da prática esportiva em si (147-8) – aqui entram a questão das classes e do habitus

* Nesta passagem das escolas de elite às associações esportivas de massa, há uma modificação não somente das funções que os esportistas e os que os enquadram [dirigentes ?] dão à pratica mas também uma transformação das espectativas e exigências do público agora ampliado: da exaltação da proeza viril e do culto do espírito de equipe (adolescentes de origem burguesa ou aistrocrática) è reinterpretada (como no caso do rugby) para se adaptar ao público de camponeses, empregados ou comerciantes do sudoeste da França: agora será valorizada a violência (a ‘cotovelada’) e o sacrifício obscuro e tipicamente plebeu (‘cavar’ o jogo etc);

* Para entender essas mudanças, é preciso ter em mente que a carreira esportiva – uma trajetória praticamente inadmissível para uma criança burguesa – “representa uma das únicas vias de ascensão social para as crianças das classes dominadas” (148) que podem explorar seu capital físico da mesma forma que as meninas bonitas exploram o seu no mercado dos concursos de beleza e das profissões correlatas (recepcionista etc);

* Em suma, isto exemplifica o ajustamento entre oferta e demanda esportivas (ver cit. p.148); o que tem relação com o habitus (sistema de disposições) de uma classe ou fração de classe determinada

IV. Segunda grande questão: significados e funções que as diferentes classes sociais dão aos diferentes esportes (148-152) [i.e. demanda]

* “devemos nos interrogar sobre as variações do significado e da função sociais que as diferentes classes dão aos diferentes esportes” (p.148); “as variações das práticas segundo as classes devem-se não apenas às variações dos fatores que tornam possível ou impossível assumir seus custos econômicos e culturais, mas também às variações da percepção e da apreciação dos lucros, imediatos ou futuros que se considera que estas práticas proporcionam.” (pp. 148-9) (valor que se atribui à musculatura visível x elegância, ou à saúde e ao equilíbrio psíquico, enfim, diferentes expectativas acerca dos efeitos sobre o próprio corpo; o ex. da ginástica para produzir corpo conspicuamente forte – demanda popular – ou um corpo são – demanda burguesa [hoje, nem tanto, vide a moda da musculação entre a pequena burguesia e a burguesia]; daí a demora das autoridades olímpicas em reconhecer o halterofilismo visto como “força pura, brutalidade e a indigência intelectual, ou seja, as classes populares”);

* “Da mesma forma, as diferentes classes se preocupam de maneira muito desigual com os lucros sociais que a prática de certos esportes proporciona”; aqui atua a lógica da distinção, opondo, p.ex. o golfe à petanca (jogo popular no sul da França), esta última ligada à força; também tem que ser considerado a disponibilidade de tempo ou tempo livre;

* Outro exemplo: a preocupação com a distinção social afasta os membros das classes dominantes da maior parte dos esportes coletivos (basquete, handebol, rugby, futebol) – mais praticados pelos empregados de escritório, técnicos e comerciantes – bem como de esportes individuais tipicamente populares como o boxe ou a luta livre: “a composição social de seu público, que redobra a vulgaridade que sua divulgação implica, os valores em jogo, como a exaltação da competição e das virtudes exigidas, força, resistência, disposição à violência, espírito de ‘sacrifício’, de docilidade e de submissão à disciplina coletiva, antítese perfeita da ‘distância em relação ao papel’ que os papéis burgueses implicam” (p.150);

* Conclusão deste ponto: “tudo permite supor que a probabilidade de praticar os diferentes esportes depende, em graus diversos para cada esporte, do capital econômico e, de forma secundária, do capital cultural e do tempo livre; isto por intermédio da afinidade que se estabelece entre as disposições éticas e estéticas associadas a uma posição determinada no espaço social e os lucros que em função destas disposições parecem prometidos para os diferentes esportes.” (p.150)

* Relação entre práticas esportivas e idade é mais complexa pois a questão da quantidade de esforço físico exigido e da disposição em relação a este esforço é uma dimensão do ethos de classe; p.ex. esportes ‘populares’ estão associados à juventude – licença provisória ó gasto de energia (física e sexual) abundante, e são abandonados muito cedo (normalmente no momento do casamento) x esportes ‘burgueses’ prolongados para bem além da juventude, “talvez, tanto mais além quanto mais prestígio e exclusividade tiverem (como o golfe)” (p.150) [aqui caberia, é lógico, umas adaptações – no mínimo – para pensar o caso brasileiro, onde o futebol é um universal, tanto em termos de classe – menos – quanto em termos etários]

* “é a relação com o próprio corpo, enquanto dimensão privilegiada do habitus, que distingue as classes populares das classes privilegiadas, assim como no interior destas distingue frações separadas por todo o universo de um estilo de vida. “(p.151)

* Isto é:

classes populares è relação instrumental com o próprio corpo “também se manifesta na escolha de esportes que demandam um grande investimento de esforços, às vezes de dor e sofrimento (como o boxe), e em certos casos exigem que o próprio corpo seja colocado em jogo, como a moto, o paraquedismo, todas as formas de acrobacia e, em certa medida, todos os esportes de combate, entre os quais se pode incluir o rugby.” (p.151)

x

classes privilegiadas è ‘estilização da vida’ e corpo tratado como um ‘fim’ è preocupação com uma cultura corporal (culto higienista da saúde ó exaltação ascética da sobriedade e do rigor dietético) traduzida na ginástica ou no esporte ascético ou higiênico, como a corrida ou a marcha, atividades altamente racionais e racionalizadas (pois supõem uma fé nos lucros que prometem como a proteção contra o envelhecimento, que só pode existir a partir de uma base teórica); só adquirem sentido em função de um conhecimento abstrato dos efeitos (e.g. abdominais); isto é característico de indivíduos em ascensão “preparados para encontrar satisfação no próprio esforço e aceitar – é o próprio sentido de toda a sua existência – gratificações posteriores em função de seu sacrifício presente.” (p.151)

* “As funções higiênicas tendem cada vez mais a se associar, e mesmo a se subordinar, a funções que se pode chamar de estéticas, à medida em que se sobe na hierarquia social (principalmente, sendo todas as outras variáveis iguais, entre as mulheres, mais fortemente inclinadas à submissão às normas que definem o que deve ser o corpo, não apenas em sua configuração perceptível mas também em seu jeito, seu modo de andar etc“ (pp.151-2);

* Entre as profissões liberais e a burguesia de negócios as funções higiênicas e estéticas conjugam-se a funções sociais: “os esportes se inscrevendo, da mesma forma que os jogos ou as trocas mundanas (recepções, jantares etc) às numerosas atividades ‘gratuitas’ e ‘desinteressadas’ que permitem acumular capital social.“ (p.152); ex. clubes de golfe, caça ou pólo tornam-se pretexto para encontros escondidos, uma técnica de sociabilidade como a prática do bridge ou da dança; [aqui caberia outro reparo, pois o futebol entre as classes populares e médias também serve como uma técnica de sociabilidade]

V. CONCLUSÃO: o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos (152-3)

*o princípio das transformações das práticas e dos consumos esportivos deve ser buscado na relação entre as transformações da oferta e as transformações da demanda: as transformações da oferta (invenção ou importação de esportes ou de equipamentos novos, reinterpretação dos esportes ou jogos antigos etc) são engendradas

nas lutas de concorrência pela imposição da prática esportiva legítima e pela conquista da clientela dos praticantes comuns (proselitismo esportivo),

lutas entre diferentes esportes e, no interior de cada esporte entre as diferentes escolas ou tradições (por exemplo, esqui de pista, fora da pista, de fundo etc,

lutas entre as diferentes categorias de agentes engajados nesta concorrência (esportistas de alto nível, treinadores, professores de ginástica, fabricantes de equipamento etc);

as transformações da demanda são uma dimensão da transformação dos estilos de vida e obedecem, portanto, às leis gerais desta transformação.

A correspondência que se observa entre as duas séries de transformações se deve, sem dúvida, neste e noutros casos, ao fato de que o espaço dos produtores (isto é, o campo dos agentes e das instituições que contribuem para a transformação da oferta) tende a reproduzir, em suas divisões, o espaço dos consumidores. Colocando de outra maneira, os taste-makers que estão em condições de produzir ou impor (isto é, vender) novas práticas ou novas formas de antigas práticas (como os esportes californianos ou as diferentes espécies de expressão corporal), assim como os que defendem as práticas antigas ou as antigas maneiras de praticar, engajam em sua ação as disposições e convicções constitutivas de um habitus onde se exprime uma determinada posição no campo dos especialistas e também no espaço social, e por este fato eles estão predispostos a exprimir e, portanto, a realizar em virtude da objetivação, as expectativas mais ou menos conscientes de frações correspondentes do público dos leigos.”


  1. Objetivo do texto: esboço de um modelo acerca do surgimento e do funcionamento do campo esportivo moderno

  1. Palavras-chave

- Campo esportivo

- Habitus

- Classes sociais

- Oferta

- Demanda

- Consumo

- Práticas esportivas

- Filosofia política

- Amadorismo

- Esporte de massa

- Esporte espetáculo

- Profissionalização

  1. Métodos

- Uso de conceitos sociológicos, provenientes sobretudo da praxiologia ou teoria da prática, como habitus e campo, aplicados a realidades históricas (surgimento do esporte moderno) ou dados estatísticos (tabelas sobre práticas esportivas)

  1. Fontes utilizadas

- Já respondido no item anterior

  1. Conclusões do texto

- Da especificidade histórica do esporte moderno, da sua constituição enquanto um campo esportivo

- Das relações entre habitus, classes sociais e práticas esportivas

  1. Questões e críticas

- Em alguns pontos há generalizações excessivas, p.ex. p.145, vê-se a questão da especialização e dos experts como tendo um efeito político alienante; ora, no Brasil, por ex., todos se acham especialistas em futebol, são 190 milhões de técnicos da seleção brasileira; o saber especializado não é reconhecido facilmente.

- Outro ex. P. 151 fala do rugby como sendo popular na França devido ao tipo de uso do corpo, mas na Inglaterra o rugby é aristocrático, aqui não leva em consideração a história

  1. Outras leituras recomendadas

- Outros textos de Bourdieu para esclarecer, sobretudo, a questão do habitus. P.ex. Ésquisse d’une théorie de la practique. Ou o livro publicado em Português, Coisas Ditas.

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